segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Oficina de Metodologias Audiovisuais-UECE


Oficina de Metodologias Audiovisuais

O Pibid* Sociologia  da UECE está oferecendo uma oficina de metodologias que podem contribuir com a abordagem do professor em sala de aula.Os conteúdos serão a utilização de charges, recursos audiovisuais, notícias, poesia e música na abordagem das Ciências Sociais para o ensino médio.

Facilitadoras: Carolina Bentes, Giza KarolyneKatury Rayane, Rafaela Lopes, Rafaela Melo, Samara Garcia,  Maria Vasconcelos.

Data:04/11/2011
Horário: 8h às 11h
Local: Centro de Humanidades da UECE. Sala de leitura.

Inscrição no dia do Evento
EVENTO GRATUITO E COM DIREITO A CERTIFICADO


*PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO A DOCÊNCIA

sábado, 29 de outubro de 2011

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE “CAMPO SOCIAL” EM PIERRE BOURDIEU


NOTAS SOBRE O CONCEITO DE “CAMPO SOCIAL” EM PIERRE BOURDIEU



Autor: Wellington Ricardo Nogueira Maciel
Doutor em sociologia

Introdução.


O presente trabalho pretende apontar a centralidade que alguns conceitos possuem no conjunto da sociologia de Pierre Bourdieu. Darei destaque especial para a noção de campo, apontando o processo de seu surgimento com a modernidade, a determinação social das estruturas (habitus) que o regem e o papel das classes sociais no seu interior. Em seguida, darei especial atenção aos campos científico, político e jornalístico, pois foram preocupações constantes de Bourdieu. Concluirei destacando a operacionalização desses conceitos em situações concretas em meio urbano.
Para entender o processo de surgimento dos campos é preciso compreender a constituição da sociedade moderna. Esta para se afirmar teve que travar disputas em vários setores da vida social com o tipo de sociedade pré-capitalista até então predominante a fim de impor seus valores e projetos. O período compreendido pela modernidade significou a constituição progressiva desses espaços sociais autônomos, dotados de leis e regras próprias, onde os atores teriam uma margem de liberdade mais ampla se comparado à pressão exercida pelo grupo nas sociedades anteriores.
Segundo Bourdieu, esses espaços são regidos por conflito e tensão, pois o que está em jogo é a produção da realidade social. Se há em Bourdieu uma forte presença durkheimiana, com a ênfase na anterioridade da sociedade face ao indivíduo, este por sua vez age pondo em movimento as estruturas incorporadas, num constante processo de tensão entre ação e estrutura. Como disse é com a modernidade que surgem esses lugares especializados, pois é só aí que as funções antes comandadas pelo Estado ou pelo mercado aos poucos vão se autonomizando.
O campo pode ser entendido como um conjunto de práticas que são interinfluenciáveis. As suas fronteiras são bem definidas, mas estão em constante mudança, em parte devido à própria dinâmica interna, em parte pela influência externa de outros campos. Cada campo cria leis próprias que regem a entrada, a permanência e a saída dos atores sociais. Esses incorporam desde cedo as estruturas objetivas relativas ao meio em que vivem ou realizam suas atividades diárias. Para Bourdieu, o habitus representa a determinação social das ações do indivíduo.
Por ser um conhecimento adquirido, “uma disposição incorporada”, a noção de habitus aponta o social como o ponto de partida para Bourdieu entender as relações entre os diferentes campos que compõem a sociedade. Disso resulta que o sujeito não percebe o habitus como tal, pois este não lhe aparece de imediato como sendo fruto de sua ação no mundo, mas como dotado de uma estrutura que se lhe impõe. Campo e habitus estão assim relacionados e estruturados segundo convenções particulares e leis próprias. O habitus é para Bourdieu o que os antropólogos concebem como sendo a cultura.
Bourdieu esteve preocupado em romper com um certo reducionismo do campo ao econômico. Para ele a noção de campo não pode ser vista como simples emanação de entidades econômicas, embora não desacredite a sua influência. Por outro lado, as categorias econômicas poderiam ser colocadas em prática nos diferentes campos. Segundo Bourdieu as noções de “capital”, “valor”, “concorrência”, “competição”, “mercado”, “troca”, entre outras, têm utilidade como instrumentos de investigação de casos concretos.
De modo geral, a preocupação principal de Bourdieu é entender “a gênese social de um campo”, investigando como ele se constitui e se relaciona com outros campos. A sociedade pode ser vista como uma arena de disputas entre os diversos campos, cujo objetivo é construir uma interpretação autorizada da realidade.

O uso da linguagem autorizada.

Uma das preocupações de Bourdieu foi apontar em cada campo as determinações sociais da língua, lançando uma crítica aos lingüistas que tendiam a apreender a linguagem apenas em suas relações sintáticas. Para Bourdieu uma frase correta não se resume a correção de sua estrutura. É preciso ir além disso. A linguagem é um instrumento de ação que o sujeito põe em movimento em uma situação concreta. Critica dessa forma a análise do uso da língua que não explicita o contexto de produção da linguagem. As mudanças que Bourdieu opera está em entender como uma determinada linguagem se torna: 1) legítima; 2) constituinte de relações simbólicas e não somente de comunicação (como atuam para manter relações assimétricas de prestígio e poder); 3) instituinte, através do discurso, de estruturas de dominação; e 4) simbolicamente legitimada.
O que está sendo criticado aqui é a pretensão de “autonomização” da noção de “competência lingüística”. Para Bourdieu (2003) isso é abstrair do contexto de produção da linguagem, algo que está demarcado e hierarquizado por relações de forças. Bourdieu, dessa forma, estabelece uma relação de dependência entre significado e contexto social de sua produção. A linguagem comunica não apenas algo, mas busca situar esse algo numa escala hierárquica de valores. “A linguagem”, para Bourdieu, “é uma práxis” (2003, p.146). Não pode estar desvinculada das ações dos atores sociais no mundo. Em resumo, pode-se dizer que Bourdieu procura destacar num processo de comunicação os diversos usos da fala, apontando para explicitar: 1) o contexto de produção; 2) os agentes enunciadores; 3) os recursos utilizados; 4) os informantes privilegiados a quem se dirige a fala.
O problema que segundo Bourdieu (2003, p.146) os lingüistas não compreenderam “não é a possibilidade de produzir uma infinidade de frases gramaticalmente coerentes, mas utilizar de maneira coerente e adaptada uma infinidade de frases num número infinito de situações”. É preciso captar no decorrer de um processo comunicativo, contextualizado segundo o campo específico, a “competência prática” do uso adequado da linguagem. Isso pressupõe estar de posse dos códigos indispensáveis para decifrar os usos autorizados que a linguagem assume numa situação concreta.
Numa situação concreta do uso da linguagem, explicitado o contexto das “relações objetivas”, é preciso estar atento não apenas a “correção” da linguagem, mas também a forma como, mudando-se o lugar de onde se fala, outros atores interpretam e ressignificam determinados estilos lingüísticos.
“As características mais importantes do discurso se devem às relações de produção lingüísticas nas quais ele é produzido. O signo não tem existência (salvo abstrata, nos dicionários) fora de um modo de produção lingüístico concreto. Todas as transações lingüísticas particulares dependem da estrutura do campo lingüístico, que é uma expressão particular da estrutura das relações de força entre os grupos que possuem as competências correspondentes (língua ‘polida’ e ‘vulgar’, língua dominante e dominada, numa situação multilingüistica (...) Compreender não é reconhecer um sentido invariante, mas apreender a singularidade de uma forma que só existe num contexto particular (BOURDIEU, 2003, p.147)”.

Para Bourdieu num campo específico há um conjunto de enunciados sacralizados pela “práxis” cotidiana que exerce sobre os atores uma pressão para dotá-los de “competência prática”. A entrada nesse espaço pressupõe a incorporação dessas regras e o constante investimento, que Bourdieu (1996) chama de illusio. Os recursos necessários à produção de um discurso competente e autorizado não são apenas lingüísticos, mas também materiais e simbólicos. Numa relação diádica será a distribuição desigual desses recursos que determinará a estrutura das relações objetivas de produção lingüística. Como observa Bourdieu,
“a estrutura da relação de produção lingüística depende da relação de força simbólica entre dois locutores, isto é, da importância de seu capital de autoridade (...) A língua não é só um instrumento de comunicação ou conhecimento, mas de poder. Não procuramos somente ser compreendidos mas também obedecidos, acreditados, respeitados e reconhecidos (2003, p.148)”
A autoridade adquirida por quem a exerce advém do poder de falar a um interlocutor privilegiado por ter acumulado prestígio e influência. O que está em jogo é a capacidade de determinar, numa relação diádica, a apreensão que o outro possa ter do mundo social.
Para Bourdieu uma ciência do discurso deve levar em conta “as condições de instauração da comunicação”. Os discursos são produzidos e difundidos em um determinado contexto tendo como fim último os contextos de recepção. Mas é importante destacar que os significados atribuídos aos bens culturais no contexto de sua produção são distintos daqueles recebidos e interpretados no contexto de recepção. Isso possibilita àqueles “despossuídos de poder” contrabalançar a distribuição desigual dos recursos na sociedade.
Destacar o contexto de produção do discurso é, dessa forma, conhecer o habitus próprio ao campo em questão. Entre os diferentes contextos de produção autorizada do discurso surge um espaço intermediário onde as trocas desiguais entre produtores e consumidores ocorrem: o espaço do “mercado”. É no mercado, “estrutura da relação de forças simbólicas”, que as competências propriamente lingüísticas são relativizadas. É no espaço produtor da linguagem onde se explicitam o pertencimento social dos atores sociais. Surge então uma indagação: como captar os traços que nos permitem identificar a classe social do locutor? Bourdieu afirma que alguns traços, como o sotaque, a empostação da voz etc permitem apontar os lugares sociais de quem fala. Disso resulta que
“o que pode ser dito e a maneira de dizê-lo numa circunstância determinada depende da estrutura da relação objetiva entre as posições que emissor e receptor ocupam na estrutura de distribuição do capital lingüístico e das outras espécies de capital. Toda expressão (...) leva a marca, no conteúdo e na forma, das condições que o campo considerado assegura àquele que o produz, em função da posição que ocupa (BOURDIEU, 2003, p.160) ”
Essa concepção do campo como espaço de disputa e de produção da autoridade tem como pressuposto o fato de que os atores agem com interesses. Essa é uma tese central na análise sociológica de Bourdieu. Os conflitos dentro de um campo se dão em torno de valores como prestígio, poder, honra, notoriedade, segundo regras tácitas mas que são legitimadas não expressamente pelos atores. Aqueles que praticam determinadas ações fazem-nas por que possuem sentido para eles. Essas ações podem ser racionais (no sentido de que os atores agem conscientemente) ou não refletidas, mas nunca atos gratuitos.
O “interesse” significa que vale a pena jogar o jogo. Mas é preciso possuir as estruturas objetivas incorporadas (habitus) de um sistema de jogo para que só assim os atos praticados no seu interior tenham algum sentido para aqueles que dele participam. Para sentir-se interessado é necessário incorporar as estruturas que estão presentes no jogo. O “sentido do jogo” é dessa forma imposto de fora àqueles que dele participam.
Como havia destacado antes cada “campo de produção cultural” exige dos atores sociais um “investimento”, chamado de illusio, um conjunto de regras tácitas aceitas por aqueles que pertencem a um determinado campo. Como afirma Bourdieu (1996, p.142) “o que é vivido como evidência na illusio parece ilusório para quem não participa dessa evidência, já que não participa do jogo”. A entrada em um campo requer uma “conversão”, um aprendizado de novas regras e um certo savoir-faire.
Como venho tentando mostrar a modernidade se caracteriza para Bourdieu pela produção de um conjunto de universos autônomos e que possuem leis próprias chamados campos. Para cada campo há formas específicas de interesse em jogo. Os motivos que criam a concorrência em cada campo particular não são os mesmos. “A teoria do processo de diferenciação e de autonomia dos universos sociais com leis fundamentais diferentes leva à explosão da noção de interesse; há tantas formas de libido, tantos tipos de ‘interesse’, quanto há campos (BOURDIEU, 1996, p.149)”.

Os campos científico, político e jornalístico.

 Uma das preocupações de Bourdieu, segundo Ortiz (2003), foi com o processo de autonomização do campo científico, com destaque para as ciências sociais. O objetivo era apontar a especificidade do conhecimento dessas ciências face outras disciplinas. Ortiz salienta que essa tradição tem como um dos expoentes Durkheim na França. Durkheim teria almeja a constituição de um saber construído de acordo com regras e métodos próprios. Ao sociólogo caberia afastar os pré-conceitos e o senso comum a fim de garantir uma análise neutra da realidade. O marco desse movimento é a obra As Regras do Método Sociológico, de 1895.
Embora discordando em pontos capitais com Durkheim em relação ao método próprio dessas ciências, Bourdieu está interessado na constituição, assim como o mestre francês, daquele “lugar hierarquizado, estruturado segundo uma determinada lógica de interesses”, chamado campo científico. “Autonomia” significa aqui fronteiras, “delimitação de um espaço em contraposição a outros (ORTIZ, 2003, p.12)”.
A “porosidade das fronteiras” das ciências sociais significa que as fronteiras nunca são fixas, mas devem ser refeitas a todo o momento. A completa autonomia nunca é completamente realizada, mas nunca também frustrada. A “autonomia” do campo científico é um projeto a ser concretizado, está no horizonte dos atores sociais. A formação de espaços autônomos de produção científica é constitutivo, para Bourdieu, da modernidade. Todavia essa especialização dos campos é extensiva a todas as áreas da vida cultural, inclusive a política.
Bourdieu (1998) parece concordar com a tese segundo a qual o processo de separação entre trabalhador autônomo e meios de produção ocorre também em outras esferas da vida social, com destaque para a política. A “política”, para Bourdieu, não é simplesmente um reflexo de entidades econômicas (interpretação do marxismo ortodoxo), nem a garantia de realização do “bem comum” (interpretação do pensamento liberal), mas um campo dotado de regras e leis próprias, aberto ao conflito.
Para Bourdieu o campo político é hierarquizado, com distribuição desigual das posições e do capital simbólico. Assim é possível distinguir na sociedade os “agentes politicamente ativos” dos “agentes politicamente passivos”. Esses são desprovidos de competência técnica, despossuídos dos meios necessários à participação política. Os primeiros são possuidores das estruturas do campo político. Possuem o monopólio da competência social e técnica. A entrada no campo político pressupõe uma preparação especial. “O desapossamento correlativos da concentração dos meios de produção de discursos ou de atos socialmente reconhecidos como políticos não deixou de aumentar à medida que o campo de produção ideológico ganhava autonomia (BOURDIEU, 1998, p.170)”.
A conseqüência disso é a concentração da produção, nas mãos de um pequeno grupo, “das formas de percepção e de expressão politicamente atuantes”. Essa concentração só é possível com o advento de instituições encarregadas pela preparação dos profissionais. O objetivo dos que se aventuram pelo campo político é a luta pelo poder, com destaque para o papel do partido político. O monopólio da competência aliado ao processo de racionalização dessa mesma competência conferem ao campo político uma importância fundamental na modernidade.
Os interesses particulares são apresentados, no campo político, como sendo válidos para toda a sociedade. O que é universalizado aí são idéias, habitus específicos em concorrência com outros interesses. A pretensão de universalidade dos interesses no campo político deve levar em conta o jogo de forças no seu interior.
Para Bourdieu “o campo político é pois o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos (Bourdieu, 1998, p.185).” O que garante o sucesso no campo político é o acúmulo de prestígio e reconhecimento, uma forma de capital simbólico designado por Bourdieu por “capital político”.
O capital político tem origem na acumulação “no decurso das lutas”, de subidas a palanques, participação em movimentos sociais, discursos pronunciados, enfim um conjunto de ações desenvolvidas ao longo de uma trajetória política do “homem político”. O “poder simbólico” por sua vez é transferido por aquele que lhe está sujeito. O que se transfere aí é a confiança a alguém dotado de capital político. O poder simbólico assemelhasse a noção de “dominação” construída por Max Weber.
Esse processo de autonomização de um campo específico de uma prática alcançou também o jornalismo. Na sociedade contemporânea a televisão se constitui como um “instrumento de manutenção da ordem simbólica”, produzindo uma “violência simbólica” que designa “uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la (BOURDIEU, 1997, p.22)”.
Essa violência é tanto maior quanto mais intensa for a luta por amplas fatias do mercado. Ganham destaque as “notícias de variedade”, “livres” das disputadas acirradas entre as mídias televisivas, pois consistem basicamente em fatos que são de natureza a interessar todo mundo. Essas notícias são tratadas como fatos conhecidos e corriqueiros dos ouvintes. A luta se torna mais acirrada quando se busca captar o “extra-ordinário”.
A televisão para Bourdieu (1997, p.25) monopoliza em grande parte a formação das cabeças de amplas parcelas da população do mesmo modo que seleciona aspectos da realidade segundo categorias de percepção próprias aos jornalistas. “O princípio de seleção é a busca do sensacional, do espetacular”. Daí decorre a busca pelo “furo”, a exclusividade na apresentação de fatos considerados extra-ordinários.
As disputas no campo jornalístico pressupõem um conjunto de relações objetivas que rege o campo. As emissoras constroem suas ações dentro das lutas por fatias maiores do mercado, o peso dos anunciantes, a capital acumulado por alguns jornalistas. A relação dos jornalistas com esses fatores objetivos diversifica o campo jornalístico em emissoras em disputa e em concorrência. Essa constante luta por fatias do mercado faz com que o campo jornalístico se torne mais dependente do mercado, por depender mais das demandas externas. A pressão que o “campo econômico” exerce sobre o campo jornalístico se dá através do índice de audiência.
Em resumo, pode-se dizer, com Bourdieu, que os jornalistas detém o monopólio da produção e difusão da informação. As lutas internas são por fatias maiores do mercado o que resulta na seleção de fatos considerados dignos para os jornalistas de serem objetos de esclarecimento.
Por fim, as categorias teóricas elaboradas por Bourdieu podem ser apropriadas em situações concretas em meios urbano. Na minha pesquisa em particular, que trata dos usos feitos pelos atores sociais dos espaços ditos modernos na cidade de Fortaleza, entender a cidade como “campo” de disputas em torno dos usos sociais legítimos do espaço urbano pode contribuir para a compreensão dos processos de dinâmica urbana na cidade de Fortaleza.
A cidade contemporânea tem se tornado palco de grandes investimentos nas últimas décadas com o objetivo de atrair capitais e turismo, favorecidos com os processos de globalização. Fortaleza, dizem os arquitetos, urbanistas e governantes, tem se modernizado nos últimos anos. A sociologia de Bourdieu pode contribuir para desnaturalizar essas afirmações, dando destaque aos contextos de produção e recepção dos discursos que buscam legitimar certas intervenções em meio urbano. Um campo empírico rico para isso seriam os discursos pronunciados em jornais e documentos oficiais.


Referências Bibliográficas.
  
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
------. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
------. “É possível um ato desinteressado?” In: Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas-SP: Papirus, 1996.
ORTIZ, Renato (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2003.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Fortaleza, cidade do medo?




Fortaleza é comumente associada por moradores e visitante a imagens que reportam uma cidade sedutora e hospitaleira, capaz de acolher a todos como se fosse uma aldeia de ternura no meio de tanta violência que caracteriza os tempos atuais. Não é bem o que mostram os dados da pesquisa realizada pelo sindicato patronal das empresas do mercado imobiliário do Estado do Ceará (Secovi-CE), divulgados em primeira mão pelo jornal O Povo (Edição de 19/10/11). Nela foi elaborado, de forma inédita, o sugestivo Índice de Medo a partir de consulta nos últimos quatro trimestres a 3.600 moradores das classes “A, B, C e D” de Fortaleza com mais de 18 anos. A função do Índice é objetivar, a cada três meses, uma medida referencial da “sensação de insegurança” sentida por parte dos moradores. Apesar da inovação da pesquisa, contudo, entendo que é preciso realizar uma reflexão sobre o modo como Fortaleza é produzida como “cidade do medo” sob o cuidado de ter em mente que muitas das soluções disponíveis para combater as supostas causas dos medos criam na mesma medida os problemas que pretendem resolver.
Embora Fortaleza tenha sido elevada à condição de vila apenas no dia 13 de abril de 1726, pelo Capitão-Mor Manuel Francês, as expedições do holandês Matias Beck, no século XVII, deixaram marcas indeléveis sobre seu peculiar modo de ordenação urbana: a de ser uma cidade fortificada. É certo que o modelo de fortificação desse período era justificado em vista do perigo representado pelo inimigo externo vindo de além-mar. Apesar das semelhanças, o processo de fortificação que afeta a experiência pública do espaço urbano em Fortaleza no início do século XXI deve ser compreendido tanto numa perspectiva histórica quanto sociológica. Histórica, porque a fuga do espaço público por parte dos setores mais privilegiados obedece a uma crescente privatização das esferas da vida contemporânea. Sociológica, porque essa privatização é traduzida, em grande parte, por meio da separação física e simbólica e pelo monitoramento ostensivo do outro, classificado como desconhecido e perigoso. Em meio a esse cenário o sentimento de medo parece ser a única manifestação subjetiva possível. É o que afirma a pesquisa do Sindicato sobre os 48,7% dos fortalezenses que tem medo em se deslocar sozinhos nas ruas ou os 58,5% que hesitam em andar por áreas desconhecidas da cidade.
Estudiosos das relações entre manifestações de medo e vida urbana tem sugerido que a definição do que hoje é tido por publicamente valioso passa pelo tipo de experiência social do espaço urbano. Essa experiência se vê comprometida pelo crescimento e proliferação dos enclaves fortificados, espaços urbanos voltados para fornecer aos seus usuários principais (moradores de áreas residenciais de luxo, mas também turistas que frequentam áreas históricas “revitalizadas” e espaços urbanos de lazer) um sentido de lugar seguro e estável numa sociedade caracterizada pela rápida compressão tempo-espaço. É fácil supor que os ambientes residenciais, comerciais, de lazer e consumo se mostram tanto mais reclusos e de acesso restrito e limitado quanto mais oferecidos como mercadorias raras para a marcação de gostos e distinções.
As consequências mais imediatas dessas mudanças urbanas revelam-se na forma como as interações mais cotidianas se estruturam na cidade. Medidas de segurança, como instalações de equipamentos e câmeras para monitoramento das áreas de influência dos enclaves, segurança particular e policiamento ostensivo, combinam-se como os novos formatos da arquitetura e do urbanismo “pós-moderno”, onde predominam designers e materiais que, ao mesmo tempo em que sugerem transparência e unidade entre experiências sociais públicas e privadas, revelam formas sutis de separar e isolar sujeitos apontados como perigosos e indesejados.
Como bem observa Zygmunt Bauman (Confiança e medo na cidade) a paranóia mixofóbica que resulta do medo do encontro com o outro passa a nutrir a si mesma e age como uma profecia que não tem necessidade de confirmação já que a suposta causa da “sensação do medo” pretende ser auto-evidente ou de fácil identificação aos olhos de qualquer observador. O grande risco que essa paranóia representa para a vida pública ocorre quando é vendida como necessidade de consumo e de estilo de vida pelos discursos e práticas dos construtores dos gated communities, ou de condomínios fechados e vigiados, espaços vedados que criam e reproduzem essas necessidades, nas palavras do próprio autor.
A contrapartida da fragmentação das sociabilidades urbanas gerada pelos enclaves fortificados são as supostas ilhas de segurança e prosperidade comunitária representada pelos novos formatos de residência multifamiliar, por exemplo. Fortaleza parece reproduzir nesse sentido muito do que vem sendo feito mundo a fora. Entretanto, não custa lembrar que a opção pelos ambientes fechados e restritos produz efeitos inesperados. O maior deles é que igualdade social e uma “comunidade de interesses” não constituem automaticamente as bases para uma vida pública intensa. Aliás, muitos são os novos conflitos gerados por esses aparelhados simulacros de vida coletiva. É o que bem demonstra Teresa Caldeira (Cidade de muros) quando trata do atual padrão de segregação urbana de São Paulo onde os discursos do medo e da violência misturam-se, nas propagandas publicitárias do estilo alphaville de morar, com os supostos lugares da civilidade (pós)moderna.
A lição dada por São Paulo à Fortaleza é a de que proximidade física e distância social são variáveis comumente manipuladas e de fácil adesão. É certo que nosso cotidiano fortificado de cada dia parece contradizer muitos dos princípios democráticos, da responsabilidade pública e da civilidade. Por outro lado, o medo a que não podemos mais fugir, esse sim, deve ser o de não fragmentar ainda mais a vida e a ordem pública, tão precariamente compartilhada. É preciso conter as soluções que mais aprofundam do que resolvem a suposta causa da sensação de medo. Quando a fuga da vida pública se alia a incapacidade ou preguiça de refletir sobre as responsabilidades de todos perante os demais; quando nos tornamos prisioneiros de soluções fáceis e vendáveis é ora de refundarmos um novo pacto social, algo que só de pensar, dá medo, tendo em vista os interesses entrincheirados na cidade. Mas esse é um medo que, se superado, todos só teremos a ganhar.



Wellington Ricardo Nogueira Maciel
Curriculum Lattes:
Doutor em sociologia e autor do livro O Aeroporto e a Cidade: usos e significados do espaço urbano na Fortaleza turística, EdUECE, 2010.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Os critérios inaceitáveis do tracajá despombalizado (ou a difícil arte de agradar um jabuti caquético)


JABUTI OK cópia.jpg

Os critérios inaceitáveis do tracajá despombalizado
(ou a difícil arte de agradar um jabuti caquético)

Depois de me esguelar por sete anos na produção dum calhamaço de 640 páginas de puro conteúdo histórico, me classifiquei para a final do mais tradicional
prêmio literário brasileiro.
Mas aí, um tal de jurado “B” resolveu esculhambar meu trabalho e, 
de tantos zeros, Pedro e os Lobos acabou em 5º lugar.
Enquanto um dos três juízes me deu três dez, o outro me deu três zeros,
e nos mesmos quesitos.
Para a trinca esquizofrênica que analisou meu livro,
ou ele é uma jóia rara ou é um verdadeiro lixo.

www.pedroeoslobos.com

Quando resolvi mesclar a biografia de um ex-guerrilheiro com a história recente do Brasil achei que estava tendo uma grande sacada. Afinal, boa parte da nossa juventude  e porque não dizer da velhitude também  não tem a menor idéia do que se passou nas entranhas da guerra sem regras travada contra o regime implantado à ferro e fogo partir do último dia de março de 1964.
Foram sete anos de trabalho, onde cruzei o Brasil entrevistando personagens e revirando arquivos. Só com o Pedro Lobo e sua família foram trinta e sete horas de gravação. Fora isso, devorei uma centena de livros, teses e dissertações e assisti a todos os filmes produzidos sobre a época. 
Sem patrocínios ou apoio de uma grande editora, optei por vender tudo o que tinha, inclusive minha casa, pra sobreviver durante esse tempo e bancar a edição do livro. Mas aí, um jabuti totalmente despreparado para ser o farol da produção literária nacional surge no meu caminho. 
E um dos jurados escalado pelo tal quelônio resolveu esculhambar com minha obra. O mardito deu zero pela relevância do tema, zero pela qualidade de informações e apuração de fontes e zero pela clareza e objetividade do texto. Dos cinco quesitos propostos, ele deu a nota mínima para três  veja  a tabela de notas na Carta Aberta que está no final desta postagem. 
Acho que nunca tomei tantos zeros juntos na vida. Isso porque tem uma grande armadilha embutida na escala de notas adotada pelos organizadores do Prêmio. Ali, disfarçadamente, zero é oito redondo e um mediano cinco vira nove. Assim, ninguém percebe o massacre de obras respeitáveis.
Assalto ao Poder, do jornalista Carlos Amorim, O Cardeal e o Repórter, do jornalista Ricardo Carvalho e Os Sertões  Um livro reportagem de Fabiana de Moraes foram zerados sistematicamente pelo alucinado tracajá. Até o mestre Luiz Fernando Veríssimo tomou nota mínima pela desimportância do tema de  Um Papo Sobre o Tempo.
Se entre os dez classificados os zeros foram salpicados como orégano em pizza, imaginem qual foi o tratamento dado às quarenta e tantas obras descartadas só na categoria livro-reportagem pelos juízes na primeira fase do processo de seleção.
Assim, em nome da dignidade do trabalho dos quase três mil inscritos no Prêmio deste ano, se esse concurso não for anulado quem vai parar no fundo do brejo é o tal do Jabuti. Coitado, com 53 anos, o famoso tracajá me parece novo demais pra morrer assim, atolado na descrença popular. 
Leia abaixo a íntegra da Carta Aberta que estou enviando à imprensa e aos companheiros prejudicados pra ver se alguém mais se habilita a comprar essa briga comigo.

...................................................................................................

Carta aberta à imprensa e ao público leitor

Fiquei em 5º lugar na etapa final do Prêmio Jabuti de 2011 na categoria Reportagem. Indignado com algumas das notas Zero atribuídas ao meu trabalho e ao trabalho de meus colegas envolvidos na disputa, me sinto no dever de protestar.
Pra começar, a escala imposta pelo regulamento do concurso começa na nota oito e, fracionada, se estende até Dez. Este artifício tende a fazer com que sublimemos as notas mais baixas, já que, desde os tempos dos bancos escolares lidamos com a clássica escala que vai de Zero a Dez. Por exemplo, na escala jabotiniana, 8,50 equivale ao 2,50 da escala tradicional e, um oito redondo, a Zero.
Para não advogar só em causa própria, começo analisando o que aconteceu com o livro Assalto ao Poder, do jornalista Carlos Amorim. Na primeira fase, a obra recebeu dos dois jurados que a qualificaram para a final uma sequência significativa de notas Dez. Isso a colocou na condição de franca favorita ao prêmio. 
Na etapa final, entretanto, o terceiro jurado entrou em cena torpedeando o trabalho de Amorim, sistematicamente.
Considerando a relação entre narcotráfico e poder um assunto deveras desimportante, este “especialista” escalado pela direção do Jabuti deu ao quesito Relevância do Tema nota 3,00, ou seja, 8,60 na escala adotada pelo Jabuti.
O cruel foi o 0,50 que o mesmo jurado atribuiu ao item Manejo do Texto, paradoxalmente contemplado com a nota máxima pelos seus dois colegas de banca.
Para se ter uma idéia da discrepância, as notas finais de Assalto ao Poder, usando-se a clássica escala de Zero a Dez, ficaram assim:
http://4.bp.blogspot.com/-12Db1b-syxo/TqTef5GmWYI/AAAAAAAAAio/hvpmV-fsztY/s640/TABELA+1.jpg
Com isso, a obra ficou em segundo lugar perdendo a estatueta de melhor livro-reportagem para 1822, de Laurentino Gomes.
No caso do meu trabalho, Pedro e os Lobos  Os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano, a coisa foi ainda pior. Um dos jurados, o “B”, o brindou com tantos Zeros, que o livro acabou em 5º lugar.
De cara, o “Senhor B” já torceu o nariz para o tema. Na concepção desse “especialista” a história recente do Brasil não tem a mínima importância. Episódios como a renúncia de Jânio, a deposição de Jango e todo o período que os militares estiveram no poder  incluindo aí, as ações de guerrilha urbana e rural, a tortura de presos políticos, a edição do AI-5, a censura, os movimentos populares pela anistia, as greves do ABC e o movimento pelas Diretas Já  não merecem uma abordagem literária.
Pretendendo deixar muito claro esse seu ponto de vista, “B” tascou um retumbante Zero, isso mesmo, Zero  ou oito redondo na escala proposta pelo Prêmio  ao quesito Relevância do Tema da obra Pedro e os Lobos. O curioso é que esse mesmo jurado atribuiu nota máxima ao tema abordado por  Laurentino Gomes em seu 1822. 
Por esse prisma, a Independência do Brasil é uma matéria da mais alta relevância, enquanto o período que vai da posse de Jânio Quadros na presidência da República ao fim do governo João Figueiredo  embutidos aí mais de vinte anos de ditadura  não vale nada além dum Zero.
Para meu espanto, o “Jurado B” leu e releu Pedro e os Lobos – são duas as leituras previstas no regulamento durante o processo de classificação – e acabou por dar Zero também ao quesito Clareza e Objetividade do Conteúdo. Na visão deste “especialista”, meu trabalho não passa dum emaranhado ininteligível de dados desconexos.
O pior foi o Zero dado por “B” ao quesito Qualidade das Informações e Apuração de Fontes. Poxa! Para escrever o livro, ao longo de sete anos, cruzei o Brasil entrevistando personagens envolvidos na resistência armada contra os militares. Só com o Pedro Lobo e sua família foram trinta e sete horas de gravação. 
Fora isso, li cerca de uma centena de livros, teses e dissertações sobre o tema e atravessei meses enfurnado em arquivos  como o do antigo Dops de São Paulo, do Dops carioca, do Edgard Leuenroth da Unicampe os do SNI, CIEX e CENIMAR em Brasília   revirando pastas, analisando processos e garimpando documentos.
Não bastasse esse trabalho de pesquisa, procurei assistir a todos os filmes e documentários produzidos sobre o tema e folheei incontáveis exemplares de jornais e revistas atrás de notícias e artigos que pudessem melhorar o meu trabalho. E tudo isso está muito bem registrado ao longo das 640 páginas do livro.
Mas o senhor “B”, em sua miopia crítica, leu e releu Pedro e os Lobos e nada viu que valesse pelo menos um atenuante meio. E aí foi outro Zero, a seco mesmo. Se pudesse ter acesso à identidade desse tal “Jurado B”  o regulamento prevê apenas a divulgação do nome dos juízes em ordem alfabética -, não titubearia em perguntar:
 O que eu precisaria ter adicionado à minha pesquisa para merecer ao menos um mísero meio ponto no quesito Qualidade das Informações e Apuração de Fontes?  E para atingir um Dez então, o que o senhor recomendaria que eu acrescentasse?
Considero que esse juiz tem todo o direito de ter odiado meu trabalho. Agora, ir distribuindo Zeros ao longo dos quesitos sem acrescentar qualquer décimo que os atenue, me parece um gravíssimo desatino. Afinal, ele dispunha duma escala fracionada que contemplava, no mínimo, uma graduação de dezoito alternativas entre a nota mínima e a máxima.
 Acredito que só um livro em branco poderia merecer o tratamento dado a Pedro e os Lobos pelo “Senhor B”. E meu livro, em absoluto, não é composto duma sequência de folhas vazias. Estão nele 216.384 palavras razoavelmente alinhavadas ao longo de 640 páginas. Nesse texto se sucedem depoimentos inéditos, relevantes fatos históricos, citações de outros autores, além de poesias e trechos de músicas que marcaram um dos períodos mais conturbados da nossa história.
E todo este material foi organizado por alguém que se formou em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da USP, universidade onde também cursou História. Portanto, o Zero dado a este quesito por um jurado anônimo, que nunca vai ter sua identidade ou formação acadêmica revelada é, em qualquer análise, totalmente inaceitável. 
A discrepância das notas do “jurado B” em relação aos seus colegas fica evidente quando se olha o quadro das avaliações de Pedro e os Lobos na segunda e última fase do Jabuti. Usando a escala de Zero a Dez, temos:
http://3.bp.blogspot.com/-pOdWP3PjFcM/TqTfVXMQcYI/AAAAAAAAAiw/hNnRDFk1FTI/s640/tabela+2.jpg
  Convenhamos, pelas notas mostradas acima, dá pra ver que o "B" faz absoluta questão de caminhar na contramão, ou não tem a menor noção do que está fazendo. 
Voltando à análise dos juizes em relação ao trabalho dos colegas, se percebe outro grave problema nas notas atribuídas ao O Cardeal e o Repórter. O livro do jornalista Ricardo Carvalho levou três Zeros. Dois deles pela total, na opinião dos juízes, desimportância do tema. Convenhamos, dar Zero pra uma sequência de entrevistas com dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal que tanto lutou pelos direitos humanos no Brasil é, no mínimo, um imenso pecado.
Outra obra execrada pelo júri do Jabuti na fase final foi Os Sertões  Um livro reportagem de Fabiana de Moraes. Um dos “especialistas” a serviço do Prêmio, sem dó nem piedade, mandou-lhe uma saraivada de quatro notas mínimas. Zero pela Relevância do Tema, Zero para a Qualidade de Informação e Apuração de Fontes, Zero na Clareza e Objetividade do Conteúdo e Zero no Manejo do Texto. Isto, se considerando que o trabalho foi classificado para a fase final em 7º lugar, num universo de quase sessenta livros inscritos na categoria.
Nesta insana distribuição de notas mínimas, até a obra assinada por Luiz Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura e Arthur Dapieve acabou contemplada. É difícil de entender como o tema de Um Papo Sobre o Tempo, escrito por trinca tão significativa do nosso universo literário, possa ter importância Zero.
Não estamos diante de um prêmio qualquer. O Jabuti tem 53 anos  por coincidência, a minha idade  e ainda goza de grande reputação. Portanto, proponho aos seus organizadores que cancelem, ao menos, esta segunda e definitiva etapa de classificação e, que uma nova equipe de jurados seja montada a partir da indicação de editores de cultura dos principais órgãos de imprensa brasileiros.
Só com uma nova avaliação das obras, desta vez com uma banca de jurados comprovadamente qualificada e a partir de critérios técnicos transparentes, o nosso querido Jabuti vai conseguir se salvar do brejo da desmoralização.

João Roberto Laque
21 de outubro de 2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

concurso público para à área de Sociologia do Trabalho na UFCG - Campina Grande


Repassando...
 
Caros,
Segue endereço para acessar edital de concurso público para à área de Sociologia do Trabalho na UFCG - Campina Grande.
Peço que divulguem amplamente.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Notas para compreender o ceticismo contemporâneo.


                                   Notas para compreender o ceticismo contemporâneo.


                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga*


__________________
Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).




 L`errore dell`intellettuale consiste nel credere che si possa sapere senza comprendere e specialmente senza sentire ed esser apassionato” (Antonio Gramsci).

            O ceticismo ou cepticismo, derivado do verbo grego σκέπτομαι, transl. sképtomai, “olhar à distância”, “examinar”, “observar” é a doutrina segundo a qual não se pode obter nenhuma certeza absoluta a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de questionamento permanente e na inadmissão da existência de fenômenos metafísicos, religiosos e dogmas, o que constitui uma das únicas ideias em que o ceticismo dá-nos certeza a um ponto de vista, sendo seu próprio ponto de vista um ponto de vista, contrariando a própria ideia de não ter certeza absoluta a respeito de alguma verdade, devido ao fato do “provar que uma religião está certa” etc. ser impossível de provar. O termo originou-se a partir do nome (cf. Ginzburg, 1979)       comumente dado a uma corrente filosófica originada na Grécia Antiga.
            O ceticismo costuma simplificadamente, ser dividido em duas amplas correntes constitutivas desse ideário: a) o ceticismo filosófico - uma postura filosófica em que as pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e percepção que possuem são realmente verdadeiros, no sentido contemporâneo que Richard Rorty (1994) emprega, ou se alguém pode ou não dizer se possui o conhecimento absolutamente verdadeiro; b) o ceticismo dito científico - tendo em vista admitir uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação, e procura prová-la ou desaprová-la usando o método científico. Daí as condições e possibilidades de proximidade com Rorty, mas que não trataremos agora.
            O ceticismo filosófico originou-se a partir da filosofia grega. Uma de suas primeiras propostas foi feita por Pirro de Élis (360-275 a. C.), que viajou até a Índia numa das campanhas de Alexandre, o Grande para aprofundar seus estudos, e propôs a adoção do ceticismo “prático”. Subsequentemente, como na “Nova Academia”,  Arcesilau (315-241 a. C.) e  Carnéades (213-129 a. C.)    desenvolveram mais  perspectivas teóricas, que “refutavam concepções absolutas de verdade e mentira”. Carneades criticou as di-visões dos dogmatistas, especialmente os defensores do estoicismo, quando alega que “a certeza absoluta do conhecimento é impossível”. Sexto Empírico (200 d. C.), a maior autoridade do ceticismo grego, desenvolveu ainda mais a corrente, incorporando aspectos do empirismo em sua base para afirmar o conhecimento. Ou seja, o ceticismo filosófico é procurar saber não se contentando com a ignorância fornecida atualmente pelos meios públicos, por meio da dúvida. Opõem-se ao dogmatismo, em que é possível conhecer a verdade. Para sermos breves, o dogmatismo corresponde à atitude de todo aquele que crê que o homem tem meios para atingir a verdade não se confrontando com a dúvida e não problematizando o conhecimento. O desenvolvimento de dogmas e doutrinas tem afetado as tradições, instituições e práticas religiosas.
            Historicamente falando Πυρρωνισμός, também conhecido como “ceticismo pirrônico” (cf. Lessa, 1993; 1995a; 1995b; 1997; 2008; 2009) representa uma tradição da corrente filosófica do ceticismo fundada por Enesidemo de Cnossos no século I d. C., e registrada por Sexto Empírico no século III. Toma o seu nome de Pirro de Élis, um cético que viveu cerca 360 a 270 a. C., embora a relação entre a filosofia da escola e essa figura histórica seja pouco clara. O pirronismo tornou-se influente há alguns séculos desde o surgimento da moderna visão científica do mundo. E com a seguinte tese: “Nada pode ser conhecido, nem mesmo isto”. Os céticos pirrônicos negam assentimento a proposições não imediatamente evidentes e permanecem num estado de inquirição perpétua. Ao invés de descrer em Deus, poderes psíquicos etc., baseados na falta de evidências de tais coisas, como empiristas que são, pirrônicos reconhecem que não podemos estar certos de que evidências novas não possam aparecer no futuro, de modo que eles mantêm-se abertos em sua pesquisa. Também questionam o saber estabelecido, e veem o “dogmatismo como uma doença da mente”. Last but not least, o cientista político Renato Andrade Lessa (UFF/IUPERJ) fez imersão no ceticismo, após as decepções de sua geração com a filosofia de Louis Althusser da qual era “fã de carteirinha” no bairro carioca da Tijuca.
O ceticismo científico tem relação com o ceticismo filosófico, mas eles não são idênticos. Muitos praticantes do ceticismo científico não são adeptos do ceticismo filosófico clássico. Quando críticos de controvérsias científicas, terapias alternativas ou paranormalidades são ditos céticos, isto se refere apenas à postura cética científica adotada. O termo cético é usado atualmente para se referir a uma pessoa que tem uma posição crítica em determinada situação, geralmente por empregar princípios do pensamento crítico e métodos científicos, melhor dizendo, o ceticismo científico para verificar a validade de ideias. Os céticos veem a evidência empírica como importante, já que ela provê provavelmente o melhor modo de se determinar a validade de uma ideia. Apesar de o ceticismo envolver o uso do método científico e do pensamento crítico, isto não necessariamente significa que os céticos usem estas ferramentas constantemente.
Os céticos são frequentemente confundidos com, ou até mesmo apontados como, cínicos. Porém, o criticismo cético válido (em oposição a dúvidas arbitrárias ou subjetivas sobre uma ideia) origina-se de um exame objetivo e metodológico que geralmente é consenso entre os céticos. Note também que o cinismo é geralmente tido como um ponto de vista que mantém uma atitude negativa desnecessária acerca dos motivos humanos e da sinceridade. Apesar de as duas posições não serem mutuamente exclusivas, céticos também podem ser cínicos, cada um deles representa uma afirmação fundamentalmente diferente sobre a natureza do mundo.
De outra parte, os céticos científicos constantemente recebem também, acusações de terem a “mente fechada” ou de inibirem o progresso científico devido às suas exigências de evidências cientificamente válidas. Os céticos, por sua vez, argumentam que tais críticas são, em sua maioria, provenientes de adeptos de disciplinas pseudocientíficas, tais como homeopatia, reiki, paranormalidade e espiritualismo, cujas visões não são adotadas ou suportadas pela ciência convencional. Segundo Carl Sagan, cético e astrônomo, “você deve manter sua mente aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia”. A necessidade de evidências cientificamente adequadas como suporte a teorias é mais evidente na área da saúde, onde utilizar uma técnica sem a avaliação científica dos seus riscos e benefícios pode levar a piora da doença, gastos financeiros desnecessários e abandono de técnicas comprovadamente eficazes. Por esse motivo, do ponto de vista positivista, no Brasil é vedado aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica.
Destarte não queremos perder de vista que Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) foi um escritor e ensaísta francês, considerado por muitos como o inventor do ensaio pessoal. Nas suas obras e, mais especificamente nos seus “Ensaios”, analisou as instituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando a generalidade da humanidade como objeto de estudo. Ipso facto é considerado um cético e humanista. Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista nem um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendo um sistema de conduta, uma moral com princípios rígidos, é um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana.
Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão a perguntar em vez de responder e é na sua incerteza em dar respostas que surge certo cepticismo em Montaigne. Como não está interessado em dar respostas apriorísticas tem certa reserva em relação a misticismos e crenças. É de notar certo alheamento em relação ao Cristianismo e às lutas de religião que se vivia em França. Embora não deixe de refletir em assuntos como a destruição das novas índias pelos Espanhóis. Ou seja, as suas reflexões visam os clássicos e a sua própria contemporaneidade. Tanto fala de um episódio de Cipião como fala de algum acontecimento do seu século como fala de qualquer seu episódio doméstico.
Um debunker é um “cético engajado no combate a charlatões e ideias que, na sua visão, são falsas e não científicas”. Alguns dos mais famosos são: James Randi, Basava Premanand, Penn e Teller e Harry Houdini. Religiosos contrários aos grupos de céticos desenganadores dizem que suas conclusões estão cheias de interesse próprio e que nada mais são que novos movimentos de cruzadas de crentes com a necessidade de assim se afirmarem. Entretanto, quando esses mesmos críticos são chamados a comprovar cientificamente suas teorias e alegações, a maioria dos religiosos refuga a qualquer tipo de discussão preferindo partir para ataques pessoais contra os céticos.
Randall James Hamilton Zwinge (Toronto, 1928), mais conhecido como James Randi ou, posteriormente, The Amazing Randi, é um mágico ilusionista e cético, conhecido por ser um combatente da pseudociência. Ele é talvez mais conhecido pelo One Million Dollar Paranormal Challenge (“Desafio Paranormal de Um Milhão de Dólares”), no qual a James Randi Educational Foundation pagará um milhão de dólares a qualquer um que demonstrar evidência de evento paranormal, sobrenatural ou de poderes ocultos, as condições para os testes precisam ser aceitas por ambas as partes. Ele também participa ocasionalmente do programa de televisão Bullshit!, apresentado pelos também mágicos e céticos Penn & Teller. Seu interesse em desbancar o paranormal vem de sua época de adolescente.
Por volta de 1975, Premanand começou a denunciar publicamente o “homem santo” indiano, Sathya Sai Baba, e agora dedica sua vida à exposição de falsos homens santos e fenômenos paranormais. Originalmente um ilusionista, Premanand utiliza suas habilidades com o objetivo de mostrar explicações naturais para as supostas capacidades sobrenaturais e milagres alegados por esses gurus e homens santos. Desde 1976 seu principal alvo é Sathya Sai Baba. Premanand foi preso em 1986 pela polícia por marchar com 500 voluntários até Puttaparthi, a cidade onde o principal ashram do guru estava localizada. No mesmo ano ele processou Sathya Sai Baba por violação do Ato de controle Dourado pela materialização de objetos em outro de Sathya Sai Baba.
O caso foi arquivado, “mas Premanand apelou baseado em que o poder espiritual não é uma defesa reconhecida pela lei”. Ele posteriormente fundou a Federação de Associações Racionalistas Indianas, que ia às vilas da Índia para educar as pessoas contra os falsos gurus e faquires que ele considerava uma fraude. Ele também era o convocador do CSICOP Indiano, um grupo cético baseado em Tamil Nadu que é afiliado ao CSICOP. Ele é o dono-editor da revista mensal “O Indiano Cético”, que “publica artigos de investigações científicas em aparentemente ocorrências paranormais com especial ênfase a casos na India”.
Descrito pela BBC como “o principal desvendador de Gurus da Índia”, Basava Premanand foi “honrado pelo governo com o mais alto premio para a promoção de valores científicos entre o público”. Penn & Teller é uma dupla de ilusionistas e comediantes norte-americanos. Em suas performances, Penn Jillette é um falastrão, enquanto que Teller geralmente não fala. Além do sucesso como ilusionistas mantendo um show regular no All Suíte Hotel and Casino em Las Vegas, tornaram-se conhecidos como debunkers e pela “defesa pública do ateísmo, ceticismo e libertarianismo” (cf. Braga, 2011). No Brasil, tornaram-se mais conhecidos graças ao programa de televisão Bullshit veiculado pelo canal FX.
Harry Houdini, nome artístico de Ehrich Weiss (1874-1926), fora um dos mais famosos escapistas e ilusionistas da História. Sua família emigrou para os Estados Unidos, quando Houdini tinha quatro anos, em 3 de julho de 1878, a bordo do navio SS Fresia. Teve uma infância muito pobre, o que o obrigou a trabalhar desde cedo. Foi perfurador de poços, fotógrafo, contorcionista, trapezista. Foi também ferreiro e nesse ofício ele aprendeu os truques que mais tarde o transformariam no maior mágico ilusionista do mundo. Certa vez, seu chefe encarregou-lhe de abrir um par de algemas cuja chave um policial perdera. Após inúmeras tentativas usando serras, Houdini teve a ideia de pinçar a fechadura para abri-la. Ele conseguiu e a maneira como a fez serviu de base para abrir todas as algemas que empregava em seus truques.
A ciência moderna é construída “sob um pé limiar”, talvez, entre o ceticismo e a credulidade. Por um lado, a ciência deve estar sempre aberta a novas ideias, desde que apoiadas em evidências científicas, mas que posteriormente devem ser comprovadas, de modo a assegurar a veracidade de seus resultados. Sempre que uma nova hipótese é formulada ou uma nova alegação é realizada, toda a chamada “comunidade científica” se mobiliza de modo a comprovar sua viabilidade teórica e prática. Como em qualquer outro plano, quanto mais incomuns forem as novas ideias e invenções, mais resistência tendem a enfrentar durante seu escrutínio por meio do método científico. Uma consequência disso é que vários cientistas através da história, ao apresentarem suas ideias, foram inicialmente recebidos com alegações de fraude por colegas que não desejavam ou não eram capazes de aceitar algo que requereria uma mudança em seus pontos de vista estabelecidos.
Em Janeiro de 1905, mais de um ano após Wilbur e Orville Wright terem feito o seu histórico primeiro vôo em Kitty Hawk, em 17 de Dezembro de 1903, a revista Scientific American publicou um artigo ridicularizando o vôo dos Wright. Com assombrosa autoridade, a revista citou como principal razão para questionar os Wright “o fato de a imprensa americana ter falhado em cobrir o vôo”. Outros a se juntarem ao movimento cético foram o New York Herald, o Exército Americano e inúmeros cientistas americanos. Somente quando o presidente Theodore Roosevelt ordenou tentativas públicas no Forte Mayers, em 1908, os irmãos Wright comprovaram suas afirmações e compeliram até os céticos mais zelosos a aceitarem “a realidade das máquinas voadoras mais pesadas que o ar”. Na verdade, os irmãos Wright foram bem sucedidos em demonstrações públicas do vôo de sua máquina cinco anos antes do vôo de reconhecimento histórico.
A maioria das invenções revolucionárias modernas, do ponto de vista da técnica e da arte, como o microscópio de corrente de tunelamento, que foi inventado em 1981, ainda encontra intenso ceticismo e até mesmo ridículo quando são anunciados pela primeira vez. Como físico Max Planck observou em seu livro “The Philosophy of Physics”, de 1936: “uma importante inovação científica raramente faz seu caminho vencendo gradualmente e convertendo seus oponentes: raramente acontece que  ´Saulo` se torne ´Paulo`. O que realmente acontece é que os seus oponentes morrem gradualmente e a geração que cresce está familiarizada com a ideia desde o início”.
O ceticismo pode, portanto, tornar-se vicioso e sua prática deve ser balanceada. É importante que o cético mantenha-se neutro, tenha consciência de sua posição e evite um ceticismo descontrolado que possa vir a transformar-se num fanatismo tecnológico. Por exemplo, membros da Sociedade da Terra Plana acreditam que o planeta Terra não é esférico, e sim plano sendo que numa revisão mais recente descobriu assemelhar-se com um disco. Outro exemplo interessante diz respeito aos boatos referentes à missão Apollo, em que uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em 1999, constatou que 6% da população norte-americana ainda não acreditava que o homem houvesse pousado na Lua. Uma visão irônica sobre a resistência de se aceitar evidências, especialmente depois de se passar um longo tempo refutando-as, é apresentada pela Sociedade Memorial os Homens Nunca Voarão uma sociedade que teve como base os argumentos céticos.
Enfim, resumidamente, o ceticismo é um corrente de pensamento filosófico que defende a ideia da impossibilidade do conhecimento de qualquer verdade. Criado na Grécia Antiga por Pirro de Élis, esta filosofia rejeita qualquer tipo de dogma. De acordo com os céticos, todo conhecimento é relativo, pois depende da realidade da pessoa que o possui e das condições do objeto que está sendo analisado. Como a cultura (regras, leis, costumes, visões e mundo, crenças) muda em cada período histórico, os defensores do ceticismo acreditam ser impossível estabelecer o que é real e irreal ou correto e incorreto. Logo, os céticos defendem a ideia de assumir uma postura de neutralidade em todas as questões, não fazendo julgamentos. Assim, o cético defende a indiferença total.
Quais seriam então as dez razões para se compreender o ceticismo, a inversão é proposital. Senão vejamos: 1) “Alegações extraordinárias exigem prova extraordinária” (Carl Sagan em “O Cérebro de Broca”; 2) “Ausência de evidência não é evidência de ausência” (Carl Sagan, em “O Mundo Assombrado por Demônios”); 3) “Um ceticismo sábio é o primeiro atributo de um bom crítico” (James Russell Lowell, poeta, crítico e editor norte-americano, 1819-1891); 4) “Os grandes intelectos são céticos” (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844-1900); 5) “Ser cético não significa ser aquele que duvida, mas sim aquele que investiga e pesquisa, ao contrário daquele que afirma e que pensa que achou” (Miguel de Unamuno, filósofo e escritor espanhol, 1864-1936); 6) “É a crença, e não a descrença, que é perigosa para nossa sociedade” (George Bernard Shaw, dramaturgo e crítico irlandês, 1856-1950);
E do ponto de vista da modernidade; 7) “A ciência moderna realmente deve estimular em todos nós uma humildade perante a imensidão do inexplorado e a tolerância por hipóteses malucas”; 8) “Modern science should indeed arouse in all of us a humility before the immensity of the unexplored and a tolerance for crazy hypotheses” (Martin Gardner citado em “Psychology in today's world‎”, p. 354, de Stanley Milgram - Educational Associates (1975; 387 páginas); 9) “A maior das propriedades do homem é a mente intranquila” (Isaac Asimov, bioquímico, escritor e divulgador científico norte-americano, 1920-1992); 10) “A descoberta da verdade é impedida mais efetivamente não pela falsa aparência das coisas presentes que nos leva ao erro, e não diretamente pela fraqueza dos poderes do raciocínio, mas sim pela opinião pré-concebida, pelo preconceito” (Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, 1788–1860).
O lugar da alma no qual se dá o jogo das oposições entre fenômenos e nôumenos é, segundo Enesidemo, a memória. A uma representação presente, pode-se opor uma representação passada, ou até, a imaginação de uma coisa futura. É a razão pela qual na prática da dúvida cética, a alma não se encontra totalmente engajada. Mais tarde, veremos Descartes, convicto da unidade do espírito humano, experimentar a dúvida como uma angústia que interessa a totalidade das faculdades. Ao contrário, com Enesidemo ou Sexto Empírico, é feita uma separação entre a faculdade sensitiva e a faculdade de imaginar ou de conceber, embora a dúvida possa permanecer a expressão feliz e tranquila de uma imaginação e de um entendimento suspensos ou, se se preferir, dogmaticamente inativos.
Entretanto, para chegar a este silêncio do entendimento colocado na impossibilidade de se pronunciar sobre a natureza em si do objeto empírico, é preciso poder dispor de remédios apropriados e, sobretudo, cuidadosamente dosados a fim de não ocasionar, pela refutação de uma tese, a adesão do espírito a uma tese contrária. É a razão pela qual os céticos inventam, com Agripa, e praticam, com Sexto Empírico, uma nova lógica. Enquanto que, nas escolas gregas de filosofia, a lógica ou a dialética cumprem uma função defensiva contra os adversários do sistema, aqui a dialética é o instrumento de uma terapêutica destinada a dividir a alma em duas, ou seja, a impedir o entendimento de dogmatizar, concedendo plena confiança aos sentidos e à vida.
Os novos céticos imaginaram cinco argumentos. O primeiro é o da discordância. Ele consiste nem reconhecer a oposição entre as opiniões e as teses; assim; na frase: “A neve é branca, mas a água é escura” é impossível saber qual é essencialmente a cor da água, e convém suspender o juízo quanto a este ponto. O segundo argumento é o da regressão ao infinito. Ele consiste em considerar que a prova a que o dogmático quiser recorrer, remete a outra prova, e assim ao infinito; por exemplo: pretender dar uma definição absoluta de qualquer coisa expõe quem formula esta pretensão a uma regressão ao infinito, já que o que define requer que ele mesmo seja definido, e assim por diante. O terceiro argumento é o da relação. Ele consiste em constatar que não somente os objetos são relativos entre si, mas que toda representação é sempre uma representação para um sujeito e relativa a ele. Este argumento retoma o da relação tal como Enesidemo o expressara. Esquerda e direita, pai e filho são relativos. Significante e significado são relativos. Tudo é relativo, o que exclui a universalidade.
A própria fórmula: “tudo é relativo” deve ser entendida no sentido de “tudo nos aparece ou nos é representado conforme um fenômeno relativo”. Este argumento manifesta a herança filosófica de Protágoras. Ele estabelece um relativismo universal. Ele denuncia a pretensão do entendimento de se referir a uma certeza absoluta, ao conhecimento do real. O quarto argumento é o da hipótese. Quando os dogmáticos querem escapar do regresso ao infinito, eles colocam no início da cadeia de razões algo indemonstrável do qual convém admitir o caráter hipotético. Isto é o que fazem os geômetras que procedem por axiomas, definições e postulados. Mas o cético recusa-se a aceitar o que eles pedem e esquecer o caráter hipotético dos princípios nos quais a dedução se fundamenta. Assim, a geometria euclidiana ou a geometria estóica são denunciadas como sistemas hipotéticos: a outras hipóteses corresponderiam outras geometrias. O último argumento é o do dialelo ou círculo vicioso.
Quando a gente pretende fundamentar circularmente uma prova sobre uma consequência daquilo que a gente procura demonstrar, a gente cai num círculo vicioso. O silogismo aristotélico que pretende deduzir da maior universal “todo homem é animal” a conclusão que “Sócrates é animal” cai no círculo vicioso. Pois a proposição: “todo homem é animal” é na realidade, fundada na indução que inclui todos os homens conhecidos: Sócrates, Platão, Díon. Consequentemente, é a conclusão, “Sócrates é animal”, que serve para fundamentar a hipótese “todo homem é animal” de tal modo que a gente cai num círculo vicioso. Até estes últimos anos, alguns eruditos ficaram exasperados pela multiplicação dos argumentos que Sexto Empírico propôs, enquanto que um espirito tão fino como o de Henri Estienne encontrou neles um grande deleite. Com efeito, é preciso ver bem que este estoque de argumentos dialéticos reuniu uma farmacopeia extremamente diversificada, comportando analgésicos, calmantes e tranquilizantes da alma, objetos necessários para o cientismo da época, isto é, a pretensão dogmática de tudo conhecer.
 Ora, da mesma forma como observamos a propósito do pirronismo, quando, longe de derrubar toda ciência a dúvida é solidária de um estado dado da ciência, constatamos também em Sexto Empírico uma evolução particularmente significativa. Seu último tratado, Contra os astrólogos, não é dirigido contra a astronomia experimental, mas contra o charlatanismo dos Caldeus. Ele admite a utilidade e a legitimidade de uma astronomia experimental que permita regular os trabalhos da agricultura e prever as cheias dos rios. Vemo-lo discutir os problemas postos para a medida do tempo por meio de um relógio d’água e refletir sobre o ajuste das simultaneidades. Enfim, o empirismo resulta em pesquisas comparáveis aos futuros métodos indutivos de Stuart Mill e coloca a possibilidade de edificar uma ciência não dogmática, que seria experimental. Ainda que isso seja dito muito claramente pelos textos céticos, essa afirmação pode, entretanto, surpreender. Ela decorre do fato que em matéria de ceticismo o contra-senso parece ter conseguido mais força que a própria verdade histórica, mais exatamente, é o próprio contra-senso que é histórico a ponto de se impor contra a letra dos textos. Consequentemente, é a este aspecto tradicional do ceticismo que convém agora voltarmos nossa atenção.
Bibliografia Geral Consultada.
CAMPOS, Regina Salgado, Ceticismo e responsabilidade: Gide e Montaigne na obra crítica de Sérgio Milliet. São Paulo: Annablume, 1996; SPINELLI, Miguel, Helenização e Recriação de Sentidos. A Filosofia na época da expansão do Cristianismo - Séculos, II, III e IV. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2003; GINZBURG, Carlo e PONI, Carlo, “Il nome e il come: scambi ineguale e mercato storiografico”. In: Quaderni Storici, n˚ 40, 1979; RORTY, Richard, A Filosofia e o Espelho da Natureza. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994; GRAMSCI, Antonio, Quaderni del carcere, Il materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce, p. 210; Idem, Gli intellettuali e l`organizazione della cultura. Torino: Ed. Einaudi, 1975; PORCHAT PEREIRA, Oswaldo, “O Ceticismo Pirrônico e os Problemas Filosóficos”. Em: Cadernos História e Filosofia da Ciência. Campinas, v. 6, 1996; LESSA, Renato de Andrade, “Veneno Pirrônico: Ceticismo, Desconstrução Filosófica e Imagem do Mundo social”. In: Arché, v. 5, 1993; Idem, “That Deadly Pyrrhonic Poison: A tradição cética e o seu legado para uma teoria política moderna”. In: Antropolítica - Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, v. 1, 1995a; Idem, “Ceticismo e Liberalismo: Reflexões sobre uma possível afinidade eletiva”. In: Revista de Sociologia e Política, v. 3, 1995b; Idem, Veneno pirrônico: ensaios sobre o ceticismo. Tese de doutorado em Ciência Política. IUPERJ - Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1997; 239 páginas; Idem, “Revisitando Faoro: o longínquo pesadelo brasileiro”. In: Travessias. Rio de Janeiro, v. 2/3, 2006a; Idem, “David Hume em Auschwitz: notas sobre o trauma e a supressão das crenças ordinárias”. In: Revista Brasileira de Psicanálise, v. 39, 2006b; Idem, “La fabbrica delle credenze: lo scetticismo come filosofia del mondo umano”. In: IRIDE - Filosofia e Discussione Publica, v. 55, 2008; Idem, “Some Ways of scepticism: now and then”. In: IRIS - European Journal of Philosophy and Public Debate, v. 1, 2009; WEILLER, Maurice, “Para conhecer o pensamento de Montaigne”. In: Ensaios de Montaigne, UnB/Hucitec, Brasília, 2. ed. Vol. III, 1987, p. 3-135; EVA, Luiz Antonio Alves, A figura do filósofo: ceticismo e subjetividade em Montaigne. São Paulo: Edições Loyola, 2007 entre outros.