sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Duas entrevistas com o sociólogo Chico de Oliveira

Foto chico oliveiraInesc: Quais são os princípios fundamentais que devem ser levados em conta para a construção de uma agenda alternativa de desenvolvimento?
C.O: A questão fundamental é como reinventar a política. A política hoje é um espaço de irrelevância que os movimentos sociais não alcançam. Os partidos políticos foram engolfados por essa irrelevância da política e a cidadania não pode atuar. A política é a invenção grega mais eminente porque é através dela, e não pela economia, que você corrige as distorções sistêmicas. Quando a política fica anulada, os cidadãos perdem a importância. Então, é preciso reinventar a política. Essa reinvenção tem que partir dos próprios cidadãos, de suas organizações, para poder fazer com que a política seja de novo o elemento da transformação, pois agora ela não é.
 
“(para construir uma agenda alternativa de desenvolvimento) é preciso, primeiramente, reiventar a política, para poder fazer com que a política seja de novo o elemento da transformação, pois agora ela não é”

Inesc: O senhor fala, então, no esvaziamento da política e no predomínio da questão econômica?
C.O: Exatamente isso: há uma colonização da política pela economia. Isso torna a política irrelevante porque a economia – capitalista, evidentemente, que é a que conhecemos, na qual vivemos - obedece a constrangimentos muito fortes. A economia não tem espaço para a ação cidadã porque é o reino da propriedade privada. Enquanto a política, não. Por isso a política deve controlar a economia. Quando isso não acontece, o desastre é quase fatal.
 
“A economia não tem espaço para a ação cidadã porque é o reino da propriedade privada. Enquanto a política, não”

Inesc: Como o senhor vê essa situação, que se mantém no segundo  governo Lula, de termos uma política econômica alimentada pela idéia hegemônica de que não há outra alternativa?
C.O: Eu vejo de uma forma muito pessimista. O governo Lula já foi engolfado; não é que ele será, ele já foi engolfado e está submetido a esses constrangimentos. E, ao contrário de reagir, ele ajuda: é um barco remando a favor da maré. Portanto, o governo fica nesse terreno entre vender produtos brasileiros no exterior, virando garoto-propaganda por excelência do Brasil, combinando com a venda de políticas assistencialistas, que tomam o lugar da política.

“O governo Lula já foi engolfado; não é que ele será, ele já foi engolfado e está submetido a esses constrangimentos”

Inesc: Qual papel deve ter, então, o campo social, as organizações sociais, nesse contexto, visando à construção de uma agenda alternativa de desenvolvimento?
C.O: O primeiro papel é o de inventar formas novas de atuação, formas novas de organização e associação na própria sociedade para poder intervir. Isso é uma tarefa complicadíssima porque o capitalismo contemporâneo tem, talvez, mais do que no passado, elementos de coerção sobre os indivíduos e sobre as organizações que lhes retiram quase todo o poder de intervenção. É uma tarefa árdua, longa, mas tem que ser feita. Eu não sou otimista porque a minha idade também já me leva mais para o campo dos profetas apocalípticos.
Inesc: Como é que o senhor vê o papel da mídia na construção da idéia hegemônica  de que não há um caminho alternativo à atual política econômica?
C.O: Eu não vejo com nenhum otimismo. A grande mídia, quer dizer, a que penetra nos lares, a que forma as cabeças, as opiniões, essa está a favor da privatização da vida, a favor da irrelevância da política. Veja bem: durante o primeiro mandato de Lula, houve a chamada crise do mensalão, escândalo de corrupção que atingiu membros eminentes do governo. Sem entrar no mérito se eram ou não, o que se notava na mídia era o seguinte: todos os âncoras mais radicais, aqueles mais radicais na crítica ao governo, até os âncoras mais soft,  toda a imprensa escrita e falada batia numa tecla “essa crise política não pode afetar o desempenho da  economia”.  Isto é tudo sobre a irrelevância da política. Uma crise política que não afeta a economia não vale a pena.

fonte: http://www.inesc.org.br/equipe/ivonem/entrevistas-pensando-uma-agenda-para-o-brasil/entrevistas/e-preciso-reiventar-a-politica

 







A política interna se tornou irrelevante, diz sociólogo
“O PSOL ESTÁ em busca de uma miragem.” Quem afirma é Francisco de Oliveira, 72, professor titular aposentado de sociologia da USP e um dos fundadores do partido, após ter se desligado, em 2003, do PT, sigla que também ajudara a formar. Oliveira afirma que a candidata do partido à Presidência da República, Heloísa Helena, “não deve passar dos 15%” e que, mesmo em candidaturas futuras, o PSOL não tem condições de vir a se tornar um partido capaz “sequer de pautar a política brasileira”.

Raimundo Paccó/Folha Imagem
Francisco de Oliveira, que atuou na fundação do PSOL e na do PT
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

“A única coisa que o PSOL pode fazer [na política nacional] é ser uma espécie de Grilo Falante, uma espécie de consciência crítica”, afirma Francisco de Oliveira. Não se trata de incapacidade específica da legenda, mas da constatação, ele diz, de que a política se tornou completamente irrelevante. Entre as causas deste fato, para ele incontornável, estão a financeirização da economia -que tira a autonomia de decisões dos governos nacionais- e a quebra das identidades de classe e sua representação em partidos políticos -também decorrente das transformações recentes do capitalismo. Na entrevista a seguir, Oliveira relaciona o Bolsa-Família e a política de cotas para negros a esse fim da política e diz que o PT pós-Lula pode ter o mesmo destino do peronismo argentino -com a criação de grupos gangsterizados que disputariam o espólio da penetração política e simbólica, a partir de programas sociais, entre os mais pobres. O sociólogo relaciona ainda o crescimento da facção criminosa PCC e os recentes ataques em São Paulo ao desenvolvimento do capitalismo no país, que, de acordo com ele, funciona em parte na ilegalidade e “não respeita nenhuma institucionalidade”. A seguir, trechos da conversa, realizada em seu escritório, em São Paulo.  
FOLHA – Como o sr. vê a subida de Heloísa Helena no Datafolha? Como o sr. vê suas chances eleitorais?
FRANCISCO DE OLIVEIRA
- Ela pode crescer mais alguns pontos, mas não para passar dos 15%. Não acredito. O eleitorado que vai votar em Heloísa é fácil de se presumir. São ex-petistas, desiludidos com o PT, e, de outro lado, gente não necessariamente partidarizada decepcionada com o governo Lula ou que acha que o Alckmin não é nada. É nessa faixa que ela navega e vai crescer no máximo até 15%.
FOLHA – O sr. fazia a avaliação, já há algum tempo, de que havia um esgotamento da política, de sua capacidade de representar possibilidade de mudança. O sr. acha que a candidatura dela e o PSOL podem representar uma saída para isso?
OLIVEIRA
- Seria desejável, mas eu não acredito. O fenômeno da irrelevância da política é muito profundo. A candidatura agora, ou outra do PSOL repetida no futuro, será uma espécie de desafogo, mas com muito poucas chances de ser majoritária e muito poucas chances de tornar-se hegemônica e sobretudo de pautar politicamente. Os partidos não têm noção das raízes dessa irrelevância da política. Nem o PSOL. Ele imagina que pode refazer um partido tal como o PT foi na sua origem.
FOLHA – Não há possíveis semelhanças entre Heloísa Helena e o Lula nos anos 80?
OLIVEIRA
- Apesar de tudo, não há nenhuma semelhança entre os dois partidos. No sentido de bases e de poder pautar a política brasileira. O PT pautou. A única coisa que o PSOL pode fazer é ser uma espécie de Grilo Falante, uma espécie de consciência crítica, mas sem possibilidades de hegemonia, sem possibilidades sequer de pautar a política brasileira. Essa é uma conclusão muito dura, para mim mesmo e para os militantes em geral. É preciso pesquisar as razões da irrelevância da política hoje, e não só no Brasil. Aqui, isso tem um efeito devastador. Aqui, o fundo da irrelevância da política é a desigualdade. Não é mais plausível, para nenhum de nós, que você possa, por meio da política, atravessar o Rubicão. Não é mais possível. A formação do PT foi algo muito específico. É preciso não esquecer que ele se formou dentro da ditadura, com um movimento sindical em ascensão, numa espécie de eco de um Estado de Bem-Estar privatizado. Trabalhadores de certos ramos, sobretudo do metalúrgico, tinham planos de benefícios muito importantes. Era privatizado porque eram as empresas que davam. Esse movimento estava em ascensão -não como agora, que está em refluxo. E é importante não esquecer que aconteceu simultâneo a um movimento de democratização muito importante. Foi dentro desse movimento que o PT nasceu. Esse conjunto é irrepetível. As forças sindicais foram muito desgastadas. A queda de sindicalização é vertical. Os petroleiros foram arrasados pelo Fernando Henrique Cardoso. Além disso há um movimento de reestruturação produtiva, misturado à globalização, que devastou as fileiras do operariado. Não tem a conjuntura e a estrutura de forças que fizeram o PT. O movimento sindical, tal como o conhecemos, e tal como ele formou a pauta social e política dos anos 70, não existe mais. Aquele tipo de movimento sindical não existe mais e não existirá. O PSOL está, portanto, em busca de uma miragem.
FOLHA – Há alguma relação entre isso que o sr. descreve e o governo Lula?
OLIVEIRA
- Tomem a última declaração de bens de Lula. A metade de seu patrimônio está em aplicações financeiras. O paradoxo é que ele está à testa de um governo que endivida o país, e essa dívida é parte do seu patrimônio. É a cobra mordendo o próprio rabo. É apenas emblemático. Onde ele aplica? Como não é um especulador da bolsa, provavelmente em títulos da dívida pública. Não é só o Lula. Quem tiver um pouco de dinheiro vai fazer a mesma coisa. Ele aumenta o patrimônio graças ao endividamento do governo que preside. Sua posição política é completamente irrelevante. Faça o que fizer, está amarrado nessa financeirização do Estado. Isso não começou com ele, evidentemente. Seu governo até faz um esforço de reduzir a relação da dívida com o PIB. Com o Fernando Henrique, isso foi de 1 para 10. Isso financeirizou a economia e amarrou-a às determinações de fora. Este é o fator principal da irrelevância da política. Todas as relações sociais estão mediadas agora pela relação externa. A política interna perdeu a capacidade de dirigir a sociedade. Qualquer que seja a relação, ela tem que passar pelas relações externas. Isso quebra na espinha a política. Política é escolha. Política é opção. Mais ou menos, todos agora têm que seguir a mesma regra.
FOLHA – O sr. não reconhece nenhum mérito na política social do governo Lula, no Bolsa-Família? O sr. chegou a dizer que Lula exclui os trabalhadores da política, quando perguntado sobre o programa e as possíveis relações entre Lula e Getúlio Vargas.
OLIVEIRA
- As analogias entre Lula e Getúlio estão sendo propagandeadas aos quatro ventos. Até ele, quando líder sindical contrário a todas as criações sindicais da era varguista, até Lula agora quer se identificar com o Getúlio. Reafirmo: são antípodas. Lula não tem nada que ver com Getúlio. É o oposto. Lula não é populista, porque ele não faz o movimento de incluir o proletariado na política -ele faz o movimento de excluí-lo. Como é que pode? Pode no momento em que todas as medidas do governo são contra a centralidade do trabalho na política. O Bolsa-Família é algo que se pode entender a partir da irrelevância da política. Não adianta dizer que é assistencialista -isso é óbvio. De forma pedante, poderíamos dizer que o Bolsa-Família é uma criação foucaultiana. Um instrumento de controle, em primeiro lugar. Restaura uma espécie de clientelismo que não leva à política. Ela passa a ser determinada não por opções, mas pela “raça”. Não é raça em termos raciais, é a “raça” da classe. É pelas suas carências que você é classificado perante o Estado. A política se constrói pelas carências. Então é abominável. Seria cínico dizer que é uma porcaria total, porque tem gente que come por causa do Bolsa-Família. Do outro lado, é isso. É a morte da política. Acabou a história de você depender das relações de força, das relações de classe para desenhar as políticas sociais. Elas são desenhadas agora por uma espécie de dispositivo foucaultiano. Quanto você tem de renda, qual é o seu estatuto de miserável, aí a política é desenhada. É uma clara regressão.
FOLHA – Não é mais desenhada a partir de direitos universais.
OLIVEIRA
- De jeito nenhum. É um dispositivo. Da mesma forma que as cotas, que as ações afirmativas. É também um dispositivo. É o paradoxo. É uma antipolítica na forma de uma política. Porque a desigualdade é tão abissal no Brasil que é difícil você resistir que é preciso um estatuto especial para você tratar da questão racial. Vejo a questão das cotas no mesmo registro que o Bolsa-Família. É uma biopolítica. As relações sociais não suportam mais uma política que na verdade envolva escolhas, opções e política. Seu substituto é um dispositivo foucaultiano.
FOLHA – Qual a função do PT hoje? Ele foi um catalisador de demandas nas últimas décadas.
OLIVEIRA
- O papel transformador do PT se esgotou. As razões são essas [da irrelevância da política]. O PT ficou dependente de Lula e não vai se libertar nunca mais. Talvez o PT tenha o destino do peronismo. Com essa política do Bolsa-Família, ele vai muito fundo, até as camadas mais pobres. E isso provavelmente fique como um legado para o PT pós-Lula. O que é extremamente perigoso, porque o partido peronista pós-Perón se tornou uma confederação de gangues. Eles se matam entre si. Eu não descarto esse cenário para o PT.
FOLHA – Grupos internos disputando um espólio?
OLIVEIRA
- Que é o peronismo. É isso. Grupos que disputam um espólio, numa luta interna que é um fenômeno extraordinário. A diferença do peronismo em relação a outras experiências chamadas populistas é que ele foi fundo. A ponto de visitarmos o cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, e o túmulo de Evita ter flores novas todos os dias. Chegaram aos mais pobres dos pobres. Isso o PT faz por meio do Bolsa-Família. Mas a aura transformadora do PT se foi, como no próprio peronismo.
FOLHA – Como isso que o sr. chama de esgotamento da política se liga com o dia-a-dia brasileiro, com a violência urbana, por exemplo?
OLIVEIRA
- É algo muito sério. É o rabo do rnitorrinco, que surgiu agora. Um sinal de que o capitalismo periférico não respeita nenhuma institucionalidade. Ele está se lixando para elas. A institucionalidade criada nos últimos dois séculos não agüenta o capitalismo periférico. Ela é incapaz de regular os conflitos postos pela marcha forçada do capitalismo periférico. Por todos os lados que você olhe, é tudo furado. Não tem uma regra que possa ser obedecida durante três meses. Nenhuma. Em qualquer atividade econômica. Tudo ultrapassa a regra institucional.
Por causa de sua velocidade. O pesado imposto que ele impõe para você acompanhar a marcha. O Brasil não tem condição de acompanhá-la. Eu fico espantado. A velocidade dessa espécie de remodelação permanente é espantável.
Isso desbarata qualquer regra. E aí vem o pior, que são os vasos comunicantes. A fronteira entre o legal e o ilegal acabou. Não existe. Estabeleceu-se um sistema de vasos comunicantes, e o PCC está no meio disso tudo. Deve estar no meio de altos negócios. Trata-se de uma questão de negócios.
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Michel Foucault criou o conceito de biopoder
DA REPORTAGEM LOCAL
O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) cunhou os conceitos de biopoder e de biopolítica, citados pelo sociólogo e economista Francisco de Oliveira em sua análise sobre o Bolsa-Família, programa de transferência de renda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Foucault, para além de sanções e punições, os Estados exercem controle sobre as populações de maneira positiva, definindo modos de pensamento e de comportamento e normatizando grupos sociais distintos.
A partir desse tipo de disciplina e controle, defendia o filósofo francês, “somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer”.
No ensaio “O Ornitorrinco”, que escreveu em 2003, primeiro ano de mandato de Lula, Francisco de Oliveira relacionava o comportamento político do governo do petista, do próprio PT e do PSDB com o capitalismo financeirizado contemporâneo.
Nova classe social
Segundo o sociólogo, a elite do sindicalismo nacional, e por conseqüência o grupo dirigente do PT, passou a constituir uma nova classe social ao ocupar posições nos conselhos de administração das principais fontes de recursos para investimentos no país, entre elas o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os fundos de pensão das empresas estatais, como a Petrobras.
Assim esses novos “gestores” descolariam-se da representação dos interesses específicos dos trabalhadores, que não seriam mais os seus.


fonte: http://filosofiaehumanidades.ning.com/notes/A_pol%C3%ADtica_interna_se_tornou_irrelevante
 

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