segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A particularidade do racismo contemporâneo: o belo.


       
                                                                                                Ubiracy de Souza Braga*
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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).



 “O conceito universal do belo entrou em declínio com a modernidade” (Chaim Katz).
                                       



                               Slogan racista: “monkey in a dress? Absolutely revolting”.
            Instantes após vencer o concurso de Miss Universo na noite desta segunda-feira (12/11), em São Paulo, a angolana Leila Lopes, de 25 anos, passou a receber ofensas racistas na rede mundial de computadores - internet pelo fato de ser negra. Mensagens em português e em inglês postadas num site internacional que se define “nacionalista branco e possuem adeptos do ditador nazista Adolf Hitler” compararam a ganhadora do título de mais bela do mundo a uma “macaca”. A brasileira Priscila Machado, 25 anos, que ficou em terceiro lugar, também sofreu insultos, sendo chamada de “crocodilo”. A miss Ucrânia Olesia Stefa, de 23 anos, segunda colocada no concurso, foi “garfada” na opinião de alguns dos participantes dos fóruns de discussão “Miss Universo 2011” e “Angolan negress crowned Miss Universe” do Stormfront.
            Chamamos de “conceito” o que Platão parece “demonstrar” não como “culto” ao
belo, posto que só teria validade se correspondesse a uma “essência no mundo das ideias”. A busca platônica pelo belo, o bom e o justo ficam na história do Ocidente, buscar o “belo em si”. Com as grandes religiões, o belo situa-se sempre fora da experiência sensível. Seria o divino aquilo que o humano tem como referência e que tenta alcançar. Para sermos breves, Immanuel Kant (1724-1804) realiza uma virada, dizendo que é impossível ter uma regra universal acerca do belo, pois todo juízo a respeito do belo é singular, determinado pelo gosto; não há mais uma determinação “universalizante”. Ao mesmo tempo, se para Kant, apesar de o gosto ser singular, todo mundo tem faculdades semelhantes; portanto a decisão sobre o que é belo se rompe com a universalização, mas as condições são universalizáveis. Contudo, a descrição de Michel Foucault sobre Erasmo (c. 1466-1536) no livro “Elogio da Loucura”, de Erasmo, não há mais essa universalização. Para um homem bem velho que tem dinheiro, por exemplo, essas questões sobre o belo não aparecem. A loucura interna a cada um, sim, é universal.
            Jacqueline Lee Bouvier Kennedy Onassis (1929-1994) foi a esposa do 35º presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, e serviu como Primeira-dama dos Estados Unidos durante sua incumbência de 1961 até seu assassinato em 1963. Viria a casar-se, posteriormente, com o magnata grego Aristotle Onassis de 1968 até sua morte em 1975. Nos próximos anos, teve uma carreira de sucesso como editora de livros. É lembrada por suas contribuições às artes e à preservação histórica, seu estilo e elegância, e seu estoicismo público na sequência do assassinato do Presidente Kennedy. O casamento com Onassis parecia fazer sentido: ele tinha dinheiro e poder para garantir a proteção que ela quisesse, enquanto que ela tinha o status social que ele almejava.
Aristóteles Onassis havia terminado seu romance com a diva da ópera Maria Callas para desposar Jackie, que desistiu da proteção que, como viúva de um presidente, recebia do Serviço Secreto. Onassis estava planejando se divorciar de Jacqueline quando morreu em 15 de Março de 1975; Jacqueline estava com seus filhos em Nova York. Sua herança havia sido substancialmente diminuída por causa de um acordo pré-nupcial e por uma legislação que Onassis fez o governo grego aprovar, a qual limitava a fortuna que uma esposa “não grega” e sobrevivente poderia herdar. Jacqueline, entretanto negociou com Christina que acabou concordando em dar a Jackie algo em torno de 26 milhões de dólares, em troca de que ela abrisse mão de qualquer reivindicação do Império Onassis.
Quando um paparazzo fotografou Jackie Onassis nua numa ilha grega, Larry Flynt da revista Hustler comprou as fotos e as publicou em agosto de 1975, provocando um embaraço para Jackie e para o clã Kennedy e um total entretenimento para Rose Fitzgerald Kennedy, a mãe de John Kennedy. As fotos não eram obscuras, como parte da mídia assentiu, mas mostravam claramente os seios, as nádegas e os pelos púbicos de Jackie. A descrição do pelo púbico foi chocante, talvez pela curiosidade que também despertara pouco antes, em 1972, a cena polêmica de sexo anal entre Marlon Brando e a atriz francesa Maria Schneider (1952-2011) que ficou mundialmente conhecida pela sua personagem Jeanne ao lado de Marlon Brando no filme “O Último Tango em Paris”, de 1972. Para o que nos interessa a partir dali, a mídia informalmente a chamaria de Jackie O. A mídia americana vem chamando a atual primeira dama Michele Obama de “Michele O” em referência às semelhanças de elegância e bom gosto que esta última possui em comum com Jacqueline Onassis.
O Stormfront já é investigado pela Polícia Civil de São Paulo por suspeita de ligações com grupos neonazistas que promovem ataques a negros, judeus, nordestinos e imigrantes no estado. De acordo com investigadores, os responsáveis pelas mensagens usam apelidos por medo. Caso sejam identificados, podem responder por crime de injúria racial. Mas para isso, é necessário que as vítimas prestem queixa numa delegacia. Caso sejam considerados culpados, os donos dos comentários podem ser condenados as penas de reclusão de 1 a 3 anos. Como a punição é de menor potencial ofensivo, ela pode ser convertida em pagamentos de cestas básicas ou prestações de serviços comunitários.
O discurso racista fora expresso da seguinte forma: “Confesso que nem assisti, pois já imaginava o que viria a acontecer. Agora só falta Hollywood chamar a vencedora para fazer o papel da filha do King Kong”, afirma outro integrante na página do Stormfront sobre a escolha da nova miss Universo. Este diz morar em Santa Catarina. Outro membro se mostra revoltado ao afirmar que a escolha de uma negra, na opinião dele, é uma ofensa às europeias. “Sabia que ia dar preta… como uma Miss Universo no Brasil não escolheria uma preta? E olha que cara horrível, cabelo repulsivo, como conseguem escolher uma coisa dessas? Eu me indigno, não com os jurados, que são comprados para promover tais afrontas a cultura europeia, mas sim com as ovelhas que assistem isso e acham normal”, diz um participante que afirma morar no Rio Grande do Sul. Outro integrante racista do stormfronter, como os membros do site se referem um a outro, alega que as mensagens postadas no site não são ofensivas e não incitam o preconceito. “Até porque não estamos pregando a intolerância/ódio, apenas nos divertindo com a situação. Sabíamos que ia acabar em várzea…”, diz um participante. Essa é a particularidade do racismo contemporâneo.
O racismo é a tendência do pensamento, ou o “modo de pensar”, em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras, normalmente relacionando características físicas hereditárias a determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré-concebidas que valorizam as diferenças biológicas entre os seres humanos, atribuindo superioridade a alguns de acordo com a matriz racial. A crença da existência de raças superiores e inferiores foram utilizadas muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade e ao complexo de inferioridade, se sentindo, muitos povos, como inferiores aos europeus.
Embora existam classificações raciais propostas pelas mais diversas correntes científicas, pode-se dizer que a taxonomia referencia uma oscilação de cinco a duas centenas de raças humanas espalhadas pelo planeta, além de micro raças regionais, locais ou geográficas que ocorrem devido ao isolamento de grupos de indivíduos que cruzam entre si. Portanto, a separação racial torna-se completamente irracional em função das composições raciais, das miscigenações, recomposições e padronizações em nível de espécie que houve desde o início da caminhada da humanidade sobre o planeta. Todas as raças provêm de um só tronco, o Homo sapiens, portanto o patrimônio hereditário dos humanos é comum. E isto por si só não justifica o racismo, pois as raças não são nem superiores, nem inferiores, são apenas diferentes.
O racismo pode ser pensado como uma “adoção de uma visão equivocada da biologia humana”, expressa pelo conceito de “raça”, que estabeleceu uma justificativa para a subordinação permanente de outros indivíduos e povos, temporariamente sujeitos pelas armas, pela conquista, pela destituição material e cultural, ou seja, pela pobreza, como conceitua Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2005; 2006; 2008). Atualmente ramos do conhecimento científico como a Antropologia, História ou Etnologia preferem o uso do conceito de etnia para descreverem a composição de povos e grupos identitários ou culturais.
Historicamente foi em 1899 que o inglês Houston Stewart Chamberlain, chamado de “o antropólogo do Kaiser”, publicou na Alemanha a obra Die Grundlagen des neunzehnten Jahrhunderts. Esta obra trouxe o mito da raça ariana novamente e identificou-a com o povo alemão. Alfred Rosenberg também criou obras que reforçaram a chamada “teoria da superioridade racial”. Estas foram aproveitadas pelo programa político do nazismo visando à unificação dos alemães utilizando a identificação dos traços raciais específicos do povo dos senhores. Como a raça alemã era bastante miscigenada, isto é, não havia uma normalidade de traços fisionômicos, “criou-se então raças inimigas, fazendo desta forma surgir um sentimento de hostilidade e aversão dirigido a pessoas e coisas estrangeiras”. Desta forma, os nazistas usaram da xenofobia (cf. Braga, 2004; 2007) associada ao racismo atribuindo a indivíduos e grupos sociais atos de discriminação para amalgamar o povo alemão contra o que era diferente.
A escravização dos povos da Europa oriental e a perseguição aos judeus eram as provas pretendidas pelos nazistas da superioridade da raça ariana sobre os demais grupos diferentes e raciais também. Enfim, Uma forma atual de racismo tem ocorrido como reação ao racismo contra negros e de indígenas e asiáticos que consiste em negar a identidade mestiça e a defesa de que as “populações de pardos” fazem de sua condição de mestiça, exigindo-se que as populações mestiças sejam tratadas como negras, indígenas ou brancas, negando sua peculiaridade. O “Movimento Negro” no Brasil não aceita o termo “mulato” nem aceita o “Movimento Mestiço” e o grupo “Nação Mestiça”, mas como afirmara o laureado antropólogo Darcy Ribeiro: “mestiço é que é bom”. 
Bibliografia Geral Consultada:
PLATÃO, Fedro. 275-c a 276-d e Carta VI, 344-c. d;
Idem, Obras Completas. Madrid: Aguillar, 1977;
BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Ideologia Fascista”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 4 de dezembro de 2004;
Idem, “Marcha para Gays, passeata para Jesus?” In: Jornal O Povo - caderno Internacional. Fortaleza, 23 de junho de 2007.Republicado In: Jornalismo Gospel. Portal de notícias do mundo gospel;
HORKHEIMER, Max, Autoritäter Staat. Die Juden und Europa Vernunft und Selsterhaltung Aufsätze 1939-1941. Verlag de Munter/Amsterdam, 1967;
Idem, Eclipse of Razon. Nova York: Oxford University Press, 1974;
RANKE, Leopold, “Zur Kritik neurer Geschichschreiber. Apêndice Geschichte der Romanische und Germanischen Völker von 1494 bis 1514”. In: Sämtliche Werke. Leipzig: Duncker e Humboldt, v. 5; Idem, Pueblos y Estados en la Historia Moderna. México: Fondo de Cultura Económica, 1979
IANNI, Octávio, Escravidão e Racismo. 2ª edição. São Paulo: Hucitec, 1988;
Idem, “Racialização do Mundo”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. Volume 8, n˚ 1, maio de 1996;
RIBEIRO, Darcy, O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995;
Idem, Mestiço é Que é Bom. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996;
CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca. Genes, Povos e Línguas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003;
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo, Racismo e Anti-racismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2005;
Idem, “Depois da democracia racial”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 18, pp. 269-290, 2006;
Idem, Preconceito Racial: modos, temas e tempos. 1ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2008;
RODRIGUES, Marcia B. F., “As referências identitárias no processo de modernização atual: reflexões indiciárias sobre o caso do racismo brasileiro”. In: Gilvan Ventura (org.), As Identidades do Tempo: Ensaios de Gênero, Etnia e Religião. 1ª edição. Vitória: EDUFES, 2006
entre outros.

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