quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O que Georg Simmel nos diria se fosse à Praia do Futuro?


Wellington Maciel
Professor doutor em Sociologia 

CIDADE


É fácil encontrar a querela judicial que há anos envolve a Praia do Futuro, em Fortaleza, reduzida unicamente aos embates técnicos para definir o que é praia, terreno de marinha, berma e seus congêneres.


Sugiro deslocar o problema para o modo como seus principais espaços do lazer praiano (as barracas de praia) têm ressignificado o sentido jurídico de praia (bem público de uso comum do povo), consagrado na Constituição de 1988 e em leis específicas (Lei de Gerenciamento Costeiro, de 1989). Para isso valho-me de referências à “sociologia formal” do sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1919).


Simmel já havia observado, ao tratar da temática da sociabilidade, o modelo típico, segundo ele, de interação entre indivíduos organizados numa dada sociedade que aqueles imprimem certas “formas” (daí sua “sociologia formal”) às “matérias” ou “conteúdos” (tudo que existe nos indivíduos e nos lugares concretos) encontrados na sociedade. Essas matérias ou conteúdos só assumem a condição de fatores de “sociação” quando transformam a mera agregação isolada dos indivíduos em determinadas formas de estar com o outro e de ser para o outro.


Não é possível deixar de assinalar que, para fortalezenses e visitantes, a forma impressa pela “barraca de praia” à matéria “praia” assuma tamanha relevância quando se trata de desvendar os significados que esse espaço possui para uns e outros. Segundo sua sociologia formal, as forças e os interesses que deram origem a essas formas passam a condensar novos sentidos uma vez que se libertam do serviço à vida que os havia gerado e aos quais estavam originalmente presos.


Essas novas formas tornam-se autônomas no sentido de que não se podem mais separar do objeto que formaram exclusivamente para seu próprio funcionamento. A autonomização dos complexos de barracas parece caminhar nessa direção. Esses espaços de lazer, ao produzirem novos significados de praia (na entrada da CrocoBeach consta: “Esta é sua praia”), embora se apresentem independentemente de seu emaranhado com a vida prática, constroem com esta uma “dinâmica da vida”. Isso é o que Georg Simmel nos diria se visitasse a Praia do Futuro e nos alertaria dos riscos que essa autonomia das formas pode significar para a vida em sociedade.


A Praia do Futuro pode nos ensinar, assim, que a construção de uma noção de bem público insere-se na maneira como é constituída uma linguagem pública adequada a um bem público.

Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/01/30/noticiasjornalopiniao,2775441/o-que-georg-simmel-nos-diria-se-fosse-a-praia-do-futuro.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela sua observação ;)