quinta-feira, 30 de setembro de 2010

dicas sociais


Curiosos sons do Jardim América
Dia 02, sábado, 15h às 18h30

Dos aboios das vacarias, dos bois desgarrados, estampidos da honra
construída nos gritos na rua permitidos, legítimos, naturais, moleques.
Os segredos se revelam como se não houvesse paredes entre as casas e nem
muros para as ruas. E vozes e pregões e tambores e alto-falantes e risos
e vaias. Gol! O curioso vai seguindo a origem da zoada e descobre a
origem do bairro na origem da cidade, a história, os causos, imagens
surreais de zepelim estacionado na conversa de calçada no Jardim América
de se ouvir. 210min.

Mediador: Paulo Camelo, músico, cientista social, morador do Jardim
América desde que nasceu e antes.
Participantes: Interessados em geral, mediante inscrição prévia.
Ponto de saída: Centro Cultural Banco do Nordeste.
Inscrições: A partir de 28/09, na recepção do CCBNB.

Cidade da Criança
Dia 09, sábado, 15h às 18h30

Criança, literatura e espaço urbano! Ler a cidade a partir de obras
infantis ambientadas em Fortaleza e inventar jeitos de brincar na rua,
na praça, na cidade da criança. Contar mentiras com Túlio Monteiro no
Cajueiro Botador e brincar com Raquel de Queiroz, Socorro Accioli, com a
bailarina fantástica, Horácio Dídimo, mestre Jabuti e a bicharada. Com o
mar e os meninos... Os meninos e o mar. Como se escolhe um livro? Essa
já é a conversa que fica pra hora do piquenique. Leve sua merendinha!
210min.

Mediador: Antonio Filho, escritor dos livros O Carneiro Jasmim, Sapo de
Sapato, A Lagarta Faceira, consultor do Eixo de Formação do Leitor e
Literatura Infantil da Secult.
Participantes: Interessados em geral, mediante inscrição prévia.
Ponto de saída: Centro Cultural Banco do Nordeste.
Inscrições: A partir de 05/10, na recepção do CCBNB.

Historia verde, futuro verde
Dia 16, sábado, 15h às 18h30

Fortaleza perdeu, em pouco menos de 40 anos, 90% de sua cobertura
vegetal e tem menos de 4 m2 por habitante de área verde, quando o mínimo
recomendado pela OMS é de 12 m2/hab. Observando verdes remanescentes de
áreas que estão preservadas, experimentando o conforto climático e
tátil, pensando no uso destes espaços como lugar do lazer e entendendo a
cadeia que eles compõem hoje com a cidade que avança rápida sobre seu
ambiente natural, conheceremos as histórias das conquistas. De como e de
quem conquista a preservação destes respiros para reafirmar nosso desejo
com a cidade que queremos verde para continuar esta história. 210min.

Mediadores: militantes e movimentos que lutaram pela preservação (SOS
Cocó, Salvem as Dunas do Cocó, Pró-Parque etc).
Participantes: Interessados em geral, mediante inscrição prévia.
Ponto de saída: Centro Cultural Banco do Nordeste.
Inscrições: A partir de 12/10, na recepção do CCBNB.

Formação e processos. Dança e cidade. Percursos e Bienal. De Par em Par.
Dia 23, sábado, 15h às 18h30

Nos últimos dez anos, a dança cearense tem estado cada vez mais evidente
nos diversos espaços cênicos de Fortaleza, inserindo-se inclusive em
contextos nacionais e internacionais de difusão e produção. Ao ver obras
coreográficas sobre os palcos da cidade, o público muito provavelmente
não se dá conta dos processos que possibilitaram a dançarinos,
coreógrafos e performers, entre outros, chegarem àquele lugar. Os
processos de formação, entre outros, continuam sendo determinantes para
a carreira dos artistas da dança. Neste Percursos Urbanos, pretendemos
evidenciar um esboço dos atuais itinerários formativos em dança na
cidade, perspectivando e situando suas propostas no contexto local.
Convidamos assim os participantes a conhecer um pouco das estruturas
que, ao longo da última década, têm funcionado como espaços referenciais
na formação desses artistas. 210min.

Mediador: Ernesto Gadelha, professor e gestor em dança.
Participantes: Interessados em geral, mediante inscrição prévia.
Ponto de saída: Centro Cultural Banco do Nordeste.
Inscrições: A partir de 19/10, na recepção do CCBNB.

Maracatu e 74 anos de história e memórias de um mestre
Dia 30, sábado, 15h às 18h30

No ano de 2010, a cultura popular comemora os 74 anos do maracatu mais
antigo do Ceará, em atividade. E para contar essas histórias preparamos
uma bela caminhada com o Maracatu Az de Ouro, que desfilou, pela
primeira vez, com apenas 27 participantes e, em 1970, passou para as
mãos de Joaquim Pessoa de Araújo (Mestre Juca do Balaio). Entre idas e
vindas, Juca do Balaio o transformou no Az de Ouro que hoje sai com
quase 300 brincantes na Avenida Domingos Olímpio, fazendo uma das mais
belas apresentações em vibrantes vermelho e amarelo, mexendo na vida e
misturando alegrias de moradores do Jardim América, Bela Vista e
circunvizinhanças, e de intelectuais e artistas de toda a Fortaleza.
210min.

Mediadores: Associação Cultural Maracatu Az de Ouro.
Participantes: Interessados em geral, mediante inscrição prévia.
Ponto de saída: Centro Cultural Banco do Nordeste.
Inscrições: a partir de 26/10, na recepção do CCBNB.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

CARTA DE UM PROFESSOR DOENTE. (publicado no site de notícias da SBPC 2010 -Recife)




Quinta-feira, 02 de Setembro de 2010
Estou doente...

Produzo mais papéis e máquinas e menos seres humanos, indivíduos! A nossa era se chama
PRODUÇÃO CIENTÍFICA...

Quanto? Preciso 
estar on line e ligado 24 horas para produzir: 5 artigos por ano, pelo menos 1 Qualis A e os demais podem ser A2, B1 ou B2, mas o resto não interessa; pelo menos 1 livro e um capítulo de livro por ano.

Ah! Não posso esquecer das comunicações em eventos!
 Devem ser preferencialmente trabalhos completos, publicados nos anais em Congressos Internacionais porque os resumos expandidos e os simples não contam nada na nossa avaliação. E se forem em eventos regionais ou locais menos ainda.

Devo participar de 2 Programas de Mestrado como efetivo e um terceiro como Colaborador.

Devo ministrar 4 ou 5 disciplinas na Graduação, ou se não for assim preciso ter 4 ou 5 turmas, com pelo menos 50 vagas ofertadas para ministrá-las. Muitas das vezes, em espaços que comportariam muito menos... Quantos créditos: 12, 16, 20 ou 24 por semestre? 

Devo ministrar também 1 ou 2 disciplinas na Pós-Graduação. Preciso orientar os trabalhos de conclusão de curso (4 ou 5, às vezes só um pouco mais por semestre). Preciso orientar pelos menos dois e studantes de Mestrado por ano... Ah! Eles precisam defender suas dissertações em 24 meses... O ideal já seria defender em 18 meses! E os Co-orientados? Quantos?

Tenho ainda os estágios, os projetos de fomento e de PIBIC. Ainda faltam as comissões e os cargos administrativos!

Precisamos de mais cursos, mais disciplinas e mais estudantes, mais cargos e mais comissões... Assim, ganhamos mais TRABALHO e temos menos VIDA. Meu tempo está acabando... O dia é muito curto e as 24 horas já não me são mais suficientes.

Que tal repensarmos o nosso Calendário? O dia poderia ser um pouco maior e o ano poderia ter mais alguns meses... Puxa! Como seria feliz por isto... PODERIA TRABALHAR MAIS! Muito mais, pois ainda preciso ser bolsista de produtividade. Quero também ser pesquisador!

Antigamente, o Professor era Senhor ou Senhora, um segundo pai ou uma segunda mãe, um tio ou uma tia. Era também um EDUCADOR. Um erudito e um verdadeir o HERÓI. Hoje o professor 
brotherchapa,meubrô e véio, entre outros... Muitos outros!

O bom é que temos mais professores. Muito mais! Por outro lado, temos menos salas e dividimos os nossos 15m2 (chamado gabinete) com mais 3 ou 4 e todos os seus orientandos também. Pelo menos não posso reclamar de solidão no trabalho, nem de monotonia. A vida de Profess or é pura agitação... Altas baladas como dizem.

Meu dia de trabalho terminou na Instituição... A jornada de trabalho de um celetista é de 44 horas por semana, com tendência natural de reduzi-la. E a nossa de professor? Isto é muito pouco!

Além da nossa rotina diária, ao chegarmos em casa precisamos continuar TRABALHANDO! Tem as correções de provas, aulas e notas de aulas para serem preparadas, seminários, palestras, etc.. Ou melhor, fazer invencionices para melhoramos a nossa performance para nossos estudantes.

As aulas não são mais atrativas... Eles dizem: melhor seria estar com a Galera ou a Turma... Atender celular, passar minhas mensagens, jogar meus novos games do celular, msn, orkut, facebook, mostrar meu aparelho de celular novinho ... Tem muito mais opções! Perder tempo com estas aulas? Que tédio! Tudo está na Internet mesmo.

Esqueci da elaboração dos projetos! Preciso de recursos financeiros para reali zar alguns trabalhos e o prazo se encerra amanhã. Ainda bem que o envio é on line. O sistema, hoje em dia, em alguns editais recebem até 24 horas depois... UFA! Vai dar tempo.

Aqueles que precisam da nossa atenção em casa: mãe, pai, esposa, marido, filha, filho, neta, neto, noiva, noivo, namorada, namorado... Gato, cachorro, peixe, papagaio, periquito... etc? ELES PODEM ESPERAR!

E as minhas necessidades: físicas e fisiológicas? E o meu lazer e meu prazer? Confesso que às vezes me sobra um tempinho para isto tudo, apesar de serem atividades menos nobres.

Preciso dormir, mas tenho que TRABALHAR! Preciso acordar, antes de dormir. Estou doente! Não tenho tempo de ir ao médio... Depois vejo isto! Estou gravemente doente, mas não posso me curar. Preciso TRABALHAR e PRODUZIR mais papéis (textos, livros, artigos, relatórios, etc...). Meu CURRÍCULO LATTES está desatualizado!

Tenho que produzir mais máquinas também, pois o mercado assim exige.

Fico triste no final. A maior parte de toda a minha produção permanece intocável e, na maioria das vezes, enfeitando estantes e gavetas. Poucos realmente lêem aquilo que é fruto de uma vida inteira de total entrega ao sistema. Ou no caso das máquinas, algumas ficam sem emprego.

Ah! Eu não posso me queixar, pois apesar desta pequena carga de trabalho tenho um bom salário.
Não sois máquinas! Homens é o que sois é uma famosa frase de Charles Chaplin, ou ainda “ O que somos é conseqüência do que pensamos de Buda. Acredito que isto é coisa do passado... Está fora de moda!

Podemos ver que a geração atual não os conhece, pois seus mais re
centes ídolos e sua identidade são diferentes: Exterminador do Futuro  Arnold SchwarzeneggerRambo  Sylvester tallone,Indiana Jones  Harrison Ford,007 - Daniel Craig, etc. Estes são os verdadeiros heróis: imbatíveis, incansáveis e imortais.Estou doente... Gravemente doente... Incurável...

E no fim!

AQUI JAZ um EX-PROFESSOR que um dia sonhou ser PESQUISADOR.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Como se fabrica um Deputado Estadual? o processo de investigação do Habitus político no Ceará


Como se fabrica um Deputado Estadual?
O processo de investigação do Habitus político no Ceará

Pedro Jorge Chaves Mourão[1]


                                                                                                                               
Referência:
 
MOURÃO, Pedro J. C. Como se fabrica um Deputado Estadual? O processo de investigação do Habitus político no Ceará. Disponível em: http://cienciasocialceara.blogspot.com/2010/09/como-se-fabrica-um-deputado-estadual-o.html. Acesso em: 23 set. 2010.


“Vou duvidar de quem pensa que é melhor.
Vou duvidar daquilo que já sei de cór.
Vou duvidar de quem não põe o pé na lama.
Vou duvidar de quem diz que não se engana.”
(Sérgio Brito e Paulo Miklos)

RESUMO

Diário de campo, 2º dia de observação. Hoje decidi usar uma roupa mais formal, terno preto com uma camisa azul clara de botão e manga longa e sapatos sociais. Na primeira vez que fui entrar em contato direto com os Deputados e seus assessores eu estava de camisa de botão com manga curta, calça jeans e tênis all star, notei que nem todos os chefes de gabinete foram solícitos e prestativos comigo da primeira vez, então desconfiei que pudesse ser devido às roupas. Ou melhor, devido o significado das roupas dentro deste espaço social.” Esse trabalho busca descrever e analisar o processo de construção de uma pesquisa, a formação sócio-histórica de 4 (quatro) Deputados Estaduais através dos relatos sobre a biografia destes parlamentares e como se deu o seu aprendizado político. Como se constroem socialmente os Deputados, quais são as influências sociais que os posicionam no campo político e como estas influências se manifestam em suas ações políticas? Essas são as principais perguntas que estão contidas na pesquisa. As bases desse trabalho estão na descrição e análise dos possíveis métodos e técnicas a serem aplicados no exame e na auto-avaliação dos erros e acertos na trajetória de estudo. Portanto, este artigo tem como objetivo avaliar uma pesquisa em andamento, ou seja, praticar uma meta-pesquisa, bem como refletir sobre a importância da auto-avaliação durante as atividades da investigação e sobre quais mecanismos podemos nos valer para a compreensão da formação política dos agentes sociais em seu cotidiano.


Palavras-chave: Poder legislativo, trajetória, Ceará, Sociologia do conhecimento.





INTRODUÇÃO



Como afirma Bourdieu (2007), um dos papéis de um seminário é dar a oportunidade para que possa ser compartilhado o processo do trabalho na construção de uma pesquisa, partindo dessa função é que estabeleço o objetivo deste trabalho.  Em dezembro de 2008 criei um esboço do que hoje é a pesquisa, o processo para transformar aquele esboço de duas páginas em um projeto de pesquisa com quinze páginas para o mestrado levou algum tempo, busquei conversar com colegas que tiveram seus projetos de pesquisa aprovados em seleções de programas de pós-graduação. Li minuciosamente cada projeto que me foi enviado[2], e busquei observar o que havia em comum em cada um deles. Notei que havia uma estrutura, uma linguagem, uma forma de escrita especifica que permeava a lógica da construção dos projetos. A linguagem acadêmica, a disposição do conteúdo e a forma da escrita eram características, e davam uma forma comum a cada projeto.  O “esqueleto” do projeto já havia sido descoberto, bastava agora descobrir quem já havia estudado sobre trajetórias de vida e suas relações com a estrutura social, posto que tal relação entre o objeto e a lógica da sociedade era o que iria conferir ao meu projeto o caráter sociológico.   A pesquisa bibliográfica iria permitir que eu não caísse no erro de “descobrir a roda”, repetir o conhecimento sem saber que já foi amplamente divulgado, bem como permitir que pudesse analisar o campo do conhecimento que pretendia entrar.  Estudar os pontos polêmicos e os lugares comuns que são abordados na área se tornou um passo fundamental na pesquisa, porém isso poderia me levar a permanecer na trilha cientifica já feita pelos meus antecessores. A vigilância que passei a fazer sobre a tessitura do projeto aumentou, agora a responsabilidade não era só conhecer o que já havia sido produzido de informação sobre meu objeto de pesquisa, mas também evitar cometer os mesmos erros dos outros pesquisadores.
Durante uma sessão de leitura das obras que discutiam sobre a temática que eu pretendia estudar percebi que inconscientemente eu já estava fazendo uma pesquisa. Era uma pesquisa para fazer um projeto para fazer uma pesquisa.
A intenção deste artigo é refletir sobre a lógica do processo de produção das Ciências Sociais, tendo como ponto de partida a pesquisa “Como se fabrica um deputado: Um estudo de caso sobre a aprendizagem do habitus político pelos Deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Ceará”. O que seria uma meta-pesquisa, uma pesquisa sobre uma pesquisa. Pensar sobre um saber prático que é ensinado, mas não é objeto de reflexão costumeira.
Este artigo tem como objetivo ser o palco para uma reflexão, uma reflexão sobre o primeiro semestre da pesquisa. A metodologia aplicada neste trabalho se utiliza da própria sociologia reflexiva sugerida por Bourdieu (1989). Como sugere o autor, o homo academicus gosta do acabado, do perfeito, do irretocável, porém tal gosto não tem uma relação boa com o fazer cientifico questionador ou crítico. Romantizar o fazer científico é perder o que há de essencial nele, que é sua potencialidade para ter uma reflexão sobre os detalhes, sobre o trivial. Os objetos banais e rotineiros escapam aos nossos olhos por pertencerem a lógica das coisas acabadas, a lógica das coisas que se institucionalizaram como nos mostra Berger e Luckmann(1974). Transformar o caminho para a obtenção dos resultados científicos em caminho de flores significa perder a consciência sobre esse caminho, se apaixonar pela pesquisa é perder de vista as rugas, as marcas e as imperfeições que constroem a estrutura material e simbólica do objeto. O mesmo pode-se dizer das pessoas apaixonadas que enxergam a pessoa amada sem defeitos, sem falhas.

Entre as várias atitudes que eu gostaria de inculcar, se acha a de se ser capaz de apreender a pesquisa como uma actividade (atividade) racional – e não como uma espécie de busca mística, de que se fala com ênfase para se sentir confiante – mas que tem também o efeito de aumentar o temor ou a angustia. (BOURDIEU, 2007a, p.18)

De fato, o perigo da mistificação do processo de pesquisar ocasiona um desgaste tanto ao pesquisador, como para a pesquisa em si.  Na medida em que o pesquisador mistifica seu trabalho ocorre uma perda significativa da habilidade racionalizadora do pesquisador no processo científico.   No início de meus primeiros trabalhos como pesquisador, procurei evitar o contato direto com o pesquisado, todavia, este contato é uma exigência do trabalho nas Ciências Sociais que pretende ser de boa qualidade.
   Os pesquisadores por vezes têm uma extrema relação com os seus objetos de pesquisa, seja pela afetividade positiva ou pela afinidade negativa. Comumente sua escolha do tema dialoga com questionamentos individuais do cientista social e com sua trajetória pessoal e profissional, como afirma Duarte: “uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados.” (2002, p.140).
A escolha de pesquisar os parlamentares tem uma estreita relação com as pesquisas empreendidas na minha graduação. A escolha do objeto se deu por uma afetividade negativa, e certa repulsa em relação ao objeto. Acredito que não seja o único a ter um sentimento de descrença pelos agentes políticos. Inicialmente acreditei que pelo fato de sentir certo desprezo por eles isso facilitaria o “distanciamento” e evitaria essa mistificação que Bourdieu adverte. Refletindo mais tarde entre colegas de pós-graduação pude observar meu erro. Essa romantização da pesquisa é tão nociva quanto uma demonização do objeto. O que eu estava fazendo era somente o inverso do romantizar, o que não significava de forma alguma que estaria no caminho mais científico, racionalizando o processo de construção do objeto. Existe mais semelhança entre as quinas de uma mesa do que entre essas mesmas quinas e o meio da mesa. Os extremos guardam em si uma dicotomia que os unem, e que os tornam semelhantes só que em posições diferentes.
Como afirma Bourdieu, nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades em uma pesquisa (1989, p.18) Partindo desse raciocínio é que este artigo se desenvolve, tanto para expor as dificuldades encontradas no primeiro semestre da pesquisa, como para refletir e racionalizar sociologicamente sobre elas.
Na primeira seção deste artigo apresenta-se o processo de construção da base teórica para a pesquisa, a busca por teorias que dêem conta do campo analisado, o dilema da utilização dos métodos da Ciência Política clássica, o processo de construção do objeto em suas diversas fases.
Na segunda seção faço uma breve analise sobre a organização da base empírica do projeto, as buscas pelos dados, relatos históricos, literários e etnográficos sobre o objeto, a escolha da abordagem no campo, as técnicas utilizadas abordagem, a construção de uma relação com os pesquisados, a inserção no campo.
Para a última seção, trata-se dos apontamentos e questionamentos para o aprimoramento da pesquisa e uma breve consideração sobre os fatos expostos neste trabalho.


Parte I: A construção de uma base teórica

Na busca por fazer uma análise crítica sobre como se dá o processo de construção da essência “política” dos Deputados Estaduais do Ceará, decidi por bem aplicar a técnica de estudo de caso com 4 (quatro) dos Parlamentares cearenses eleitos em 2006, analisando suas histórias de vida e suas trajetórias dentro do Parlamento.  No entanto, se pensarmos que em 2006 no Ceará havia 46 vagas para 568 candidatos[3], a concorrência era de 13 candidatos por vaga, então por que só pesquisar quatro dos candidatos que foram eleitos? Por trás de cada um deles havia uma história, uma trajetória que os colocavam naquele momento, boa parte deles passou pela militância política, por palanques, reuniões, carreatas, e articulações para formar coligações e aprender as regras do “jogo político”, no entanto só 46 candidatos iriam exercer o cargo público de Deputado e, portanto, fariam parte do corpo legislativo. A delimitação do universo pesquisado foi reduzida para um grupo específico, os parlamentares estaduais atuais. A escolha de pesquisar 4 deputados do universo de 46 foi feita pela dificuldade de analisar e detalhar 46 histórias de vida em apenas dois anos de pesquisa. A função da amostragem é justamente essa, a de facilitar a escolha dos indivíduos a serem pesquisados. Utilizamos então uma amostragem estratificada, que como sugere Lakatos e Marconi (2009) deve ser adequada aos objetos da investigação, transformando estes estratos em mecanismos de distinção clara, de forma que não seja possível atribuir o mesmo atributo a nenhum pesquisado, como no caso desta pesquisa, o pesquisado será estreante na função de parlamentar estadual ou não será, ele será herdeiro ou não. A escolha dos deputados se baseou nos seguintes critérios:



1) Herdeiros e não herdeiros.
2) Serem estreantes na Assembléia Legislativa do Ceará.
3) Todos devem pertencer a partidos distintos.

Decidimos por utilizar as categorias que Maquiavel emprega em seu célebre livro, “O Príncipe”. Quando ele descreve no seu primeiro capítulo que “os principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo, ou novos.” (MAQUIAVEL, 2006). Posto isto, pesquisaremos o processo de construção do habitus político de 2 (dois) Parlamentares que têm em suas famílias parentes em primeiro grau que já exerceram cargos políticos eletivos, e dois parlamentares que não têm parentes que já exerceram cargos políticos eletivos, sendo todos os 4 (quatro) de partidos distintos. Sendo Sérgio Aguiar (PSB) e Tomás Figueiredo Filho (PSDB) os 2 (dois) deputados com herança política a serem pesquisados, e Dedé Teixeira (PT) e Lula Morais (PCdoB) os 2 (dois) que não tem herança política. Utilizo a categoria herdeiro buscando descrever um determinado agente social que recebeu um dado capital cultural do grupo onde foi socializado, vale ressaltar que no caso deste trabalho o capital cultural se trata de conhecimentos prévios sobre a política institucional. Daí surge a questão de escolher deputados que tenham parentes ou familiares que já operaram no campo político institucionalizado (deputados, prefeitos, governadores, vereadores) e que de alguma forma influenciaram os pesquisados[4].
O critério de ser estreante exclui todos aqueles que já exerceram cargo de Deputado Estadual, no entanto, não rejeita a possibilidade de experiências em outros cargos políticos. Posto que nosso objeto deve ser delimitado à compreensão da formação do habitus político dos parlamentares estaduais. Essa pesquisa poderia ser feita sobre as trajetórias de Deputados anteriores que só tiveram um mandato parlamentar, mas um ponto de profunda relevância que pretendo abordar é a ação política não institucionalizada (por exemplo, favores para eleitores e colegas de legenda) destes agentes sociais durante seus mandatos. Logo, se tornaria problemático pesquisar essas ações sem utilizar a técnica de observação direta. Alguém poderia perguntar, porque não fazer uma pesquisa com os ex-deputados? Uma pesquisa com os ex-deputados seria mais do que válida. Entretanto se pensarmos que o cenário político nacional mudou drasticamente a partir da reabertura política, com o movimento das “Diretas Já” e com a Constituição de 1989, esses fatos históricos já exercem uma diferença brutal entre a lógica de atuação dos deputados que tiveram seus mandatos antes da redemocratização do País e da lógica de atuação dos deputados posteriores a esse momento histórico. Mas porque não pesquisar ex-deputados que exerceram seus mandatos no período posterior a redemocratização e não estão na atual bancada da Assembleia? Caso os pesquisados fossem ex-deputados, não seria possível observar suas práticas cotidianas, as rotinas de trabalho, a relação com os colegas de parlamento.
A pesquisa documental é fundamental como fonte de dados em grande parte das pesquisas em Ciências Sociais, mas neste caso perderíamos parte considerável da essência da ação política dos parlamentares por entender que nem todos os seus mecanismos de ação possuem registros escritos. Limitar as fontes aos registros documentais alteraria os resultados da pesquisa, principalmente em se tratando de uma questão que envolve o Estado, seria possível termos uma impressão tendenciosa dos fatos e cair no feitiço da história oficial. Entrevistas com os ex-deputados anteriores poderiam ser uma excelente resposta para a busca de dados, porém depositaríamos a sorte da pesquisa sobre as memórias dos sujeitos sociais, memória essa que tende a ser seletiva e não guardar os detalhes triviais da rotina – sendo nessa rotina que justamente reside à lógica das interações cotidianas.       
Por isso a escolha de estudar os parlamentares que estão atualmente na AL-CE, para facilitar a análise da lógica de ação destes políticos.
Já a questão de pesquisar políticos de partidos distintos se origina da hipótese de que exista uma relação de influência entre o partido e o deputado, na medida em que o partido político busca dar orientação política aos parlamentares e estes buscam agir sobre a estrutura partidária. Portanto, cada partido político teria uma lógica especifica de estruturação, porém com certas características gerais comuns a todos os outros partidos.
 A observação da trama das relações que formam a base do cotidiano da política pode revelar como funcionam os modos de agir na realidade social da política institucional, as regras de conduta de um Parlamentar dentro do campo, observando os processos de interiorização das normas e princípios e regras de conduta que influenciam em suas formações. De que forma essa lógica de atuação se manifesta nas estratégias de articulação, e quais são suas conseqüências na estrutura governamental? Para entendermos a relação que existe entre o particular e o público é necessária uma categoria de pensamento que estreite essa relação e quebre o antagonismo entre elas. Surge o habitus, que Bourdieu (2007), Elias (1994) se referem. Antes de qualquer coisa, é necessário observar que existe uma distinção entre a categoria de habitus de Bourdie em analogia ao habitus para Elias.
O que Bourdieu chama de habitus, são condutas básicas que são reproduzidas através das leis, costumes, etc, inculcadas de forma mais ou menos refletidas e mais ou menos irrefletidas pelos indivíduos (BOURDIEU. 2007), já para Elias o habitus seria como uma “segunda natureza”, e se daria por intermédio da construção da identidade através do monopólio cultural e simbólico que o Estado exerce sobre os indivíduos, os indivíduos assimilam os elementos existentes na sociedade, ao mesmo tempo em que devolvem a ela elementos que também a formam. A priori, tomemos como referência a categoria descrita por Bourdieu, já que é necessário um aprofundamento teórico para que possamos articular as duas modalidades da categoria do habitus em uma análise das trajetórias dos parlamentares cearenses.
Explicitar o conceito de política nesta pesquisa é uma tarefa de suma importância. O que se entende como sendo campo político? Através de uma pesquisa bibliográfica observei a seguinte definição, que segundo Weber (2006, 1991) é um conceito muito amplo que compreende qualquer tipo de liderança independente em ação, podendo ser observada como política financeira dos bancos, ou até a política de uma esposa que orientar o marido. Podemos avaliar que na definição de Weber sobre “política” existe uma intenção de mostrar a relação entre o campo político e o sujeito da ação, o político.   Desta forma para Weber, o campo social (política) está imbricado com o agente social (político) de tal forma que só é possível compreender a lógica do campo através da relação entre os agentes (subjetivo) e a coletividade (objetivo). Tal relação pode ser vista de forma similar na categoria do habitus bourdiesiano, por se tratar de uma definição que articula a objetividade das construções sociais em relação com a subjetividade dos agentes.
Mas como esses agentes aprenderam a ser políticos? A resposta para esta pergunta pode estar nas trajetórias de vida destes sujeitos. A intimidade com o saber político é construída historicamente, seja na vida publica, como nos sindicatos, movimentos populares ou pelos vínculos de parentesco. Os saberes práticos para poder se articular dentro do campo político são diversos, as relações de lealdade com o partido, a mediação dos conflitos de interesse, a fidelidade ao grupo de origem ao qual pertence o político, a busca por ampliar sua rede de contatos, a “obrigação” de distribuir bens e favores aos eleitores. Entra em questão a herança política na transmissão das práticas cotidianas, no modo de perceber o mundo. Como afirma Bourdieu:
“(...) os bens de família (como a herança política) têm como função não só certificar fisicamente a antiguidade e a continuidade da linhagem e, por conseguinte, consagrar sua identidade social, indissociável da permanência no tempo, mas também contribuir praticamente para sua reprodução moral, ou seja, para a transmissão dos valores, virtudes e competências que servem de fundamento afiliação legitima das dinastias burguesas. (2007b, p.75)
    
Segundo o autor, a herança possibilitará aos indivíduos uma facilidade para a inserção no campo social, porque a herança rompe coma lógica da igualdade de condições quando permite que alguns indivíduos já iniciem suas trajetórias de vida influenciadas por ela. O que é o caso de dois dos deputados analisados na pesquisa, Deputado Tomás Filho (PSDB-CE) e o Deputado Sérgio Aguiar (PSB-CE).



Parte II: A construção de uma base empírica



A metodologia aplicada nesta pesquisa nasceu basicamente dos questionamentos a respeito dos próprios limites entre as Ciências Sociais. Busquei ouvir os colegas mais experientes e observar as técnicas empregadas por eles, notei que os cientistas políticos que buscavam utilizar as técnicas clássicas de entrevista formal, sempre eram surpreendidos com informações profundamente reveladoras, logo depois que desligavam seus gravadores e que aqueles que baseavam suas pesquisas em técnicas quantitativas perdiam a chance de analisar as sutilezas dos objetos.  Logo notei que em se tratando com instituições governamentais e pessoas públicas, predominavam nos dados fornecidos as ações legais. As “coisas” e as ações pareciam sempre ter maravilhosamente uma lógica coerente e adequada. Perguntei-me como isso pode ser possível se estamos pesquisando seres humanos e não máquinas? Quando analisei documentos oficiais por vezes pouco ou quase nada da subjetividade podia ser observada neles. A legalidade, a racionalidade, e a burocracia tentavam varrer destes documentos os resquícios de humanidade de seus criadores. Notei que entre os antropólogos era corrente a utilização de técnicas qualitativas e certo repúdio a técnicas quantitativas. Já nos cientistas políticos era o inverso, havia um apreço pelas técnicas quantitativas e recusa às técnicas qualitativas.
 (Parte dos cientistas sociais) deixaram o rigor que deve existir na antropologia e a tradição de pesquisa de campo na ilusão de que, não sendo quantitativos, seus trabalhos seriam antropológicos (SOARES. 2009, p.29)
A partir desta reflexão entendi que deveria “utilizar a isca de acordo com a caça”, e não “usar ratoeiras para caçar elefantes”, decidi permitir que a necessidade de informações durante a pesquisa orientasse as técnicas empregadas. A minha busca por uma estratégia de ação em campo foi profundamente influenciada pelas teorias de Bourdieu, Elias e Weber. Porém, busquei deixar que a pesquisa “falasse” o que era necessário fazer para descobrir novas pistas, e essa fala a qual me refiro é a movida pela necessidade para a obtenção de dados empíricos. Na medida em que as dificuldades se apresentam, surgem também estratégias para a inserção no campo de pesquisa, pois os próprios questionamentos e dúvidas para a obtenção de dados se tornarão aos poucos respostas para a busca de informações.
No decorrer dos primeiros momentos da pesquisa precisei de informações gerais sobre o objeto e busquei fazer uma pesquisa histórica sobre a Assembleia Legislativa, busquei documentos, jornais, atas de sessões parlamentares. Em seguida a pesquisa necessitou de informações a respeito dos atuais Parlamentares e logo pesquisei informações sobre suas biografias no site da assembléia onde há um registro dos dados primários dos Deputados, nome completo, profissão, número de votos que obteve canais de contato (email, telefone, numero de gabinete na Assembleia - e um breve perfil descrevendo sua biografia). Logo entrei em contato com a assessoria de alguns parlamentares para fazer uma pré-entrevista com o intuito de confirmar as informações já obtidas, analisar se o perfil do parlamentar estava dentro do recorte da pesquisa, esclarecer o deputado sobre a investigação, perguntar sobre a disponibilidade para ceder entrevistas, permitirem que fizesse registros audiovisuais, e um levantamento histórico da sua biografia. Após algumas recusas, longas esperas em gabinetes parlamentares e várias visitas frustradas, então selecionei quatro políticos de acordo com os critérios anteriormente definidos.
Deixar claro do que se trata a pesquisa foi um dos primeiros passos tomados, por entender que a relação entre o pesquisador e os pesquisados deve ser permeada pela honestidade, para que posteriormente não haja “mal entendidos” entre as partes envolvidas. Como afirma Lakatos e Marconi, “o pesquisador deve entrar em contato com o informante e estabelecer, desde o primeiro momento, uma conversação amistosa, explicando a finalidade da pesquisa, seu objetivo, relevância e ressaltar a necessidade da colaboração”. (2009, p.84). Neste caso o receio de represálias, tanto por parte dos pesquisados quanto da comunidade acadêmica foi um fator crucial para a exposição detalhada da pesquisa aos investigados. Pois da mesma forma que um químico deve ter cautela com as reações químicas de suas pesquisas, um cientista social deve tomar cuidado com as reações sociais provenientes de sua investigação. Logo observei que no momento que apresentei a pesquisa e os seus objetivos para a maioria dos assessores e deputados ou ela não era interessante, ou não interessava, desconfiei que pudesse ser pela linguagem acadêmica e com o passar das apresentações que fiz para eles fui tentando resumir do que se tratava a pesquisa. Transformar as idéias contidas em 15 páginas de projeto em um monólogo de 3 minutos se tornou uma tarefa árdua no inicio, mas que no final das últimas exposições passou a ser mais fácil.


Parte III: Considerações finais


“O tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui.
Mas eu lembro muito bem como se fosse amanhã.”
(H. Gessinger)

 

O objetivo deste foi descrever o processo de construção de uma pesquisa em andamento, refletir sobre os detalhes da construção da pesquisa, como me apropriar dos dados e como descobrir “qual é a lógica do sistema”. Como sugere Bourdieu (2007a), o ponto de ruptura em uma pesquisa se encontra na possibilidade do pesquisador tomar como objeto o trabalho social de construção do próprio objeto e reavaliar a pré-noção que o cientista tem do objeto, ou seja, o cientista social deve tomar como primeiro passo da pesquisa a análise de que noção ele tem do objeto e como esta pré-noção tem ou não a ver com a forma que o objeto-se apresenta no campo empírico. Ter consciência dos conceitos prévios que temos sobre o objeto e tornar esses conceitos objeto de reflexão sociológica, sem dúvida gera um aprimoramento para o amadurecimento da pesquisa e para a construção do objeto em questão.

Outras contribuições técnicas-metodológicas relevantes como a obra de Bernard Lahire, “Retratos sociológicos” (2007), e a obra de Elisabeth Bandith, “O Infante de Parma” (2009) foram encontradas durante a pesquisa bibliográfica. As contribuições do livro “Retratos sociológicos” para a pesquisa estão vinculas à metodologia empregada pelo autor. As categorias disposição, inclinação, propensão, habito ou tendência sem dúvida ampliaram a perspectiva de compreensão para a pesquisa, na medida em que tais categorias permitem uma ruptura com um determinismo social que de certa forma permeia a teoria bourdiesiana. Lahire observa algo que Bourdieu não ampliou, o habitus que é incorporado pelos agentes sociais plurais. O mesmo sujeito pode ter um  habitus do campo da culinária e da política, revelando assim uma complexidade disposicional e que cada agente social tem um patrimônio de disposições incorporadas que têm uma íntima relação com suas trajetórias históricas. As entrevistas somadas a uma observação direta são as principais técnicas empregadas por Lahire em sua pesquisa, ele demonstra que entrevistas guiadas podem ser um ótimo instrumento para a análise das disposições incorporadas dos indivíduos, e a complementação para essa técnica pode ser feita através da observação direta. No acesso às atividades cotidianas dos entrevistados o pesquisador tem a possibilidade de angariar a confiança e estreitar os laços com o pesquisado facilitando assim o entrosamento com o mesmo no momento das entrevistas. A ilusão da coerência é um desafio que Lahire expõe em seu livro, nos alertando do perigo do cientista enxergar a trajetória dos agentes sociais como um traçado lógico, linear e refletido de antemão, e com isso apagando as incertezas e obstáculos do percurso vivido pelos indivíduos. Como afirma Lahire, devemos considerar “que cada ponto da trajetória pode ter causado uma crise, uma negociação, uma dúvida, uma hesitação entre diversas possibilidades, uma resistência ou uma pressão (eventualmente aceita mais tarde e não mais vivenciada como tal” (2004, p.35). Portanto o papel do pesquisador é encontrar a pluralidade disposicional incorporada pelos sujeitos da pesquisa e buscar as incertezas, o que o autor denomina como rupturas biográficas. 
O Infante de Parma (2009) é uma obra voltada para um objeto historicamente distante, o processo de formação cultural de um príncipe iluminista do século XVIII, o sendo uma obra que se tornou o resultado de uma pesquisa constituída basicamente por um trabalho de levantamento de dados documentais, em correspondências, diários pessoais, livros de memórias, e autobiografias. Três características da pesquisa de Banditer foram apropriadas por mim: uma descrição subjetiva dos sujeitos da pesquisa, a organização do conteúdo de acordo com a ordem cronológica da biografia dos pesquisados, a pesquisa de dados em documentos escritos pelos próprios pesquisados.
A descrição da subjetividade destes agentes não se trata de um psicologismo social. Tal descrição pode revelar a lógica do habitus em sua forma incorporada, nas maneiras de se comportar e na forma de agir no cotidiano, aprendida nos círculos de socialização dos pesquisados. A exposição dessa subjetividade pode ser útil para a pesquisa na medida em que pode revelar o “objetivo de vida” dos pesquisados, e principalmente, como se deu o processo de formação deste “projeto de vida” e  qual relação tem com os fatores sociais.
A organização do conteúdo dissertativo, de acordo com a ordem cronológica da biografia dos pesquisados, tem uma função mais didática do que propriamente metodológica no decorrer da pesquisa. A pretensão é que no corpo de texto da dissertação as trajetórias de cada individuo fiquem expostas paralelamente e que cada capítulo esteja relacionado com um período relevante da trajetória dos quatro pesquisados, pretendendo-se suscitar reflexões teóricas a respeito das divergências e convergências entre as trajetórias no decorrer desta descrição biográfica.
Por fim, a pesquisa de dados em documentos escritos pelos próprios pesquisados se mostrou muito frutífera, posto que nesse tipo de escrita feita de próprio cunho, com o intuito de registrar sua vida, existe uma carga de subjetividade e confiabilidade circunstancialmente elevadas, o “equivalente” aos documentos pesquisados por Banditer na atualidade podem ser os sites de relacionamento como o twitter, orkut, facebook, e flickr. Tais sites se mostraram até o presente momento como uma valiosa fonte de dados sobre os pesquisados, sobre suas rotinas e seus hábitos. Obviamente, devemos ter cautela ao utilizar tais meios de obtenção de dados para não corrermos no erro de captar informações incorretas ou acreditarmos que o perfil virtual dos agentes sociais corresponde fielmente ao perfil real, ou que os dados virtuais são “puros e imunes” à vaidade dos pesquisados. O desejo de construir uma identidade deve ser levado em conta durante o exame destes dados como um fator importante para a pesquisa, vale lembrar-se dos garotos piscando os olhos descritos por Geertz (1989), pois até a forma como estes deputados querem ser vistos pode ser algo esclarecedor para a pesquisa e ter um significado que deve ser interpretado. Outro site que se tornou uma ótima ferramenta na pesquisa é Transparência Brasil[5]. Nele há um detalhamento dos nomes dos apoiadores e dos valores utilizados nas campanhas eleitorais dos políticos do Brasil nas ultimas eleições. Tais informações podem ser úteis para averiguar quem são as pessoas que apóiam financeiramente os Deputados e quais as relações entre os mesmos.
Nesta primeira fase da investigação empreguei uma perspectiva metodológica baseada na abordagem qualitativa que culminasse com a participação ativa no campo para observar eventos e práticas sociais, haja vista que “as técnicas qualitativas procuram captar a maneira de ser do objeto pesquisado” (QUEIROZ. 1992, p.19), para que no próximo eu possa me ocupar da captação dos dados quantitativos.
De modo geral, até o presente momento o desenvolvimento da pesquisa se mostrou positivo. Obtive uma boa inserção no campo, e uma relação amistosa com a maior parte dos assessores e Deputados pesquisados. Acredito que pela minha pouca idade os pesquisados não enxerguem em mim uma “ameaça” ou um espião da concorrência. Como afirma Kuschnir:

No caso de pesquisas junto a universos de prática política de base clientelista, é muito provável que o pesquisador seja identificado pelas pessoas estudadas como parte de um grupo acusatório, identificado com um universo mais intelectualizado, urbano e elitista. Isso pode ser observado pelo tom defensivo que muitas vezes se explicita em falas e comportamentos ‘nativos’.(2007, p.53).


A partir do momento que percebi a forma como eles me viam eu também permiti que me colocasse neste papel de “criança” entre eles, ou o do “café com leite” nos jogos infantis. Se pensarmos que a criança se deixa conduzir docilmente, e questiona os fatos mais triviais da vida pelo fato de desconhecer a lógica do funcionamento, faz certo sentido tal analogia. Mas observo que isso gera um descrédito por parte deles em relação à própria pesquisa. Seguindo o caminho metodológico de Alba Zaluar (1985) em sua o obra “A máquina e a revolta”, quando relata sobre a relação entre o método de pesquisa e a afetividade, sugerindo uma metodologia afetiva. Adotei então uma postura cordial e afável com os pesquisados e sempre que possível levo chocolates para presenteá-los, com o intuito de estreitar os laços de amizade.
Durante as visitas aos gabinetes, e entre as conversas com os assessores, percebi que muito do registro sobre as trajetórias dos parlamentares não se encontra necessariamente na pessoa do parlamentar, ou propriamente em suas memórias. Entrevistar os parentes, assessores, colegas de partido e de trajetória passou ser uma alternativa válida que não deve ser desprezada, portanto, através de dados obtidos durante as entrevistas iniciais, os próprios Deputados, “indicaram” agentes que tenham influenciado as trajetórias aqui pesquisadas.
Apesar dos esforços, o que obtive durante estes seis meses de pesquisa (janeiro de 2010 à junho de 2010) são somente dados parciais e pistas para a obtenção de mais informações para a posterior análise e compreensão da realidade do objeto.
Podemos observar uma relação entre os perfis dos pesquisados. Dois dos quatro Deputados pesquisados herdeiros políticos são Tomás Filho (PSDB-CE) e Sérgio Aguiar. O Deputado Estadual Tomás Figueiredo Filho (PSDB) é advogado e empresário, nasceu em 25 de agosto de 1981 em Fortaleza, se elegeu em 2006 com 42.264 votos. Filho de Tomás Figueiredo, ex-Prefeito de Santa Quitéria e de Cândida Figueiredo, ex-Deputada Estadual (PSDB). A história política de sua família já vem de longa data, seu avô paterno é Chico Figueiredo, ex-Deputado Estadual e o seu tio paterno, Alexandre Figueiredo, ex-Deputado Estadual (PMDB), e até 2009 foi Ministro do Tribunal de Contas do Estado do Ceará.
O Deputado Sérgio Aguiar (PSB-CE) é administrador e economista, nasceu em 31 de janeiro de 1971 em Fortaleza, mas viveu boa parte de sua vida em Camocim aonde seus pais têm negócios e casa. Ele se elegeu a vereador de Camocim em 2006. Filho de Francisco Aguiar, ex-prefeito de Camocim, eleito Deputado Estadual em 1986 e 1990 pelo PMDB, em 1994 foi eleito Deputado Estadual só que dessa vez pelo PSB.
Porém nem todos os Deputados vêm de famílias com tradição na política formal. Exemplos disso são os deputados Lula Morais (PC do B) e Dedé Teixeira (PT).
O Deputado Lula Morais (PC do B-CE) é médico, nasceu em 6 de abril de 1955 em Fortaleza, se elegeu em 2006 com 19.397 votos, tendo ficado na primeira suplência e assumiu o mandato de Deputado Estadual por mais de 80% do período. Iniciou sua formação política dentro do movimento estudantil no Centro Acadêmico de Medicina no Diretório, no Central do Estudante da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ingressou no PC do B em 1979 e, com Inácio Arruda, ajudou a criar a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza. Médico concursado da Prefeitura Municipal de Fortaleza e da Cagece (Companhia de água e esgoto do Ceará). Em 1983 foi um dos fundadores do Sindiágua (Sindicato dos trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do Ceará). Foi também diretor do Sindicato dos Médicos e vice-presidente da CUT-CE. Sua militância estudantil na época de Faculdade de Medicina foi o ponta-pé inicial para sua carreira política. Também foi eleito vereador por dois mandatos consecutivos, nas eleições de 2000 com 5.356 votos e em 2004 com 5. 679 votos. Foi candidato nas eleições de 2002 a Deputado Federal, ficando na 2ª suplência.
O Deputado Dedé Teixeira (PT) é geólogo de formação, nasceu em 03 de julho de 1962 em Icapuí, na época distrito de Aracati, se elegeu em 2006 com 26.891 votos, tendo ficado na primeira suplência. Engajou-se em 1982 no movimento de emancipação política de Icapuí, o que ocorreu em 1984.  Em seguida exerce seu primeiro cargo político como Secretário de Comunicação e Turismo em 1987, na primeira gestão José Airton (PT) na prefeitura de Icapuí. Foi eleito prefeito do município em 1988, posteriormente tornou-se Secretário Executivo da então AMECE (hoje Associação de Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará-APRECE). Voltou ao cargo de prefeito em outras duas gestões (1997-2000 e 2001-2004). Na trajetória de Dedé Teixeira o ponto de ruptura em sua formação se dá com seu engajamento no movimento emancipatório do distrito de Icapuí em 1982, a partir de então ele entra no campo político.
 No ano de 2006 os Deputados Dedé Teixeira, Lula Morais, Tomás Figueiredo Filho e Sérgio Aguiar são eleitos pela primeira vez Deputados Estaduais, respectivamente cada um tinha 44 anos, 51 anos, 25 anos e 35 anos. As diferenças de idade revelam o tempo percorrido por cada um para chegar ao ponto atual, esse tempo é distinto para todos pela virtù e fortuna[6] de cada um.  Sérgio Aguiar e Tomás Figueiredo, nasceram em famílias de tradição política, e coincidentemente são os mais novos dentre estes 4 escolhidos para serem pesquisados. Como exemplo de tradição política na família, podemos observar a Deputada Lívia Arruda[7] (PMDB), sendo seus pais, Inês Maria Corrêa de Arruda e de José Gerardo Oliveira de Arruda Filho (PMDB). Sua mãe, Inês Arruda, foi ex-prefeita do Município de Caucaia, e Deputada Estadual. E seu pai, José Gerardo Arruda, que também já foi prefeito de Caucaia, está no terceiro mandato como Deputado Federal pelo Estado do Ceará. Seu bisavô, o Tenente Edson da Mota Corrêa, foi Deputado Estadual por 32 anos. Seu avô, Dr. Danilo Dalmo da Rocha Corrêa, foi Prefeito de Caucaia. Sua avó, D. Maria Lúcia Corrêa, foi Deputada Estadual. A Deputada Lívia Arruda é também prima do seu colega Deputado Gony Arruda (PSDB). Hoje Lívia é a mais nova do corpo parlamentar do Estado do Ceará.
Os dados observados até o presente momento indicam que o fato de pertencer a uma família de tradição política pode “encurtar” o caminho para alcançar um mandato. Podemos observar também que os próprios políticos utilizam o simbolismo dessa tradição para representar si mesmos, buscando de certa forma legitimar sua habilidade na política através da tradição de suas famílias. Exemplos disso são os Deputados Tomás Filho (PSDB-CE) e Domingos Aguiar (PSB-CE). Em seu primeiro cargo eletivo, Tomás Filho foi eleito Deputado Estadual com apenas 25 anos e Domingos com apenas 20 anos foi eleito vereador na cidade de Camocim, no ano de 1992. Ambos mantêm em seus perfis disponíveis no site da AL-CE informações sobre suas hereditariedades políticas indicando sua “familiaridade” com a política[8]. Mas como eles aprenderam a se tornarem deputados? A resposta para esta pergunta pode estar nas trajetórias de vida destes sujeitos. A intimidade com o saber político é construída historicamente, seja na vida pública, como nos sindicatos, movimentos populares, ou pelos vínculos de parentesco. Os saberes práticos para poder se articular dentro do campo político são diversos, as relações de lealdade com o partido, a mediação dos conflitos de interesse, a fidelidade ao grupo de origem ao qual pertence o político, a busca por ampliar sua rede de contatos, a “obrigação” de distribuir bens e favores aos eleitores.   
Vale ressaltar que a legitimidade de uma pesquisa empírica realizada neste molde depende, essencialmente, da capacidade de articular teoria e empiria em torno de um objeto. Isso requer esforço, leitura e experiência e implica incorporar referências teórico-metodológicas de tal maneira que “se tornem lentes a dirigir o olhar, ferramentas invisíveis a captar sinais, recolher indícios, descrever práticas, atribuir sentido a gestos e palavras, entrelaçando fontes teóricas e materiais empíricos” (DUARTE. 2002, p.115). Desde já expresso que não há pretensões, aqui, de considerar este assunto concluído em essência, pois todo e qualquer trabalho que não se preste a uma continuidade ou reavaliação não é digno de ser chamado de cientifico. Essa continuidade virá, assim como novas fontes também surgirão para trazer luz sobre o assunto, pois como Mauss e Hubert afirmam que “informações novas sobre um tema tão vasto não podem deixar de nos levar, no futuro, a modificar nossas idéias atuais.” (MAUSS & HUBERT. 2005, p.7).



                                                                    


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



BANDITER, Elisabeth. O infante de parma: a educação de um príncipe iluminista. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

BERGER, Peter, LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade, Petrópolis: Vozes, 1974.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007a.

________, A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007b.

DUARTE, Rosália. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo. In: Cadernos de Pesquisa. Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, n. 115, março/ 2002 p. 139-154, março/ 2002.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

HUBERT, Henri, MAUSS, Marcel. Sobre o sacrifício, São Paulo: Cosac Naify, 2005.

KUSCHNIR, Karina. Antropologia da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

LAHIRE, Bernard. Retratos sociológicos: Disposições e variações individuais. Porto Alegre: Artmed, 2004.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. 7 ed. São Paulo : Atlas, 2009.

MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2006.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de N. O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas: algumas reflexões. In: LANG, Alice Beatriz da S.G (org). Reflexões sobre a vida sociológica, São Paulo: CERU, 1992.
                              
SOARES, G. A. D. . O Calcanhar Metodológico da Ciência Política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, Lisboa, v. II, n. 48, p. 27-52, 2005.

WEBER, Max. Economia e sociedade, Brasília, v.1, Ed. UnB, 1991.

__________. Ciência e política: Duas Vocações. São Paulo: Martin Claret, 2006.

ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985.


[1] Mestrando em Sociologia pelo Programa de pós-graduação em sociologia da Universidade Federal do Ceará(UFC), bolsista CAPES. Pesquisador do Grupo de Estudos da Conjuntura e das Idéias Políticas (GECIP), vinculado a Universidade Estadual do Ceará/UECE. E-mail: pjmourao_cs@hotmail.com
[2] Os projetos que me foram enviados por colegas estão disponíveis neste blog http://cienciasocialceara.blogspot.com/search/label/PROJETO
[3] Dados retirados do site do Tribunal Superior Eleitoral. Ver http://www.tse.gov.br/sadEleicao2006DivCand/
[4] Para fazer a escolha dos herdeiros e não-herdeiros, fiz um levantamento de dados em seus perfis publicados no site da Assembléia Legislativa, e tratei de fazer uma entrevista prévia com cada um deles sondando sua disponibilidade para cederem entrevistas e participarem da pesquisa. Para ver os perfis dos Deputados Estaduais acesse: http://www.al.ce.gov.br/deputados/pornome.php 
[6] Virtù e fortuna são dois dos principais conceitos utilizados por Maquiavel em sua (obra) “O Príncipe”, para ele virtú é a capacidade individual dos indivíduos para se adaptar, instrumentalizar, e o meio político onde estão inseridos, podemos entender virtú como a habilidade de lidar com momentos políticos adversos. Fortuna pode ser compreendida como a condição posta onde estes indivíduos estão dispostos. Maquiavel utiliza a metáfora da deusa romana Fortuna, sendo ela a responsável pela boa e má sorte dos homens, daí então Fortuna seria o equivalente as condições ou fatos históricos que os seres humanos não podem alterar em suas trajetórias, como as condições do seu nascimento por exemplo.
[7] A Deputada Lívia Arruda através de sua Assessoria recusou-se participar da pesquisa, informando que não estaria disponível para  atender a demanda exigida pelo projeto.