terça-feira, 13 de março de 2012

Quando o “caos” em Fortaleza se torna #CaosEmFortaleza



Quando o “caos” em Fortaleza se torna #CaosEmFortaleza


João Miguel Diógenes de Araújo Lima



Os eventos recentes que se sucederam à greve dos policiais e bombeiros militares no estado do Ceará acionaram sensações diversas, essencialmente aquelas relacionadas a uma desestabilização, à insegurança e a tensão. A experiência de vivenciar a urbe tornou-se especialmente arriscada por conta dos relatos em circulação. Micronarrativas de medo[1], alegações que tanto podiam ser verídicas quanto inventadas, foram disseminadas pela comunicação oral e, especialmente, por vias de comunicação online. Este breve artigo procura discutir o fluxo de relatos nas redes sociais virtuais, notadamente no Twitter, onde o assunto foi identificado pela marcação #CaosEmFortaleza. Essas falas ‘criaram’ acontecimentos de contornos imprecisos, com interferências sobrepostas do online e do off-line.

A greve, anunciada dias antes da virada do ano, pôs em risco o sucesso da transformação do aterro da Praia de Iracema num palco-espetáculo para o resto do país. A situação de ‘estado de emergência’ e a chegada da Força Nacional de Segurança foram medidas do governador Cid Gomes para evitar a sensação de caos na cidade. Todavia, o pânico não foi contido; alastrou-se pela cidade e tornou o dia 3 de janeiro numa espécie de “dia em que Fortaleza parou”.

Twitter e a hashtag #CaosEmFortaleza

Com o advento e a popularização da Internet, os últimos 20 anos foram marcados pela ascensão de páginas e programas de criação de redes de contatos e de comunicação virtual, passando por IRC, ICQ, fóruns e MSN Messenger, até a chegada de Orkut e Facebook. A página Twitter, criada em 2006 pelo estadunidense Jack Dorsey, é um serviço online de rede social e microblogging. Este termo remete à ideia de um serviço de blog em pequena escala. A proposta do Twitter é de que cada fala se resuma a 140 caracteres, o que limita a quantidade informação num “tweet” – como é chamada a unidade da publicação no Twitter. Ao mesmo tempo, cada “tuiteiro”, como é chamado no Brasil aquele que tem um perfil no Twitter, pode visualizar o fluxo de seus tweets junto aos tweets dos outros perfis que escolheu acompanhar na “timeline” (a ‘linha do tempo’).

O Twitter monitora as palavras e as expressões mais veiculadas num certo período de tempo, em alguns locais do mundo. Esses são os chamados “Trending Topics”, que se referem aos tópicos em voga, que são tendência, e que atualmente registram os tópicos de cidades de 31 países – entre eles, o Brasil. A forma mais eficaz de criação de um tópico no Twitter é a “hashtag”, que é a criação de uma só palavra com o símbolo ‘#’ no começo. Tweets de diversas pessoas podem ser marcados com uma mesma hashtag, de modo que estão interligados por meio dessa “etiqueta”. Cada hashtag é uma etiqueta independente de hiperlink, que se destaca no texto com uma cor diferenciada. O que isso quer dizer? Ao clicar numa hashtag, abre-se uma nova página em que se pode ler tudo o que escrito e marcado com aquela hashtag comum.

Foi o que aconteceu em Fortaleza durante a greve dos policiais militares e dos bombeiros. Moradores da cidade passaram a se expressar no Twitter se utilizando de uma mesma hashtag: #CaosEmFortaleza.

A possibilidade de hiperlink das hashtags tem sido utilizada para promover fluxos de comunicação partilhada sobre eventos, protestos, novelas, declarações de fãs, assim como outros acontecimentos. O Twitter tornou-se notório por ter sido a fonte primária de conhecimento sobre mortes de celebridades mundiais, tais como a de Michael Jackson[2], em 2009, e a de Amy Winehouse em 2011 (RECUERO, 2011), ambos cantores.

O Twitter foi utilizado também como meio de comunicação nos protestos que varreram os países do norte da África e do Oriente Médio em 2011. Aproximou tunisianos na hashtag #Sidibouzid, em referência ao feirante Sidi Bouzid, que se matou queimado como forma de protesto, dando fôlego às demandas da população, divulgou datas de atos, como o #Jan25 (25 de janeiro) no Egito, o #Feb14 (14 de fevereiro) no Bahrein e o #Feb17 (17 de fevereiro) na Líbia, para citar alguns.

Em Fortaleza, na noite de 2 de janeiro a hashtag #CaosEmFortaleza já se fazia visível na timeline de um tuiteiro conectado a outros tuiteiros da cidade. As mensagens apresentavam um tom essencialmente jocoso, ironizando as denúncias de saques, de grupos de vândalos no bairro Barra do Ceará e dos assaltos como parte de uma histeria coletiva.

Nesse mesmo dia, durante a tarde, uma imagem de homens com armas em duas motocicletas havia sido divulgada como sendo em Fortaleza para logo em seguida ser revelada como falsa. A imagem era de fato de um momento de choque com traficantes no Rio de Janeiro, em 2011, e havia sido manipulada propositadamente para ser identificada como uma prova do “caos” na cidade.

Thallis Cantizani, usuário da página de hospedagem de vídeos Youtube, publicou na noite do dia 2 de janeiro um vídeo gravado com um amigo durante um passeio de carro pelo bairro Barra do Ceará. Os dois, enquanto gravavam a movimentação numa avenida do bairro, ironizaram com as denúncias de que o bairro havia sido tomado por traficantes.

Em situações de extrema tensão social, como a vivenciada na cidade, a distinção entre fato e versão dificilmente é mantida. Já no dia 2 de janeiro, a proliferação de denúncias havia criado um “mapa de rumores de instabilidade” de Fortaleza, mesmo que algumas dessas denúncias tivessem sido reveladas como falsas.

No dia 3 de janeiro, os telejornais e os programas policiais se dedicaram em tentar localizar e registrar em imagens as denúncias divulgadas no serviço de rede social virtual Facebook e no Twitter. Como escreve a jornalista e pesquisadora Raquel Recuero (2011), o Twitter, junto a outros serviços online, corrobora com a perda de um lugar de fala privilegiada sobre os acontecimentos. Argumenta que seriam, portanto, parte dos novos modelos jornalísticos, “onde a audiência passa a fazer parte do processo como construtores, relatores e debatedores de notícia” (RECUERO, 2011, p. 2).

No dia 3 de janeiro, a hashtag #CaosEmFortaleza alcançou o seu auge. Pela manhã, durante uma hora, a cada minuto eram publicados 450 tweets diferentes. Logo a hashtag #CaosEmFortaleza fez sua aparição na lista de Trending Topics Brasil, alcançou o primeiro lugar nacional. Permaneceu assim por algumas dezenas de minutos, até que caiu posições, mas continuou nos Trending Topics nacionais até o final da tarde desse dia.

Para que se possa visualizar a amplitude com que foi utilizada a hashtag #CaosEmFortaleza, segue abaixo um gráfico elaborado no site Trendistic. Em Monday (segunda-feira), dia 2, apresenta um pico do nascedouro da expressão. O pico mais alto, em Tuesday (terça-feira), dia 3, indica o auge do uso da etiqueta, até diminuir ao longo do dia, quando as discussões sobre uma possibilidade de acordo foram noticiadas.




Reverberação e credibilidade

Os tweets que se identificavam com a hashtag #CaosEmFortaleza expressam desde piadas com aparições de discos voadores e dinossauros, a denúncias de roubos e arrastões em lugares específicos, passando também por comentários sobre o medo e o pânico de sair à rua e revolta contra o silêncio do governador.

Entre os tweets de denúncia, gostaria de destacar dois publicados por figuras públicas. A jornalista e apresentadora Maisa Vasconcelos, que mantém a conta @maisanablogo, disse ter vivido assaltos e tiroteio na rua Frei Mansueto, no bairro Varjota. A escritora Socorro Acioli, que mantém a conta @AcioliSocorro, disse ter visto da janela de seu prédio “bandidos [param] carros com pedradas” na Via Expressa. Os dois depoimentos usam verbos que denotam experiência – viver e ver –, e aliado ao fato de serem figuras públicas na sociedade fortalezense, de visibilidade em outros contextos sociais da vida off-line, atraem para suas falas um contorno de credibilidade.

As falas no Twitter, principalmente aquelas marcadas com a hashtag #CaosEmFortaleza, foram disseminadas amplamente e lograram êxito em reverberar a ideia do “caos”. No entanto, muitos tweets mostraram-se com informações e imagens falsas, com o objetivo de fazer a situação parecer mais violenta. Expôs-se, desse modo, a frágil credibilidade do anonimato online. Uma vez que fotos podem ser facilmente manipuladas nos tempos atuais, tornam-se provas pouco credíveis. No dia 3 de janeiro, canais de televisão procuraram transmitir imagens em vídeo para que pudessem exibir momentos do cotidiano modificado da cidade, tais como as ruas vazias do Centro e a movimentação de homens com estacas na mão[3] em vários bairros.

Critérios off-line de reputação e credibilidade mostraram-se importantes durante o dia 3 de janeiro. Se por um lado o Twitter foi um espaço de especulações, piadas, rumores, críticas e ponderações, servindo de meio comum de interação, atuou como um grande espaço comunicativo, de feições democráticas. Todos puderam se expressar da maneira que queriam, com diversos objetivos – fossem eles informar, ironizar ou polemizar. A televisão, as páginas virtuais de jornais e os perfis de jornalistas no Twitter, por outro lado, buscaram atender o compromisso ‘com a notícia’. Obtiveram mais êxito em veicular informações consideradas ‘factuais’. Segundo Recuero (2011, p. 5), valores “como credibilidade, confiabilidade e reputação são essenciais ao jornalismo e são formas de capital social construídas pela ação dos jornais e dos jornalistas”.

Algumas considerações

Se a comunicação de Cid Gomes enquanto governador foi inexistente ao longo do movimento grevista, mantendo-se resguardado, a população fortalezense tinha na troca de relatos a possibilidade de avaliar pragmaticamente sobre os riscos de sair nas ruas. Por meio dos relatos, foi também possível mapear simbolicamente a cidade, procurando evidenciar os locais interditos, que haviam sido palco de assaltos e arrastões. A região da cidade mais afetada por esses relatos foi definitivamente o Centro, onde se alega que ocorreram arrastões, e o pânico generalizado fez donos de lojas fecharem suas portas ainda na manhã do dia 3 de janeiro. O Centro, ao meio-dia, normalmente movimentado num dia de terça-feira, estava praticamente vazio e fechado.

Assim como em outras partes do mundo, o Twitter se mostrou um espaço comunicativo de grande potencialidade de reverberação de informação. Assim como nos países árabes, em que as vozes dos moradores foram registradas e disseminadas, os moradores de Fortaleza conseguiram expor de maneira online a tensão que pairou, off-line, durante alguns dias na cidade, entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012.

Independente do caráter verídico dos tweets e do que seria ou não ‘factual’, o que se mostra importante é a existência de uma ferramenta com potencialidades comunicacionais, em que pessoas possam registrar suas vozes. A possibilidade de reverberação de comentários expressando reações no Twitter abre portas para a compreensão sociológica de fenômenos sociais na internet, entre os mundos sociais online e off-line, a partir do fluxo de ideias nas redes sociais virtuais.

Referências

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2 ed. São Paulo: Editora 34/EdUSP, 2003.
RECUERO, Raquel. “Deu no Twitter, alguém confirma?” – Funções do jornalismo na era das redes sociais. In: Anais do 9º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. Disponível em:
http://www.pontomidia.com.br/raquel/arquivos/sbpjorrecuero.pdf


[1] Aqui jogo com a ideia das narrativas de medo, das quais a antropóloga Teresa Caldeira fez uso em “Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo” (2003), um de seus trabalhos mais notórios.
[2] Como anunciou o jornal inglês The Guardian, em 26 de junho de 2009. A matéria pode ser acessada pelo link: http://www.guardian.co.uk/technology/blog/2009/jun/26/michael-jackson-twitter-trends-video
[3] Alguns relatos falam desses homens como realizadores de arrastões e de assaltos, mas também há registros orais de pessoas que andaram com estacas na mão com o objetivo de defesa pessoal.




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