quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sistema distrital no Brasil: criação de comunidades políticas


Sistema distrital no Brasil: criação de comunidades políticas


1.    Introdução

Volta e meia, no Brasil, surgem ideias de reforma política que, geralmente, trazem consigo a “necessidade” de criação de distritos eleitorais. A justificativa é de que com isso haveria mais equilíbrio no peso entre os eleitores.
Atualmente, o nosso sistema é proporcional, isso permite que um deputado receba votos de todos os eleitores do seu Estado. A proposta é criar distritos dentro dos estados dando maior visibilidade a toda a sua população.
No Brasil, a forma como os eleitores escolhem seus representantes já foi bem diferente do sistema atual. Em 1855, as eleições legislativas foram realizadas com o eleitorado dividido em círculos eleitorais, cada círculo apontava seu representante. Porém, cinco anos depois cada distrito passa a nomear três representantes. No começo do século XX, as regras mudam novamente o eleitor pode agora votar três vezes e pode destinar todos os três votos para um só candidato. Isso permaneceu até a década de 1930, quando foi estabelecido o sistema proporcional no Brasil. Vale ressaltar que durante o debate da constituinte alguns parlamentares chegaram a aventar a volta do sistema distrital, mas não obtiveram sucesso.
A criação de distritos é uma tarefa que não pode ser considerada incólume. Em um país de tamanha diversidade quanto o Brasil como fazer para desenhar essas comunidades? Na maioria dos países, onde foi implantado o sistema distrital, a fórmula é simples, a população é distribuída em circunscrições de tamanho homogêneo. Isso é idealizado como uma forma de manter cada eleitor equivalente ao outro.
Entretanto, as minorias saem desfavorecidas, uma vez que, juntas elas poderiam eleger o seu representante, mas fracionando-as elas ficam invisíveis. Então, eis uma questão a ser resolvida, ou seja, como criar distritos e não minar a força de grupos com pouco peso político.
Segundo Morril,
The goal of districting is to make possible the meaningful and effective participation of voters in electing representatives. Voters need to feel that voting is worthwhile, that their vote matters, that their interests and those of their community will be considered and have some chance of being addressed. And this is why the geography of electoral districts is important. The geographic design of districts is itself a major element in the balance of power. (MORRIL, 2004, pág. 68)

Esse problema é mais visível em países de grande diversidade como o Brasil. De certo, em comparação aos Estados Unidos não apresentamos, por exemplo, uma grande camada de imigrantes infensos a cultura local. Entretanto, temos uma sociedade onde o machismo ainda impera, temos uma desigualdade racial latente, entre outros pontos nevrálgicos que nos acompanham ao longo da nossa história. Assim, a “distritalização” deve observar que a sociedade civil não pode ser agrupada ou mapeada dentro de um determinismo geográfico com objetivos políticos.
Analisando a Bahia vemos quão é tortuosa essa tarefa, existem grandes municípios com uma população bem pequena. Surgem algumas indagações: (1) Em um estado como a Bahia a criação de distritos deve obedecer o critério populacional? (2) Se sim, como fica a representação dos ruralistas? (3) Os pequenos municípios, ao passo que se supervaloriza o tamanho da população não se tornariam inexpressivos? O mapa 1 apresenta os municípios baianos e a sua respectiva população.

No mapa 1 é possível observar que a distribuição da população dentro dos municípios não é difusa, ela fica concentrada em alguns pontos onde a economia é forte. Vale ressaltar que, na maioria dos casos, o fortalecimento econômico está intrinsecamente relacionado a um passado de favores políticos ao grupo local. Outrossim, em sua maioria, o grupo local ainda preserva laços fortes com o poder central. Com isso, é difícil acreditar numa mudança política com a criação dos distritos, ou seja, os distritos sinalizarão os interesses dos mesmos atores que povoam o cenário atual.
Assim, alguns municípios serão desmembrados em vários distritos, enquanto outros terão que se associar para formar um único distrito. Com isso, a representatividade de muitos municípios fica abalada. Nesse contexto, fica praticamente inviável a esses pequenos municípios cobrarem por políticas públicas específicas as suas necessidades. A tabela 1 apresenta os dez menores municípios baianos e a tabela 2 agrupa os dez maiores quando se leva em conta o eleitorado. O que fica visível é a disparidade entre cidades como Lajedinho (2.732 eleitores) e Salvador (1.706.635 eleitores).



Tabela 1: Dez menores colégios eleitorais
Município
Eleitorado
%
Lajedinho
2.732
0,030
Catolândia
2.946
0,032
Itanagra
3.069
0,034
Ibiquera
3.127
0,034
Dom Macedo Costa
3.152
0,035
Lafaiete Coutinho
3.190
0,035
Contendas do Sincorá
3.215
0,035
Firmino Alves
3.367
0,037
Lajedão
3.409
0,038
Jussari
3.475
0,038

Tabela 2: Dez maiores colégios eleitorais
Município
Eleitorado
%
Salvador
1.706.635
18,811
Feira de Santana
333.372
3,675
Vitória da conquista
186.990
2,061
Itabuna
142.708
1,573
Ilhéus
122.340
1,348
Juazeiro
114.380
1,261
Camaçari
114.243
1,259
Jequié
103.291
1,139
Alagoinhas
91.538
1,009
Lauro de Freitas
84.606
0,933



Outro ponto de preocupação é que nem sempre o tamanho populacional está ligado ao eleitorado. Grandes cidades, como, Salvador, reúnem boa parte do eleitorado de outras cidades menores. No entanto, esses eleitores pagam os seus impostos na cidade onde vivem e usufruem dos recursos dessas cidades. Porém, ao continuarem registrados como eleitores, em outro município, acabam imputando um desequilíbrio entre os representantes e os interesses de quem eles representam.
Desse modo, o representante aparenta ter mais representados do que realmente tem. Quando não se tem a figura dos distritos essa disparidade é amenizada, uma vez que, por exemplo, um deputado estadual ou federal tem por obrigação atuar como fiduciário do conjunto de eleitores do Estado e não apenas de uma área restrita. Assim, tanto faz o local de votação.
Existe uma crença que distritos pequenos geram vínculos mais fortes entre representante e representado. Acredita-se que os distritos uninominais ajudam a promover o voto pessoal, ao passo que o sistema proporcional com listas de candidatos geram partidos fortes (TSEBELIS, 1997, pág. 58). A população cobra com mais freqüência e as políticas são mais ajustadas a realidade local, nesse tipo de distrito o conflito de interesses é baixo e eles acabam sendo dominados por apenas um partido.
Um dos benefícios dos distritos é limitar o espaço das campanhas políticas. Com isso, barateia o custo eleitoral. Se antes um candidato a deputado estadual tinha que percorrer todo o Estado, com o distrito ele se restringe a uma pequena área. Mas o que aparece como benesse pode se tornar um grande imbróglio, já que os candidatos da capital, possivelmente, requisitarão a TV como um meio de divulgação, enquanto, os candidatos do interior, devido à impraticabilidade de gerar um sinal exclusivo a cada distrito, não contarão com o mesmo recurso. Entretanto, os candidatos da capital chegarão à casa de todos os eleitores do Estado e isso gera um grande risco, pois os eleitores, acostumados com o sistema atual, podem confundir os candidatos da TV com os que são do seu distrito e isso pode gerar um grande número de votos anulados.
Outro ponto que precisa ser bem costurado é como acontecerá o re-ordenamento distrital, essa é uma obrigação que deve ser cumprida com rigor. Nos EUA esse controle é feito com base no Censo. Para manter o equilíbrio eles adotam a seguinte fórmula:



Figura 2: Distrito “gerymander” americano.
            No começo do século XX, nos Estados Unidos, surgiram algumas leis com o objetivo de que os distritos fossem homogêneos quanto ao número de habitantes. Como dito anteriormente, ao levar em conta o tamanho populacional, se estabelece uma grande disparidades entre o campo e a cidade. Com o passar dos anos, alguns fatores modificam os distritos, entre eles podemos destacar: a industrialização; urbanização; as zonas residenciais; e a imigração. No interior baiano a constante mudança no clima provoca deslocamentos populacionais e, conseqüentemente, nós teríamos distritos incompatíveis com a realidade. Com isso, um Censo, a cada dez anos, se torna inviável a essa especificidade local.


Nesse breve cenário apresentado aqui, vimos uma mudança sensível no comportamento dos atores políticos. Além disso, as questões ganham um novo delineamento, os projetos de caráter nacional ficam em segundo plano, enquanto, o local se fortalece.
Nesse contexto, os políticos e os partidos são outros. Desse modo, os partidos nacionais, assim como aconteceu em quase todos locais onde os distritos foram implantados, tendem a seres suplantados por partidos com característica regional. Nesse sentido, no lugar do bipartidarismo o que passa a existir é um multipartidarismo repleto de partidos de pouca expressão.
O sentimento regionalista mitiga o debate sobre outras questões como, por exemplo, o foco sobre as questões de gênero e raciais se desloca para a defesa dos interesses privados da região. Uma vez que debater gênero e conflitos raciais passa a ser qualquer outra coisa menos pauta dos partidos regionais. Então, os políticos que tinham a atuação marcada pela defesa desses interesses ou se adaptam a essa nova realidade ou serão deslocados ao ostracismo.
Portanto, a implantação de distritos, no Brasil, não é uma simples mudança nas regras do jogo, ela é, também, uma alteração quase direta nos próprios jogadores. Como ponto positivo poderia ser traçado o aumento da representatividade de locais onde os políticos só aparecem no período eleitoral. Nesse novo modelo, ficaria até mais fácil da população conferir a atuação do seu parlamentar. No entanto, principalmente, no Brasil, é necessário estar vigilante para que não surjam distritos apenas para beneficiar o grupo político local numa tentativa de manter as coisas como estão.

2.    Referências Bibliográficas
CLARK, George L., Stealing our votes: how politicians conspire to control elections and how to stop them. Dorrance Publishing Co Inc., 2004.
MONMONIER, Mark. Bushmanders & Bullwinkles: how politicians manipulate electronic maps and census data to win elections. Chicago: University of Chicago Press, 2001.
MORRIL, Richard L., Representation, law and redistricting in the United States. In: BARNETT, Clive; LOW, Murray. Spaces of democracy: geographical perspectives on citizenship, participation and representation. Sage Publications Inc., 2004.
NICOLAU, Jairo Marconi. As distorções na representação dos estados na Câmara dos Deputados brasileira. Dados, vol. 40, nº 3, pp. 441-464, 1997.
TSEBELIS, George. Processo decisório em sistemas políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 12, nº 34, 1997.

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