segunda-feira, 5 de julho de 2010

Representação Política no Poder Legislativo cearense: a influência dos padres no Período Monárquico


                     
Representação Política no Poder Legislativo cearense: a influência dos padres no Período Monárquico  

                Cristina Fernandes Moreira Aguiar[1]
Josênio Parente[2]

RESUMO 

Este artigo analisa a maciça presença de clérigos católicos na Assembléia provincial cearense durante o Segundo Reinado. O período estudado corresponde aos anos de 1835, quando foi instalada a primeira sessão do Poder Legislativo cearense, até o ano de 1889, quando a República é proclamada e é decretada oficialmente a separação entre Estado e Igreja Católica no Brasil. Pretende-se explicar a importância que esse fenômeno teve para a política brasileira, especificamente para o estado do Ceará, onde o fenômeno se destaca.  Para tal, dialogamos com estudiosos sobre a relação entre Igreja e Estado no Brasil, bem como a trajetória do Poder Legislativo brasileiro, e a marcante presença de padres no cenário político nacional. Fazemos, portanto, a utilização de fontes documentais e bibliográficas. O contexto histórico-político do Ceará, da era provincial, é destacado, haja vista a pretensão em se explicar quem eram esses padres que durante mais de cinqüenta anos ocuparam os assentos de nossa assembléia provincial.   

Palavras chave: Poder Legislativo. Clérigos católicos. Monarquia.    





Introdução

A composição do parlamento cearense durante o Segundo Reinado, que corresponde a um período de cinqüenta e cinco anos, pode ser compreendida a partir do estudo das relações econômico-político-culturais que se estabeleceram no Brasil a partir de sua independência de Portugal, em 1822, e de sua organização como Estado independente.
O imaginário social da elite brasileira apresentava características homogêneas em relação às várias províncias. O nível de participação política e a formação intelectual constituíam, no Brasil monárquico, características exclusivas da elite, esta representada por um número ínfimo, insignificante em relação a toda a população da província.
Parte-se da análise conjuntural do Brasil para se chegar a realidade exclusivamente cearense. Almeja-se caracterizar essa elite através da relação que ela estabelece com o estado brasileiro para se compreender a importância da Igreja Católica, na pessoa dos padres, para a nossa política. A Igreja Católica é aqui estudada como um segmento dessa elite imperial, segmento forte, centralizado que se une ao Estado e estabelece uma aliança consistente, sólida que irá reger o destino político do país durante vários anos.
            A formação acadêmica e a possibilidade de participar ativamente da vida política do país constituíam, no referido período histórico, algo inerente às classes mais favorecidas. “A Igreja ao tempo da descoberta era umbilicalmente ligada à coroa portuguesa”. (INESP, 2009:41).
           Desde o início da colonização brasileira, a Igreja Católica teve grande participação, até o ano de 1889, quando é proclamada a República, o catolicismo é a religião oficial do Brasil, sendo qualquer outra religião levada a segundo plano. A relação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro era tão íntima que em alguns momentos, funções exclusivamente estatais eram assumidas pelos católicos e vice versa. Basta se dizer que era de competência do imperador nomear párocos, bispos, da mesma maneira em que a igreja tinha como responsabilidade emitir documentos obrigatórios a qualquer cidadão como sua certidão de nascimento, por exemplo.“Lógico, portanto, concluir que os nossos homens de letras, os detentores de cultura e do conhecimento ou eram padres, ou estudantes que passaram pelos bancos dos seminários, únicos centros de nível superior da época.” (INESP, 2009:41).     
Dessa maneira, os padres constituíam uma facção da elite do Império, não somente no campo político, como também no campo econômico e cultural. “O Ceará conviveu intensamente com a participação do Clero no quadro sócio-político do Primeiro e do Segundo Reinados” (INESP, 2009:43).  
           Notoriamente, observa-se que no parlamento cearense a presença de clérigos, como deputados, é significativa. Foram quase cem padres que ocuparam os assentos de nossa assembléia provincial, dentre esses, dez ocuparam a posição de presidentes da assembléia. Assim sendo, buscamos saber quem são esses padres, de onde vieram e como chegaram ao parlamento.

Liderança Política no Ceará provincial: a figura do proprietário de terra

            A vida política no Brasil imperial estava intimamente ligada à família, instituição forte que dava sustento a toda a estrutura sócio-política existente.
No caso do Ceará, a figura do proprietário de terra se destaca, e torna-se facilmente observada, quando constatamos a presença de importantes clãs familiares, como os Paula Pessoa, Fernandes Vieira, Alencar, cujos membros ocuparam importantes posições na vida política do Ceará provincial. A força da família era tão latente no Ceará que até determinado período o Estado enfrentava dificuldades em imprimir uma presença destacável, efetiva perante alguns grupos familiares. A força da família estava muito bem representada pela figura dos proprietários de terra, pois ao mesmo tempo em que eram os chefes de suas famílias, detinham a direção econômica de sua propriedade e ainda mantinham a titularidade do poder político.
A preponderância familiar sobre as demais instituições se mantinha através dos freqüentes casamentos entre parentes, bem como entre esses próprios grupos os quais representavam a elite local.
Essas características, até então traçadas, que apontam a importância da estrutura familiar para a manutenção das condições sócio-políticas vigentes, se faziam presentes desde o Brasil Colônia. No caso do Ceará, a partir de 1799, ano em que a capitania tornou-se independente de Pernambuco, a autonomia dos proprietários de terra foi modificada a  partir da relação entre a metrópole e as colônias; percebeu-se, uma maior intromissão do governo colonial sobre o poderio local, representado pelos donos de terra. Observou-se que a maior supervisão da vida política local exercida por Portugal não foi pacificamente aceita pelos proprietários de terra. A Revolta Política ocorrida em 1817 envolvendo Ceará e Pernambuco revela esse descontentamento das elites locais diante da metrópole. Mais tarde, em 1824, com o Brasil já independente, acontece um movimento semelhante ao de 1817, a chamada Confederação do Equador. Ambos os movimentos, tiveram caráter elitista e também republicano, os revoltosos, pertencentes a famílias que detinham o poder político, acreditavam que a Independência significaria o fim do julgo reinol.[3]
O fato é que durante todo o período imperial, os proprietários de terra mantiveram-se em posição de destaque assumindo importantes cargos políticos e financiando todo o engajamento de seus parentes na vida política da província. À época, dois partidos, o conservador e o liberal representavam a aglutinação de interesses da elite.“As hostes partidárias serviram-lhes como meio de conservação, preservação ou aquisição do poder político, no âmbito provincial e, mormente, local.” (PAIVA, 1979: 55).       
O poder político estava nas mãos de poucos grupos que empregavam todos os recursos possíveis para vencer as eleições. Para esses líderes políticos era de vital importância a eleição de seus candidatos que quase sempre eram seus familiares ou apadrinhados políticos, pois dessa maneira tinham total poder sobre a região que administravam, eliminando, assim, a possibilidade de dividir o poder com estranhos que poderiam contrariar suas vontades. “A educação dos filhos se tornou um ponto de honra para os proprietários rurais. O título de padre ou de doutor melhor os capacitava e os qualificava para a investidura em posições políticas.” (PAIVA, 1979:58). 
Esses títulos eram muito importantes para a manutenção dos privilégios, pois, àquela época, a maioria dos brasileiros eram analfabetos e pouquíssimas pessoas, uma quantidade insignificante, chegava às universidades.
            A fonte explicativa de Paiva (1979) nos diz que a maioria dos deputados cearenses, dos quais possuíam curso superior, 48,7% deles eram padres ou bacharéis em Direito, desse total, os padres ocupavam uma média de 19,9% dos assentos nas 27 legislaturas que a Assembléia Legislativa provincial vivenciou, totalizando 78 padres.
Com efeito, para se compreender o ingresso dos indivíduos nas Casas Legislativas e a manutenção de sua carreira política é necessário que analisemos a origem social desses deputados provinciais. No dizer de Arair Pinto Paiva, alguns requisitos tinham que ser preenchidos por quem pleiteava ocupar o cargo de deputado provincial. Na interpretação dessa autora, ser intelectual e pertencer a um clã familiar constituíam os principais requisitos.

                      A Elite Política imperial e a formação superior

A formação superior constituía uma característica fundamental da elite brasileira, e esse fato se refletia nitidamente nos parlamentos, durante todo o Império. À época, a educação superior se concentrava basicamente, na formação jurídica e na eclesiástica. “A elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos”. (CARVALHO, 2003:65).
Murilo de Carvalho, em seus estudos sobre a elite brasileira do período imperial, aponta que somente depois da chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, foram criados cursos superiores. Segundo sua fonte explicativa, durante muito tempo os filhos da elite do Brasil estudavam em Universidades européias, principalmente na Universidade de Coimbra, em Portugal. Nessas condições, o acesso à universidade era algo que demandava excessivos gastos e, é claro, essa situação era um grande obstáculo aos pobres. Mesmo depois da implementação do ensino superior no Brasil, a acessibilidade à grande parte da população ainda mantinha-se impossibilitada, haja vista, a existência de faculdades em um pequeno número de cidades, como por exemplo, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
A fonte explicativa de Carvalho (2003) nos fornece dados em que notoriamente se observa que os políticos os quais ocupavam altos cargos, como ministros e senadores, por exemplo, tinham formação superior. Vale ressaltar que esses mandatos quando não eram exercidos por pessoas que tinham curso superior pertenciam a esses proprietários de terra, sobretudo oriundos de províncias de menor peso político.
Dessa maneira, a posse de bens materiais e a acessibilidade à educação permitiam o ingresso dos indivíduos na carreira política, de tal modo, que o grande abismo existente entre a elite econômica, política e o resto da população, era gritante. A realidade até aqui relatada, com base nos estudos de alguns respeitados cientistas sociais, também constitui característica do Ceará provincial. Em nosso estado, como em todo o Brasil, uma pequena parcela da população tinha direito de participar da vida política, a grande maioria apenas, quando as condições lhe permitiam, acompanhavam de longe os acontecimentos políticos. A elite agrária, representada pelos donos das terras, participava, em sua maioria, indiretamente da política, pois essa participação se dava através da eleição de seus representantes, que normalmente tinham curso superior, e eram em sua maioria magistrados ou padres.
É importante frisar que os clérigos católicos constituíam uma parte dessa elite imperial, inclusive a Igreja Católica teve presença marcante nos parlamentos provinciais brasileiros, principalmente no Ceará. Na condição de deputado, o padre era um funcionário público como qualquer outro, sendo pago para prestar seu trabalho à população através do Estado, todavia não deixavam de servir a uma outra organização burocrática, com fins bem diferentes, a Igreja Católica.
É importante que se aponte alguns acontecimentos referentes à trajetória da Igreja Católica no Brasil, de forma que estes possam nos mostrar quem são esses clérigos que ocupavam os assentos das Assembléias provinciais.  

  “O Clero brasileiro era famoso pela indisciplina. Essa situação tendia a se agravar sempre mais nas regiões mais distantes das imensas dioceses brasileiras de então, principalmente se estas se encontravam em prolongado estado de vacância. Dispersos pela imensidão dos sertões cada pároco era bispo de si mesmo, já que os ordinários muito dificilmente iriam até ele em visita pastoral como mandava o Concílio de Trento”. (REIS, 2004: 46).

               Os Seminários Episcopais, escolas de formação de padres, quando surgiram no Brasil, ainda no século XVIII, estavam aos cuidados dos jesuítas. Todavia, com a expulsão dos padres da Companhia de Jesus, do território brasileiro, vários seminários foram fechados de modo que a expulsão dos jesuítas causou uma crise interna entre os membros da Igreja Católica no Brasil. Essa crise trouxe um comprometimento na formação eclesiástica desses padres, estes eram malformados, tinham costumes profanos, inclusive, grande parte deles tinha concubinas. “E muitos filhos de famílias ricas eram destinados por elas ao sacerdócio como carreira de prestígio” (CARVALHO, 2003:182).
Era comum dentre as famílias da elite imperial ter um filho padre e outro magistrado. Carvalho (2003) aponta para algumas diferenças na formação dos padres e dos magistrados, estes recebiam uma formação mais refinada, precisavam de mais recursos financeiros para se manterem nos cursos de Direito; aqueles eram recrutados de maneira mais democrática, contudo não se pode afirmar que a formação eclesiástica tinha um caráter predominantemente popular.
Deve-se destacar que ter um filho padre era uma das aspirações das famílias abastadas, isso porque, à época do Império, a Igreja Católica era uma das mais importantes instituições, graças ao Padroado[4] Ademais, em função de o clero receber uma formação mais democrática que os magistrados, encejava o aparecimento de padres os quais possuíam uma origem mais modesta que os seguidores do Direito.
 Essa diferença na formação das duas principais carreiras escolhidas pela elite brasileira reflete na diferença, também sutil, nas posturas adotadas nos parlamentos. Os padres se posicionavam de forma mais liberal, combatendo o Absolutismo e o poder centralizado, em contrapartida os magistrados eram mais tradicionais, se posicionavam, normalmente, a favor da Monarquia, da ordem.

A Descentralização administrativa e as Assembléias provinciais    

 A Lei de 12 de agosto de 1834, mais conhecida como Ato Adicional, alterou a Constituição do Império, destacando-se a modificação que converteu os Conselhos Gerais em Assembléias Legislativas provinciais. A criação destas Assembléias foi uma reação descentralizadora, uma tentativa das províncias de recuperarem prerrogativas anteriormente desfrutadas.” (PAIVA, 1979: 1)


            Antes do Ato de 1834 não existiam as Assembléias Legislativas provinciais, cada unidade administrativa possuía os chamados Conselhos Gerais, órgãos meramente consultivos, que davam aos “cidadãos”[5] a possibilidade de intervir em alguns aspectos ligados ao Orçamento, todavia todas as proposições eram enviadas à Câmara Geral( uma espécie de Câmara dos Deputados) onde seriam rejeitadas ou aprovadas.         Antes do Ato de 1834, esses representantes das províncias eram chamados de conselheiros e possuíam um mandato de dois anos.
Com o Ato Adicional, primeira modificação feita a Constituição imperial, os que antes eram chamados de conselheiros passaram a ser chamados de deputados provinciais e passaram a ter direito de legislar sobre diversos temas como saúde e educação, por exemplo. Estes passaram a ser eleitos da mesma forma que os deputados gerais, ou seja, tinham que atender ao critério censitário, teriam que possuir determinada renda para se candidatarem e podiam se reeleger sem nenhuma restrição.
Depois da reforma constitucional teve início o processo de instalação das Assembléias provinciais e a organização e regulamentação para se realizar a primeira eleição para a escolha dos deputados de tal modo que as várias províncias escolheram datas variadas que atendiam às características e necessidades de cada unidade administrativa. No caso do Ceará, a nossa Assembléia realizou a sua primeira eleição em 08 de dezembro de 1834.  
De acordo com a fonte explicativa de Leitão e Santos (2002), a primeira eleição foi comandada por José Martiniano de Alencar[6], que à época era Presidente da província do Ceará. Nessas eleições foram eleitos vinte e oito deputados, sendo que nove destes pertenciam a Igreja Católica, eram estes: Frutuoso Dias Ribeiro, Bento Antônio Fernandes, Francisco de Paula Barros, Francisco Gomes Parente, Ambrósio Rodrigues Machado, Carlos Augusto Peixoto de Alencar, Antônio Francisco Sampaio, José da Costa Barros e Antônio de Castro Silva[7].
Depois de concluída a apuração e de cumpridas todas as formalidades exigidas pelo Ato Adicional de 1834, em 07 de abril de 1835 foi criada a Assembléia Provincial
do Ceará.
Contrapondo-se a esses dados, o INESP (Instituto de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Ceará) divulga[8] que para a primeira eleição para deputado provincial, candidataram-se no Ceará, 283 pessoas, sendo, destas, 40 padres, dez dos quais foram eleitos, são estes: José Ferreira Lima Sucupira, Carlos Augusto Peixoto de Alencar, Antônio Francisco Sampaio, Frutuoso Dias Ribeiro, Bento Antônio Fernandes,  José da Costa Barros, Antônio de Castro e Silva, Francisco de Paula Barros, Francisco Gomes Parente e Ambrósio Rodrigues Machado. Dessa forma, o nome do deputado José Ferreira Lima Sucupira é incluído na lista.

Os padres e o parlamento cearense

A estreita ligação entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica não é algo registrado tão somente no Brasil - Imperial. É importante se destacar que o Brasil nasceu sob a égide do Catolicismo e que Portugal, a nossa pátria mãe, ao estabelecer o primeiro contato com os nativos, já fincava uma cruz na nova terra e um dos primeiros atos era celebrar uma missa, com o Brasil não aconteceu diferente.
         Portugal, à época, era uma nação ligada totalmente a Igreja Católica. O Vaticano outorgou a Coroa Portuguesa certos poderes sobre o clero local, uma bula, documento expedido pelo papa, denominado “Padroado Régio”, ratificou essa relação de cumplicidade entre Igreja Católica e Estado português. Dessa maneira, quando a Coroa portuguesa transferiu-se para o Brasil, logo Dom João VI se tornou divergente maior da Igreja Católica no Brasil. Assim continuou com Dom Pedro I e Dom Pedro II, estes tinham o poder de nomear párocos, bispos, e até estipular os valores dos ordenados dos clérigos. É interessante frisar que a religião católica era a religião oficial do Brasil  Imperial, os não católicos eram tratados como cidadãos de segunda classe.
Tão estreita era a relação entre Igreja e Estado no Brasil de então, que algumas funções tipicamente estatais eram atribuídas à Igreja Católica, como a realização de casamentos, haja vista, que naquela época não existia casamento civil, de modo que para o Estado brasileiro só existia um tipo de casamento oficial, que era o católico; não existia uma certidão de nascimento expedida pelo Estado, os registros de nascimento eram representados pelo batistério, que era um documento expedido exclusivamente pela Igreja Católica.
A partir dessas informações, não é difícil perceber que as elites econômicas, culturais e políticas eram católicas e que a presença significante de padres nos parlamentos durante o Primeiro e Segundo Reinados não constitui nenhuma novidade a partir de tal contexto.
Conforme já lembrado neste trabalho, a formação eclesiástica tinha um caráter um tanto democrático em relação às demais áreas de formação superior. Normalmente, não havia necessidade de investir vultosos capitais na formação de um padre. Partindo-se disso, atentamos para o imenso poder que a Igreja Católica tinha através de seus padres deputados, de dirigir-se a todas as classes sociais, inclusive às massas, por isso exercia um certo poder em relação aos eleitores. Ademais, além do discurso político estava em jogo a fé, o poder de crença religiosa a que esses clérigos tinham sobre a população, uma nítida mistura entre o sagrado (religião) e o profano, representado pela política. “O Ceará conviveu intensamente com a participação do clero no quadro sócio-político do Primeiro e do Segundo Reinado” (INESP, 2009:243).
Observa-se, durante o período estudado, que corresponde aos anos de 1834-1889, nas vinte e sete legislaturas, a destacada participação dos padres diante das demais profissões ocupadas pelos parlamentares da época. Entretanto, em algumas legislaturas, na 8ª e na 9ª, por exemplo, os padres ocuparam a terceira posição perdendo para os magistrados e funcionários públicos, ocupando respectivamente, 1° e 2° lugares.
Baseado na fonte explicativa de Paiva (1979), os padres ocuparam, nas 27 legislaturas, 19,9% dos assentos da Assembléia provincial. Tendo em vista a variedade de profissões e a presença de outros segmentos da sociedade que não possuíam curso superior, como proprietários de terra, alguns funcionários públicos e senhores de engenho, por exemplo, esse percentual é bastante significativo. Segundo essa historiadora, a representação dos padres se deu de forma mais significativa nas quatro primeiras legislaturas e da 11ª a 16ª, com mais de 20% do total de deputados. Ademais, registrou-se também que os padres estavam entre os grupos dos que conseguiam se reeleger com maior freqüência.
Nesse período em que a Igreja Católica é considerada a religião oficial do Estado, tendo monopólio absoluto, de modo que nenhuma outra religião era considerada pelo Estado, teve fim em 1889, quando é proclamada a República e é decretada oficialmente a separação entre Igreja e Estado no Brasil. A própria Constituição de 1891 assegura direitos iguais a todos as outras religiões, adotando o Estado Laico[9].

Conclusão

            A concentração de renda, grande causadora da segregação social, fazia com que a maior parte da população se mantivesse alheia a todo o processo político. Nessas circunstâncias, a política se resumia à troca de favores, onde o voto representava uma maneira de pagar um favor. Dessa forma, observa-se uma distorção na relação existente entre o político e seus eleitores. Estes se sentiam “obrigados” a votar em determinado candidato, uma situação de notória subordinação. Não havia entre os cidadãos um esclarecimento acerca das obrigações dos políticos para com o povo. “Os homens permaneciam agindo e pensando nos moldes paternalistas, em que a lealdade dos moradores deveria ser retribuída com a proteção em tempos de crise” (NEVES, 2002). 
A fonte explicativa de Neves (2007) nos traz a seca como algo que marca a história cearense, determinando relações de cunho político e social. O ato de votar era como “pagar um favor” e este favor advinha das dificuldades que o homem do campo tinha de enfrentar a estiagem, nesses momentos de ausência de chuva, os proprietários de terras agiam de modo a ajudar os mais pobres, pois sem essa ajuda muitos sertanejos morreriam de fome. 
Percebe-se, que os deputados cearenses, normalmente, tinham um mesmo perfil, pertenciam à elite local e tinham o título de bacharéis em Direito, formados pela Universidade de Coimbra em Portugal, ou eram padres, formados pelo Seminário de Olinda. Essa formação em Pernambuco se deu até o ano de 1854, quando foi criada a Diocese do Ceará. O primeiro bispo, D. Luís Antônio dos Santos, teve como uma de suas primeiras preocupações a criação de uma escola de formação de padres na província, daí nasceu o famoso Seminário da Prainha. Dessa maneira, não é difícil perceber que entre as famílias mais abastadas havia a presença marcante de magistrados e padres.
Com relação à presença de padres, a relação entre Igreja e Estado, àquela época, colaborava ainda mais para a significante presença de padres, pois o Estado e a Igreja constituíam faces da mesma moeda, em muitos aspectos o Estado agia como Igreja e vice versa. Os cargos da Igreja Católica eram indicados por políticos e havia uma subordinação mútua.







                                Referências Bibliográficas




CAMPOS, Eduardo. O Legislativo cearense: 150 anos de atuação. NIEPCE, s/d.

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. São Paulo, 2006.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil o longo caminho. Civilização Brasileira. RJ. 2008.

NEVES, Frederico de Castro. A Seca na História do Ceará. IN: SOUZA, Simone (Org.). Uma nova história do Ceará- 4ªEd – Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007.

NOBRE, Geraldo. História Eclesiástica do Ceará. Fortaleza, 1980. Secretaria de Cultura e Desporto.

PAIVA, Maria Arair Pinto. A Elite do Ceará provincial. RJ, Tempo brasileiro, 1979.

SANTOS, Arnaldo e LEITÃO, Juarez. Verbo Cívico visão histórico sociológica da Assembléia Legislativa do Ceará. Editora Expert. Fortaleza, 2002.






















[1] Graduanda do 7º semestre do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará.
[2] Profº.Drº. em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará e aposentado da Universidade Federal do Ceará.
[3] Depois de o Brasil ter adquirido sua Independência de Portugal, em 1822, ele continuou a ser governado por um português, D.Pedro I.

[4]  O padroado foi uma espécie de acordo estabelecido entre a Igreja Católica e os reinos, sobretudo de Portugal e Espanha onde a Igreja delegava aos reis o poder de administrar a Igreja em seus domínios.
[5] Havia muitas restrições ao voto. A idade mínima era de 21 anos, nem mulheres, nem escravos votavam e a renda mínima estabelecida para os cidadãos comuns era de 100 mil-réis.
[6] José Martiniano de Alencar era pai do escritor José de Alencar e também era padre.
[7] Dados extraídos do livro “Verbo Cívico” de Arnaldo Santos e Juarez Leitão, página 69.
[8] Essa divulgação é feita através do Livro intitulado “Os Clérigos Católicos na Assembléia Provincial do Ceará”, publicado em 2009.
[9] Estado Laico é aquele que se posiciona de maneira neutra em relação aos aspectos religiosos. Onde existe uma nítida separação entre o Estado e a religião.


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