terça-feira, 15 de novembro de 2011

NOTA DE OPINIÃO: Tema complexo o da USP e a PM...


NOTA DE OPINIÃO
Tema complexo o da USP e a PM...

(por Miguel Barrientos, Doutorando em Ciência Política, USP)

A ocupação e posterior reintegração de posse da Reitoria da USP por um grupo de estudantes transformou-se em um dos acontecimentos mais importantes das últimas semanas no país. Autonomia universitária, segurança, Polícia Militar, estudantes e maconha como palavras-chave (?) neste conflito.

Foto: Rahel Patrasso

Tema complexo o da USP e a PM... Complexo, sobretudo, porque é muito difícil achar artigos que consigam mostrar o que se passou, sem grandes “desvios” na impossível, mas não por isso descartável, busca pela objetividade. A mídia hegemônica se posiciona, como esperado, em apoio à atual administração da Universidade e ao convênio USP-PM. Já muitos coletivos informativos estudantis glorificam o acionar dos estudantes, embora não seja uma visão unificada.
Enviesadas serão também minhas análises a seguir, contando um pouco sobre os fatos.
Infelizmente, os grandes meios colocam dois pontos como eixos centrais do conflito: a) o acontecido com os três estudantes pegos fumando maconha no estacionamento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e b) a ausência de regras no Campus Capital. Bem, a meu ver, estes pontos são, no mínimo, discutíveis porque o que está em discussão nunca foi isto.
Ninguém defende o uso de substâncias ilícitas ou de qualquer ato ilícito dentro ou fora da Universidade: não está na discussão em assembléias ou como reivindicação nos cartazes e boletins das agrupações estudantis. Concatenado ao anterior, também não está na pauta a liberação de sistemas de segurança dentro do Campus (de 7,5 km², arborizado e bastante escuro).

O que se passou após os três alunos serem pegos em flagrante é condenável, sim. Eles foram tirados das mãos da PM, escondidos no prédio administrativo da FFLCH. Houve briga com os policiais, deterioro da viatura presente no local... Depois, houve a “devolução” dos três alunos à PM para serem indiciados na Delegacia. Após isto, este prédio foi ocupado pelo movimento estudantil (ME) por várias horas. Aqui, o DCE decidiu deixar de apoiar o ME, que ficou liderado pelo Movimento Negação da Negação (MNN), pelo Partido da Causa Operária (PCO) e pela Liga Estratégia Revolucionária da Quarta Internacional (LER-QI). Em uma assembleia pouco transparente, eles decidiram tomar o prédio da Reitoria, e todo o que vocês já sabem. Estas ocupações não foram legítimas e não representam, de modo algum, o pensamento majoritário dentro da FFLCH, e muito menos dentro da USP.
Mas, bem mais condenável ainda, foi o acionar da PM. Foram utilizados 400 PM da Tropa de Choque, cavalaria, quatro helicópteros, 70 viaturas, além de caminhões, para reintegrar um prédio ocupado por 70 estudantes (outros estudantes foram levados à Delegacia por protestarem contra os excessos da PM no Conjunto Residencial da USP –CRUSP). Estudantes, estes 70, que continuaram na Reitoria, porque as autoridades tinham se comprometido, no dia anterior, a dialogar com eles em uma audiência de conciliação.
Repassemos: há vários anos, a PM está no Campus. Desde 2007, vem se intensificando sua presença, o que, a princípio, fere a autonomia da Universidade...
Mas, supondo que o espaço é enorme, muito arborizado, deficitário no relacionado à iluminação, todos podem concordar em que se faz indispensável a presença de elementos de segurança. Ainda mais, quando se sucedem tentativas (e casos) de estupros, assaltos, roubo de carros, etc. Para a atual administração da USP resultou mais fácil chamar a PM do que pensar em soluções de segurança mais profundas (maior iluminação no Campus, abertura às comunidades para utilização do espaço público – com a conseqüente entrada de pessoas e movimentação -, melhoramento da Guarda Universitária já existente – obsoleta, sem recursos humanos e financeiros para combater os delitos contra pessoa e propriedade -, etc.), de forma democrática, envolvendo à comunidade acadêmica (especialmente, procurando soluções que podem ser brindadas pelo pessoal dos estudos urbanísticos, por exemplo)...
Um ponto de quebra no acionar da PM foi após o assassinato de um estudante da Faculdade de Economia e Administração (FEA) no estacionamento do prédio, em uma tentativa de roubo do carro em maio (ver aqui). Observe-se que a presença da PM no Campus não impediu este nem outros delitos graves. A partir desse momento, a presença da PM se fez mais visível. Firmou-se um acordo entre a USP e a Secretaria de Segurança Pública, no qual se estabelecia um trabalho mais incisivo dos policiais no combate à insegurança no Campus.
O problema é que a PM no Campus não só decidiu intervir nestas situações, mas também em outras, e que, próprias estatísticas levantadas pela USP demonstram que seu acionar não foi seguido da diminuição no número de delitos (ver aqui). E, detestável, é o fato da PM perseguir alunos, indiciá-los sem justa causa, entrar em prédios sem autorização (invasão da Biblioteca e de um Centro Acadêmico sem mandado judicial), etc. É possível observar, então, que o episódio da maconha não foi o eixo central, mas o estopim do descontentamento com a presença “dessa” PM no Campus.
Interessante aqui é citar o discurso do Governador da São Paulo Geraldo Alckmin referente ao conflito: "Eu entendo que os estudantes precisam ter aula de democracia, precisam ter aula de respeito ao dinheiro público, respeito ao patrimônio público. Não é possível depredar instituições que foram construídas com dinheiro da população que paga impostos. Precisam ter aula de respeito à ordem judicial. É inadmissível isso, é lamentável que tenha que chegar ao ponto de a polícia ter que ir lá para fazer cumprir uma decisão judicial, mas ela já foi feita" (nota completa).

Por que são interessantes as palavras do Gov. Alckmin?
* Porque existem inúmeras discussões no movimento estudantil dentro da USP sobre a “democratização” da USP. Entre elas, já comentadas: iluminação apropriada, uma política de segurança preventiva e, sobretudo, a abertura do Campus à população[1].
* Porque o atual Reitor, João Grandino Rodas, carece de apoio majoritário dentro da USP. Foi condecorado como “persona non grata” pela Faculdade de Direito; teve papel lamentável na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos; está sendo investigado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por atos de corrupção... Todo isto, sem esquecer que ele foi eleito Reitor em condições patéticas (ele era a 2° preferência dentro da USP em 2009; de todo modo, o então Gov. José Serra decidiu empossá-lo).
* Porque o atual Reitor (com a vênia do Governo do Estado) impediu que a Linha 4-Amarela do Metrô chegasse ao interior do Campus. Sendo previstas duas estações dentro do mesmo, o Reitor categoricamente frustrou as expectativas da chegada do Metrô[2], alegando questões de segurança.
* Porque essa mesma cor política (PSDB), que governa o Estado desde 1994, não tem feito muito em questões de segurança. E ainda (?) estão por serem investigadas as implicações políticas do acontecido por volta dos ataques do PCC em 2006.

Para quem estiver interessado, diferentes apreciações sobre o momento da reintegração de posse do prédio da Reitoria da USP podem ser encontradas aqui e ali. Mais opiniões sobre o conflito em questão podem ser encontradas aqui, ali, acolá... Já outras opiniões diferentes (contrárias às minhas) podem ser encontradas aqui e ali.
A discussão está aberta, senhores...



[1] O Campus permanece fechado aos finais de semana. O ingresso só é permitido com carteirinha, ou como acompanhante de alguém com carteirinha. O Centro de Práticas Esportivas (CEPE-USP) não pode ser utilizado por visitantes.
[2] A distância até a Portaria mais próxima é de 1 km. Já a distância mínima até a FFLCH, por exemplo, é de 2,5 km.

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