domingo, 4 de março de 2012

Artigo: “O dia em que Fortaleza parou.”



Tamara Vieira da Silva,
Graduanda do sexto semestre de Ciências Sociais da UFC.


Do que realmente se trata os acontecimentos que vivemos e assistimos na última terça-feira (03/01)? O que, de fato, merecia destaque nesse dia? Os arrastões? A maneira violenta e sem escrúpulos que muitos assaltantes tiveram ao abordar de forma generalizada bairros, ruas e avenidas? Também. Todos esses incidentes citados merecem nosso olhar crítico, mas não podemos nos limitar a estes. De forma que toda essa movimentação não se fez isoladamente em nossa cidade, na verdade, ela sempre existiu só não de forma tão “estampada” e tão envolvente com a camada social de um modo geral; o que claramente não exclui o fato de que o clima de tensão que vivemos nesse dia faz parte do cotidiano de muitos moradores de nossas cidades, muitos outros que passam despercebidos de nós moradores de bairros nobres ou de classe média da cidade, de nós que de certa forma estamos mais protegidos que moradores de favelas e áreas periféricas, abandonados de qualquer assistência ou segurança legal. Aliás, não são só eles que estão “abandonados.”
  É incrível o poder que nós, povo, temos nas mãos e nem sequer nos damos conta disso. Muitos setores não só da nossa cidade, mas do nosso Estado pararam suas atividades nos últimos meses exigindo melhores condições de trabalho, melhor remuneração, diminuição da carga horária. Setores como a educação, é um exemplo, que durante muito tempo lutou pelas suas exigências batendo de frente com os interesses do governo do Estado e da Prefeitura. Diante das opções jornalísticas sensacionalistas que nos são apresentadas não foi difícil assistirmos a violência que envolveu essa luta. É vergonhoso o modo como os trabalhadores são tratados e como estes são irrelevantes como seres humanos diante de interesses políticos financeiros ou até mesmo de interesses particulares. Nós acompanhamos a luta dos professores nos deparando com agressões físicas a estes trabalhadores de forma bárbara, mais dolorosa ainda para qualquer trabalhador que convive com as mesmas dificuldades e sabe do que precisa viver pra poder levar uma vida legalmente digna. A que estamos nos submetendo para trabalhar? Para exigir nossos direitos? Para exercemos uma função que é nossa por mérito, por conquista, por estudo, por batalha diária?! É, percebemos que precisamos de muito em troca do básico, em troca do mínimo que qualquer trabalhador precise. No entanto isso acontece, essa inversão de valores, porque quem está com o poder não é o povo, é alguém que elegemos e confiamos a responsabilidade de nos representar. E quando isso não acontece o povo tem sim o direito de se mobilizar e exigir que seus interesses sejam atendidos e foi isso que também fizeram policiais civis, agentes da AMC e do SAMUR, agentes dos Correios e policiais militares; todas essas categorias já foram julgadas e expostas de forma errônea. Por acaso é mal visto aquele que recebe um mau atendimento e reclama? Aquele que compra um produto danificado e pede outro concertado em troca? Ou até mesmo aquele que se recusa a comprar em determinado local por ter sofrido um mau atendimento? Todas as pessoas vítimas de um mau tratamento merecem uma atenção maior em compensação, merecem e tem direito a condições básicas de uma vida saudavelmente feliz, de uma vida de qualidade.
Na última terça-feira Fortaleza viveu um caos de insegurança pública por todos os lados, não só mais em bairros isolados como somos habituados a ver todos os dias; e isso levou a um olhar geral para as causas dessa violência desenfreada. E paralelamente a tudo isso estavam os policiais civis que entraram em greve por *três dias e deixaram livre as oportunidades de violência pública se instalar, o que de fato aconteceu. No entanto, o pronunciamento desses trabalhadores deixa claro quais os seus objetivos com essa paralisação e que certamente não seria instalar esse caos, mas sim alcançar objetivos comuns a muitas classes trabalhadoras. Algumas vezes pude assistir a depoimentos de representantes da greve em que eles reforçavam a população a intenção desse movimento, pedindo a compreensão geral diante do meio de mobilização popular, já sabendo da deturpação que há por trás da mídia, manipulando e enfatizando as conseqüências da greve, sem levar em consideração outras questões que as envolvem.
O sentimento que vivi nesse dia 3 me fez perceber o quanto somos dependentes do poder de coerção do Estado, o quanto nós estamos despreparados e inseguros diante de uma minoria da população que a cada dia só cresce e se articula cada vez mais. A violência gerada pela desigualdade social só comprova o quanto existem pessoas com tanto e outros com nada, o quanto existem pessoas que se isolam ou por riqueza ou por pobreza. Pude sentir, mediocremente, nesse dia o medo de moradores de favelas dominadas pelo tráfico, pela imposição de poder e pela insegurança; tentei imaginar como seria para um jovem como eu acordar sem saber o que lhe esperava na esquina de casa, sem saber como estaria sua casa quando voltasse ou como ficaria sua família se saísse de casa ou se ousasse viver além do que lhe era imposto através da violência. E essas respostas eu jamais terei se não viver o que vivem milhares de jovens, idosos e crianças nessa cidade, todos os dias, com greves trabalhistas ou não, em datas comemorativas ou não; independente do dia 03 de janeiro de 2012 muitas pessoas são violentadas e a verdade é que para estas dificilmente apenas uma negociação com representantes do governador solucionará parte dos seus problemas. 


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