sábado, 17 de dezembro de 2011

A “obesidade mental” da meritocracia no Brasil


                                  A “obesidade mental” da meritocracia no Brasil.

                                                                                               Ubiracy de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).


                               “O estandarte do sanatório geral vai passar...
(Chico Buarque e Francis Hime).
A palavra meritocracia provavelmente tenha aparecido pela primeira vez no livro de Michael Young, “Rise of the Meritocracy” (1958), um opúsculo de 180 páginas. Tudo isso se inverte nas economias da Terceira Onda, na expressão Alvin Toffler (1980), escritor e futurista norte-americano, conhecido pelos seus escritos sobre a “revolução digital”, a “revolução das comunicações” e a “singularidade tecnológica”, nas quais o conhecimento é a principal forma de capital. Ora, os testes de QI surgiram na China, e começaram realmente a ficar conhecidos e utilizados como uma fonte importante no século XX, na França. Young utilizou a palavra “mérito” num sentido pejorativo, mas mérito significa “habilidade, inteligência e esforço”, embora haja arbitrariedade nas suas formas de escolha racional.
A meritocracia está associada ao “Estado burocrático”, para lembramos de Max Weber (1958; 1965; 1967; 1982; 1992), sine ira et studio, sendo “a forma pela qual os funcionários estatais são selecionados para seus postos de acordo com sua capacidade em serem aprovados através de concursos públicos de provas e títulos”. Ou ainda - associação mais comum - aos exames de ingresso ou avaliação nas escolas e universidades, nos quais não há discriminação entre os alunos quanto ao conteúdo das perguntas ou temas propostos. Assim, meritocracia também indica “posições” ou “colocações” conseguidas por “mérito pessoal”. Um modelo de meritocracia é dado por um método “no qual o que é considerado como sendo verdade é justamente definido pelo mérito”.
Os principais argumentos da meritocracia são: a) é que ela proporciona maior justiça do que outros sistemas hierárquicos, uma vez que as distinções não se dão por sexo ou raça, nem por riqueza ou “posição social”, entre outros fatores biológicos ou culturais, nem mesmo em termos de “discriminação positiva”. Portanto, b) a meritocracia através da “competição entre os indivíduos”, estimula assim, o aumento da produtividade e eficiência. Governos e organismos meritocráticos aparentemente enfatizam “talento, educação formal e competência”, em lugar de diferenças existentes, tais como estratificação social, classe social, relações de parentesco, etnia, ou sexo.
            O primeiro grande sistema analisado por Weber (1958; 1982; 1992) é a milenar civilização chinesa. Ele revisa os pressupostos econômicos (1992) e político (1965; 1967) do mundo chinês, particularmente no ensaio, “Os Letrados Chineses” (1982), onde o papel do imperador e das províncias e, em especial, a função dos mandarins (burocratas), o que introduz um caráter ritualista e tradicional no confucionismo, voltado para o culto dos antepassados familiares e do imperador: o universo é entendido como “uma ordem eterna” - Tao - que “não pode ser contestada e ao qual o indivíduo se adapta”. O confucionismo (儒學) é um sistema filosófico chinês criado por Kung-Fu-Tzu (Confúcio).
Entre as preocupações do confucionismo estão a moral, a política, a pedagogia e a religião. Conhecida pelos chineses como “Junchaio” (ensinamentos dos sábios). Fundamentada nos ensinamentos de seu mestre, o confucionismo encontrou uma continuidade histórica única. Além de tradição religiosa, o confucionismo é considerado uma filosofia, ética social, ideologia política, tradição literária e um “modo de vida”. Confúcio, forma latina de Kung Fu Tsé, filósofo chinês do século VI a. C, compila e organiza antigas tradições da sabedoria chinesa e elabora uma doutrina assumida como oficial na China por mais de 25 séculos. Combatido como “reacionário” durante a Revolução Cultural chinesa (1966-1976), de Mao Tsé-tung e outros, no filme: 毛澤東 - 中国共产党 / “Mao Tsé-Tung - China Comunista”, o confucionismo “toma novo impulso após as recentes mudanças políticas no país”. Atualmente, com uma população superior a 1.300.000.000 habitantes, a República Popular da China situada na parte leste da Ásia tem 25% da população que se declaram adeptos do confucionismo.
Na China desenvolveu-se uma tendência mística chamada taoísmo, cujo fundador é Lao-Tsé, mas que foi tragada pela poderosa “força da magia”, razão pela qual a religião chinesa ficou imersa em um “jardim mágico”. Taoísmo ou daoismo refere-se a uma tradição filosófica e religiosa que tem influenciado os povos do leste da Ásia há mais de 2.500 anos. A palavra , “tao” (ou “dao”), dependendo do esquema de romanização, é frequentemente traduzido como “caminho” ou “o caminho”, mas com inumeráveis nuances na mitologia e filosofia chinesa. Desta forma, ela não desenvolveu um potencial de racionalização prática das condutas.
Desnecessário dizer que a ideia de formação, treinamento e educação na ocupação dos cargos nas estruturas burocráticas como a da formação do “homem culto”, educação para a vida, está amplamente desenvolvida no ensaio “Os Letrados Chineses” (1982). Nesse ensaio contido na obra póstuma organizada por Hans Gerth & Charles Wrigth Mills, intitulada Ensaios de Sociologia (1982), Max Weber apresenta-nos como a China organizou uma estrutura de formação e educação dos ocupantes de cargos em sua burocracia. Marianne Weber, nascida Marianne Schnitger, (1870-1954), foi esposa do sociólogo Max Weber e uma destacada feminista. Frau Weber era uma talentosa escritora independente que publicou uma autobiografia e vários livros sobre problemas femininos. Escreveu “Weber, uma biografia” nos anos seguintes à morte prematura do marido em 1920.
Uma das singularidades dessa formação está em seu caráter laico e literário. A relação da educação com a burocracia chinesa e o conjunto da sociedade aparece já no primeiro parágrafo, assim descrito pelo giant Max Weber:
Durante doze séculos, a posição social na China foi determinada mais pelas qualificações para a ocupação de cargos do que pela riqueza. Essa qualificação, por sua vez, era determinada pela educação, e especialmente pelos exames. A China fizera da educação literária a medida do prestigio social de modo o mais exclusivo, muito mais do que na Europa durante o período dos humanistas, ou na Alemanha” (Weber, 1982: 471).
Essa educação dos letrados, funcionários, dava-lhes “prestígio e carisma”, não porque possuíssem qualidades ditas “sobrenaturais”, mas por dominar os conhecimentos da escrita e da literatura, legitimados pelos exames que comprovavam se a mente do candidato estava embebida de literatura e se ele possuía ou não os modos de pensar (verstehen) adequados a um homem culto e resultante do conhecimento da literatura. Weber propunha a unificação das ciências humanas integrando a “verstehen” (compreensão) e a “erklären” (explicação) em uma visão unitária de ciência. Em 1913, Weber publicou um escrito intitulado “Sobre Algumas Categorias da Sociologia Compreensiva” (cf. Silveira, 2006), salvo engano, primeiro esboço de seu método sociológico. Ele continuou a trabalhar sua concepção de sociologia durante os próximos anos em escrito encomendado para uma ampla coleção de textos econômicos e que, por esta razão, recebeu o nome de “Economia y Sociedad” (cf. Weber, 1992; 1235 páginas).
Para ele, em seu prólogo, metodologicamente, do ponto de vista da formulação ideal-típica:
esta acrescentada univocidade se alcança em virtude da possibilidade de um optimum na adequação de sentido, tal como é perquirido na conceptualização sociológica. Por sua vez, esta adequação pode alcançar-se em sua forma mais plena - do que temos tratado, sobretudo até agora - mediante conceitos e regras racionais (racionais com ajustes aos fins). Não obstante, a sociologia busca também apreender mediante conceitos teóricos e adequados por seu sentido fenômenos irracionais (místicos, proféticos, pneumáticos, afetivos). Em todos os casos, racionais como irracionais, se distancia da realidade, servindo para o conhecimento desta na medida em que, mediante a indicação do grau de aproximação de um fenômeno histórico a um ou vários desses conceitos, ficam tais fenômenos ordenados conceitualmente” (Weber, 1992: 17, grifado no texto).
            Melhor dizendo, se quisermos neste aspecto evitarmos uma “leitura de segunda mão”, no prólogo à 4ª edição alemã, de acordo com Johannes Winckelmann,
o plano de sua contribuição destinada ao Grundriss der Sozialökonomik, seção terceira: ´Economía y Sociedad`, Max Weber só o publicou, depois de aparecido o manuscrito anterior, no resumo da ´divisão da obra conjunta`, que inicialmente se juntou na forma de suplemento aos distintos volumes que foram aparecendo a partir do ano de 1914. Como queria que o manuscrito da parte mais antiga no foi objeto de refundição alguma, não deve surpreender que seus distintos elementos coincidam com o plano original. Assim, pois, este manifesta o pensamento relativo à composição da obra. Na continuidade, o manuscrito mais recente amplia a primeira de todas as seções até uma teoria classificadora compreensiva das categorias que, não obstante, permaneceu incompleta. O próprio plano de Max Weber para seu Grundriss der verstehenden Sociologie,  que se dá mais adiante a título de ilustração e para permitir a comparação, é o que tem servido ao conteúdo da presente edição” (Prólogo...Cf. Weber, 1992: VIII).
Após analisar a religião chinesa, Weber passa ao exame das “religiões de salvação”, nas quais existe uma relação de tensão com o mundo: daí a necessidade de um texto intermediário que explique as diferenças entre o misticismo (predominante nas esferas sociais do mundo oriental) e o ascetismo (predominante nas esferas sociais do mundo ocidental). Ipso facto ele também examina as tensões entre a ordem religiosa (regida por normas) e as ordens sociais do mundo moderno (regidas por uma racionalidade formal) e que, portanto, possuem sua “legalidade própria”. As esferas analisadas por Weber são a economia, o que é “economicamente determinado” a política, o que é representado pelo “poder e pelo partido político”, a arte através da “individualização das referências”, o erotismo e a ciência.
Vale lembrar que Max Weber e Friedrich Nietzsche foram influenciados por Wilhelm Richard Wagner (1813-1883) que foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão, primeiramente conhecido por suas óperas ou “dramas musicais”, como ele posteriormente chamou. As composições de Wagner, particularmente essas do fim do período, são notáveis por suas texturas complexas, harmonias ricas e orquestração, e o elaborado uso de leitmotiv: temas musicais associados com caráter individual, lugares, ideias ou outros elementos. O compositor influenciou significativamente também a literatura e a filosofia. Friedrich Nietzsche faz parte do seu círculo de contatos durante a década de 1870, e seu primeiro trabalho publicado Die Philosophie im Zeitalter der Griechen, propôs a música wagneriana como o renascimento intuição e intoxicação na cultura europeia em oposição à decadência do racionalismo, usando como referência Dioniso e Apolo. No século XX, W. H. Auden considerou Wagner como talvez um dos maiores gênios, enquanto Thomas Mann e Marcel Proust receberam grande influência, e discutiam o autor em suas novelas. Entretanto, nem toda reação a Wagner foi positiva. Por um tempo, a música da Alemanha foi divida entre os admiradores de Wagner e os de Johannes Brahms; este, com o auxílio do crítico Eduard Hanslick, adotava formas tradicionais e liderava um movimento conservador, contra as inovações de Wagner.
Como “fenômeno social”, na falta de melhor expressão, o poder é, portanto, uma relação social entre os homens, devendo acrescentar-se que se trata de uma relação triádica. Para definir certo poder, não basta especificar a pessoa ou o grupo que o detém e a pessoa ou o grupo que a ele está sujeito: ocorre determinar também a esfera de atividade à qual o poder se refere ou a “esfera do Poder”. A mesma pessoa ou o mesmo grupo pode ser submetido a vários tipos de poder relacionados com diversos campos. O poder do médico diz respeito à saúde; o do professor, à aprendizagem do saber; o empregador influencia o comportamento dos empregados, sobretudo na esfera econômica e na atividade profissional; e um superior militar, em tempo de guerra, dá ordens que comportam o uso da violência e a probabilidade de matar ou morrer.
No âmbito de uma “comunidade política”, como se dá o funcionamento da  estrutura da universidade, o “poder de A” (que pode ser, por exemplo, um órgão público ou um determinado grupo de pressão) pode dizer respeito à política urbanística; “o poder de B”, à política exterior em relação a certa área geográfica; o “poder de C” dirá respeito, enfim, à política educacional, e assim por diante. A esfera do Poder pode ser mais ou menos ampla e delimitada mais ou menos claramente. O poder que se funda sobre uma competência especial fica confinado ao âmbito dessa competência. Mas o poder político e o poder paterno abrangem, normalmente, uma esfera social muito ampla. Por sua vez, a esfera de poder de uma pessoa que ocupa um cargo numa organização formal (como é o caso do presidente ou do tesoureiro de uma associação) é definido de modo preciso e taxativo, enquanto que a esfera de poder de um chefe carismático não é precisada por antecipação e tende a ser ilimitada.
O “sistema de castas” vigente na Índia demonstra que também se trata de uma religião - chamada de hinduísmo - com fortes elementos tradicionais. As castas criam uma ordem hierárquica, no topo da qual estão os sacerdotes brâmanes, seguidos pelos guerreiros, depois os comerciantes e agricultores e, por fim, os demais trabalhadores. O intercâmbio entre os grupos sociais não é permitido e a única forma de evoluir na escala social é “a roda das encarnações”. O caráter sagrado das castas indianas foi rompido pela pregação de Buda. O Budismo conservou a ideia de reencarnação, mas ela se torna completamente individual e voltada para a dissolução do Eu. Tal crença difundiu-se por todo Oriente e constitui a grande matriz dos sistemas religiosos orientais, que possuem um componente acentuadamente místico.
O Clone, mutatis mutandis, é uma telenovela brasileira produzida pela Rede Globo. Escrita por Glória Perez, com direção-geral de Jayme Monjardim, Mário Márcio Bandarra e Marcos Schechtman, direção de Teresa Lampreia e Marcelo Travesso e direção de núcleo de Monjardim, foi a 61ª “novela das oito”, exibida pela emissora. O Clone teve seu primeiro capítulo exibido em 1 de outubro de 2001, substituindo Porto dos Milagres, e encerrando-se em 15 de junho de 2002, com um total de 221 capítulos, sendo substituída por Esperança. Teve 250 capítulos na versão internacional. A personagem vivida por Giovanna Antonelly fez sucesso e abusou das mudanças de visual durante a trama. Em momentos mais recatados, Jade ficava quase completamente coberta, em outros, aparecia deslumbrante em trajes árabes típicos.
Isto é o que marca a diferença na apropriação do patrimônio histórico reverenciado pela memória da universidade quando se trata como já disse alhures, do “batismo burocrático do saber” (cf. o filme With Honors, EUA, 1994. Direção de Alek Keshishian, 101 min.). Mal comparando, as estruturas de poder, pode-se afirmar sem temor a erro que a universidade pública (o ager publicus) no Brasil funciona como a sociedade de castas indiana, pois, como demonstra Louis Dumont em Homo Hierarchicus (Paris: Gallimard, 1966), a classificação de pessoas em hierarquias no sistema de castas da Índia provém do sistema de crenças religiosas, onde a mobilidade e a ascensão sociais eram proibidas e, ninguém por mais talentoso que fosse, poderia mover-se do lugar, o que em parte explica na história recente do país a chamada “evasão de cérebros” daquela sociedade para a norte-americana, no caso da física quântica, para ficarmos nesse exemplo. Entre nós é nessa acepção de Louis Dumont “como funciona no sistema de honra da Cabília” (“the sentiment of honour in Kabile society”) onde o valor de cada pessoa deriva-se de per-sonare, uma voz que “soa através” de uma máscara pública, é medido como padrão através de um detalhado código que permeia as relações familiares, as relações com a comunidade e as relações com o mundo exterior do poder.
Tese: Esse raciocínio se aplica às esferas simbólicas da universidade pública seja a nível local, regional ou nacional entre nós, no Brasil, e particularmente na região Nordeste, porque constituída em grande medida de controles ilusórios: polêmica, polícia, ascese, formalismo, zoologia; ou sobre um efeito de pathos: as “mutações culturais”; de encenação de corpus: biografias, fluxos, itinerários, trajetórias; ou ainda, de ilusão romanesca: descrição em -grafia, -logia, -nomia, embora faça parte deste corpus sobremaneira, as figuras de contestação da cultura: “legitimidade e relativismo cultural”. Toda a discussão acerca da contribuição de uma nova pesquisa ou de uma nova Escola de Pensamento impõe essas questões - para falar a verdade, sem jamais aceitar colocá-las simplesmente, literalmente, o que seria esquecer as “jogadas pessoais ou disciplinares”, pois para Foucault:
Antítese: “o silêncio, ou melhor, a prudência com que as teorias unitárias cercam a genealogia dos saberes seria talvez uma razão para continuar. Poderíamos multiplicar os fragmentos genealógicos. Mas seria otimista, tratando-se de uma batalha dos saberes contra os efeitos de poder do discurso científico - tomar o silêncio do adversário como a prova de que lhe metemos medo. O silêncio do adversário - este é um princípio metodológico, um princípio tático que se deve sempre ter em mente - talvez seja também o sinal de que nós de modo algum lhe metemos medo. Em todo caso, deveríamos agir como se não lhe metêssemos medo. Trata-se, portanto não de dar um fundamento teórico contínuo e sólido a todas as genealogias dispersas, nem de impor uma espécie de coroamento teórico que as unificaria, mas de precisar ou evidenciar o problema que está em jogo nesta oposição, nesta luta, nesta insurreição dos saberes contra a instituição e os efeitos de poder e de saber do discurso científico” (cf. Foucault, 1971; 1973; 1979; 1984:173-74, grifos meus).  
De outra parte, o anti-establishment serve para designar um indivíduo, grupo ou ideia que se coloca contra as instituições oficiais, sejam elas políticas, econômicas ou sociais, da forma vigente da sociedade contemporânea. O prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia Social em Harvard, publicou em 2001 o seu polêmico livro “Mental Obesity”, que aparentemente revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna: “a nossa sociedade está mais sobrecarregada de preconceitos do que de proteínas; e mais intoxicada de lugares-comuns do que de hidratos de carbono”. A analogia é perfeita para refletirmos criticamente sobre a universidade brasileira destes dias.
Síntese: As pessoas se viciaram em estereótipos, em juízos apressados, em ensinamentos tacanhos e em condenações precipitadas. Lembra-nos a vaga ideia de generalistas, pois “todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada”. Assim, “os ‘cozinheiros’ desta magna ´fast food` intelectual são os jornalistas, os articulistas, os editorialistas, os romancistas, os falsos filósofos, os autores de telenovelas e mais uma infinidade de outros chamados ‘profissionais da informação’”, pois, “os telejornais e telenovelas estão se transformando nos hamburgers do espírito. As revistas de variedades e os livros de venda fácil são os ´donuts` da imaginação. Os filmes se transformaram na pizza da sensatez”. Daí a analogia no presente artigo: “O problema central está na família e na escola”.

                                      Disponível em: http://tudo-em-cima.blogspot.com/2009/08/rir-e-o-melhor-remedio-festival-de.html
Embora o sufixo “cracia” sugira um sistema de governo, há um sentido mais amplo. Em organizações, pode ser uma forma de recompensa por esforços e reconhecimento, geralmente associado à escolha de posições ou atribuição de funções. Entretanto a palavra “meritocracia” é agora frequentemente usada para descrever um tipo de sociedade onde riqueza, renda, e classe social são designadas por competição, assumindo-se que os vencedores, de fato, merecem tais vantagens em função de seus méritos. Consequentemente, a palavra adquiriu uma conotação de “darwinismo social”, e é usada para descrever sociedades agressivamente competitivas, com grandes diferenças de renda e riqueza, contrastadas com sociedades ditas “igualitárias”.
Em uma democracia representativa, onde o poder está, teoricamente, nas mãos dos representantes eleitos, elementos meritocráticos incluem o uso de consultorias especializadas para ajudar na formulação de políticas, e um serviço civil, meritocrático, para implementá-los. O problema perene na defesa da meritocracia é definir, exatamente, o que cada um entende por “mérito”. Além disso, um sistema que se diga meritocrático e não o seja na prática será um mero discurso para mascarar privilégios e justificar indicações a cargos públicos.
Na música “Vai passar” de Chico Buarque e Francis Hime, vejamos essas “tenebrosas transações”:
“Vai passar/Nessa avenida um samba popular/ Cada paralelepípedo/ Da velha cidade/ Essa noite vai/ Se arrepiar/Ao lembrar/Que aqui passaram sambas imortais/Que aqui sangraram pelos nossos pés/Que aqui sambaram nossos ancestrais/Num tempo/Página infeliz da nossa história/Passagem desbotada na memória/Das nossas novas gerações/ Dormia/A nossa pátria mãe tão distraída/Sem perceber que era subtraída/Em tenebrosas transações/Seus filhos/Erravam cegos pelo continente/Levavam pedras feito penitentes/ Erguendo estranhas catedrais/E um dia, afinal/Tinham direito a uma alegria fugaz/Uma ofegante epidemia/Que se chamava carnaval/O carnaval, o carnaval/(Vai passar)/Palmas pra ala dos barões famintos/O bloco dos napoleões retintos/E os pigmeus do bulevar/ Meu Deus, vem olhar/Vem ver de perto uma cidade a cantar/A evolução da liberdade/ Até o dia clarear/Ai, que vida boa, olerê/Ai, que vida boa, olará/O estandarte do sanatório geral vai passar/Ai, que vida boa, olerê/Ai, que vida boa, olará/O estandarte do sanatório geral/Vai passar”.
                            
Cf. artigo: “O jeitinho brasileiro precisa ter fim antes que o Brasil acabe primeiro”. Disponível em: http://www.pergunteaourso.com.br/14.12.2011. Foto da Av. Amaral Peixoto, Niterói, Rio de Janeiro.
Um dos maiores escritores de todos os tempos, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839. Poeta, romancista, novelista, contista, cronista, dramaturgo, ensaísta e crítico, fundou a Academia Brasileira de Letras e foi seu primeiro presidente. Não se sabe ao certo, se frequentou escolas formalmente. Antes de ser jornalista e cronista, “foi caixeiro de livraria, tipografia e revisor”. Em 1855, publicou a poesia “A palmeira”, no jornal Marmota Fluminense, artesanalmente editado numa livraria que havia se transformado em ponto de encontro de escritores da época. Entre suas obras mais conhecidas estão os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), onde,
o verdadeiro tema é a nossa mortalidade, o que não constitui assunto para descaso e gracejo, pois o tema enseja uma perspectiva, ao mesmo tempo, distanciada e hilária. O gênio da ironia propiciou-nos poucos exemplos à altura do escritor afro-brasileiro (…), a meu ver, o maior literato negro surgido até o presente” (Bloom, 2003: 687).
Machado de Assis como letrado percebeu um mundo em “agonia”, sendo “uma voz inquietante que fala baixo, mas provoca sempre”. No conto Teoria do Medalhão,  propugna uma análise do comportamento de alguns membros da sociedade. Descreve-os de maneira extremamente clara, precisa, com um humor recatado, ironizando-os usando como background uma conversa aparentemente inocente como a de um pai com um filho. Ora, a tese freudiana de que “se os pais soubessem educar os filhos, os filhos não precisariam de pais” ao que parece se repete. Esse conto, um dos mais deliciosos libelos do escritor contra a mediocridade intelectual e política, é satírico por excelência, lembrando a ironia filosófica dos relatos curtos de Voltaire.
Praticamente sem ação, seu núcleo temático gira em torno de uma exposição de ideias cínicas, através do diálogo entre pai & filho. Teoria do Medalhão desenvolve com muita ironia as mesmas questões levantadas pelo conto O Espelho. O narrador cede seu espaço à reprodução das falas das duas únicas personagens: pai & filho. O tom terrivelmente irônico da fala do pai revela, obviamente, “a denúncia feita pelo Autor por trás do conto em relação a uma sociedade burguesa medíocre e arrogante, que prega o sucesso a qualquer preço, mesmo à custa do empobrecimento da vida interior e das relações sociais e políticas”. A atualidade é medonha se for analisado o discurso paternalista de Tasso Jereissati (PSDB-CE) no e para o Senado brasileiro, ou mesmo o discurso bonachão do governador Cid Gomes (PSB-CE) enumerando obras “faraônicas” de seu governo como se fosse um Petrus Ramus.
A Teoria do medalhão é um dos contos que mostra Machado de Assis como um crítico afiado da sociedade brasileira no que ela tem de mais profundo: a mediocridade condecorada, a troca de favores como motor básico das relações sociais, a hipocrisia, tudo aquilo que perduraria para além da troca de regime. O conto é uma lição a todo homem que almeja ter prestígio, ser reconhecido pela sociedade e que elimina qualquer expressão da subjetividade em nome da absorção ao senso comum, “uma reflexão sem juízo”, na definição hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, à opinião da maioria, no sentido político do termo. Os “papéis sociais” para fazermos referência a Talcott Parsons (1949), que diz respeito à codificação do conhecimento concreto existente e a facilitação da seleção de problemas e do controle das distorções de observação e interpretação, fomentadas pela departamentalização da educação e investigação (pesquisa) nas Ciências Sociais.
No conto machadiano, pertencem, num primeiro momento, a um grupo restrito: pai & filho. As personagens não possuem nomes e são, portanto, caracterizadas somente pela posição que ocupam no grupo familiar. Num segundo momento, no decorrer da narrativa, há a construção de um terceiro papel social, este pertencente a um grupo mais amplo: o Medalhão. Daí a atualidade sempre marcante de Machado de Assis na sociedade brasileira, quando precipita como um balão de ensaio na estufa, a mediocridade condecorada na velha política destes nossos dias intramuros na universidade.
Para Lívia Barbosa (1999; 2000; 2001), a meritocracia e a avaliação do desempenho sempre foram questões polêmicas para a administração especificamente no Brasil. Até porque,
não existe aqui uma ideologia meritocrática fortemente estabelecida na sociedade, mas sim sistemas e discursos meritocráticos. Entre nós existe, do ponto de vista do sistema cultural, a ideia de que cobrar resultados e ainda por cima mensurá-los, é uma atitude profundamente autoritária. Avaliar serviço, público então, é muito mais complicado. Existe nas representações coletivas brasileiras uma relação grande entre competição, cobrança de resultados e desempenho como procedimentos e processos autoritários, e não como processos funcionais ou de hierarquizar pessoas no interior de um todo para fins específicos. Além disso, existe uma identificação entre processos democráticos com meritocráticos. Nem todos os processos democráticos são meritocráticos e nem todos os processos meritocráticos podem e/ou devem ser democráticos”.
No Brasil as pessoas se veem diminuídas na sua dignidade quando são cobradas e/ou avaliadas. Uma das consequências disto é que a responsabilidade pelos resultados de cada um é sempre neutralizada ou desculpada a partir do contexto em que cada um de nós atuou. O objetivo é minorar pela justificação de desempenho, qualquer mácula ao sentimento de dignidade pessoal. Consequentemente muito pouca responsabilidade individual é atribuída a cada um de nós, do ponto de vista institucional. A sociedade brasileira, culturalmente, rejeita a avaliação. Ela é vista como algo negativo, como uma ruptura de um universo amigável, homogêneo e saudável, no qual a competição, vista como um mecanismo social profundamente negativo encontra-se ausente. Tendo em vista que,
 “na universidade não há premiação para o bom professor em nenhum aspecto, mas aqueles que fazem pesquisa, orientam alunos, fazem porque querem fazer, não porque a universidade lhes gratifica em nada disto. A cooperação é vista como algo positivo, mas como é esta cooperação? Ela é positiva desde o momento que quem quer fazer faça, e se eu não quiser fazer não faço, mas entre no bolo da divisão dos resultados. Nada no Brasil pode implicar em cobrança e em hierarquia, porque estes são fatores associados com autoritarismo, por isto é muito difícil administrar do ponto de vista público. Eu acho o Brasil um fenômeno em termos de administração pública, pois com toda essa estrutura lógica de organização do universo do trabalho, de como deve ser uma gestão pública, do que significa o público versus o privado, as coisas andam em muitas áreas de forma eficiente, baseado principalmente na disposição das pessoas e não do sistema e/ou das instituições para se fazer. Eficiência, eficácia, competição, resultados são categorias e discursos que se aplicam à empresa privada e não à esfera pública”.
No sentido contemporâneo a primeira universidade brasileira foi criada no Rio de Janeiro, em 1920, pelo então presidente da República, Epitácio Pessoa. Fundou-a para perpetuar, dentro da nova entidade, “os usos e costumes dos cursos isolados que viriam a lhe dar origem”. Porque, na verdade, o governo juntou “vários cacos”, na expressão de Leonardo Boff, melhor dizendo, institutos isolados, numa soma mecânica e não integrativa, e sobre todo o conjunto colocou uma Reitoria, como órgão de comando. A universidade poderia ser pública (federal, estadual ou municipal) ou livre (particular), deveria incluir três dos seguintes cursos Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras que seriam ligadas, por meio de uma reitoria, por vínculos administrativos, mantendo a autonomia jurídica. - “Lei da equivalência”, equiparou os cursos médios técnicos aos acadêmicos, possibilitando aos alunos, os mesmos direitos de prestarem vestibular para qualquer curso universitário, um privilégio, que antes, era exclusivo dos portadores de diplomas dos cursos médios acadêmicos. - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - LDB (1961) reforçou o modelo tradicional de instituições de ensino superior vigente no país.
Um processo da chamada “modernização sistêmica”, contudo, só tem lugar no início da década dos anos 1990, quando, então, os empresários e o governo brasileiros voltam sua atenção para a educação, em todos seus níveis. Em sua historicidade a universidade passou por quatro momentos: até 1950, a universidade era praticamente inexistente ou incipiente, na próxima década, cresceu em todos os sentidos: número de instituições, de alunos, de professores, mas durante os anos 1970, a universidade assumiu o papel de instituição de pesquisa, principalmente as universidades públicas, professores passaram a ter carreira acadêmica, pós-graduação, salários melhores que no período anterior, foram construídos prédios, surgiram laboratórios e bibliotecas.
De 1980 em diante iniciou-se o processo de degradação nas universidades brasileiras: cursos reduzidos, energia dos professores canalizada para obter recursos e evitar as perdas salariais, através de greves ininterruptas, que nem sempre levaram ao resultado desejado com a implantação do PCCV - Plano de Cargos, Carreira e Valorização. O princípio ético-político é que a universidade deve estar comprometida com a qualidade de ensino e de formação intelectual de seus alunos, com a produção científica, artística, estética, filosófica e de base tecnológica e com o atendimento às necessidades, aos anseios e às expectativas da sociedade global, em sua “complexidade humana”, de acordo com E. Morin, formando profissionais “policompetentes”, desenvolvendo soluções para problemas locais, regionais e nacionais.


Bibliografia geral consultada:
WEBER, Max, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. New York: Charles Scribner’s Sons, 1958, Idem, Essais sur la theorie de la science. Paris: Librarie Plon, 1965; Idem, El politico y el científico. Madrid: Alianza, 1967; Idem, Ensaios de Sociologia (Org. por Hans Gerth & Charles Wrigth Mills). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982; Idem, Economia y Sociedad. Esbozo de sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992; SILVEIRA, Daniel Barile, “Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e dogmática jurídicas”. In: Rev. Sociol. Polit. no. 27, Curitiba, nov. 2006; AGUIAR, Pinto de, Abertura dos Portos no Brasil (Cairu e os ingleses). Salvador: Progresso, 1960; YOUNG, Michael, The rise of the meritocracy, 1870-2033: An essay on education and inequality. London: Thames & Hudson, 1958, 180 páginas; ASSIS, Machado de, Obras Completas. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959, 3 volumes; Idem, Contos; seleção de Deomira Stefani, texto integral. 6ª edição. São Paulo: Ática, 1977; Idem, Crônicas Escolhidas. São Paulo: Ática, 1994; Idem, Memórias Póstumas de Brás Cubas. 22ª edição. São Paulo: Ática, 1997; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1979; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984; BLOOM, Harold, Gênio - Os 100 autores mais criativos da história da literatura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003; BOSI, Alfredo, Machado de Assis: o enigma do olhar. 4ª edição. São Paulo: VMF/Martins Fontes, 2007; PARSONS, Talcott, The structure of social action. 2ª edição. Glencoe: The Free Press, 1949; DAMATTA, Roberto, Ensaios de Antropologia Estrutural. Petrópolis (RJ): Vozes, 1973; Idem, Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990; Idem, “Roberto Cardoso de Oliveira”. In: Diário do Nordeste, Fortaleza, Ce, 26 de julho de 2006; BARBOSA, Livia, O Jeitinho Brasileiro e a Arte de ser Mais Legal que os Outros. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992; Idem, Igualdade e Meritocracia. A ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; Idem, O Brasil não é para Principiantes. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000; Idem, GRAZIELA, Laura e DRUMMOND, Luiz Augusto, Cultura e Empresas. Coleção Passo-a-Passo. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar, 2002, entre outros. 

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