Ubiracy
de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF),
Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto a Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Ceará (UECE).
As
transformações da representação social
sobre a morte passam despercebidas por serem muito lentas seguidas por longos
períodos de estabilidade. O tempo que as separa equivale a várias gerações e
ultrapassa a capacidade da memória individual e coletiva. Para traçar um
panorama dessas mudanças desde a Idade Média, Phillippe Ariès (2003) se baseou metodologicamente
em textos literários, inscrições em túmulos, obras de arte e até diários
pessoais. Segundo o historiador, havia no início da Idade Média uma
familiaridade com a morte, que era um acontecimento público. Ao pressenti-la, o
moribundo se recolhia ao seu quarto, acompanhado por parentes, amigos e
vizinhos. O doente cumpria um ritual: “pedia perdão por suas culpas, legava
seus bens e esperava a morte chegar”. Não havia um caráter dramático ou gestos
de emoção excessivos. O corpo era enterrado nos pátios das igrejas - que também
eram palco de festas populares e feiras. Mortos e vivos coexistiam no mesmo
espaço.
A partir de 1231
foram proibidos jogos, danças e feiras nos cemitérios: começava a soar incômoda
a proximidade entre mortos e vivos. As sepulturas, anônimas até o século XII,
passaram a ser identificadas por inscrições, efígies e retratos: era importante
preservar a identidade mesmo após a morte. A arte funerária evoluiu muito do
século XIV ao XVIII. A partir do século XVIII, para Ariès, a morte tomou um
sentido dramático. Passou a ser encarada “como uma transgressão que roubava o
homem de seu cotidiano e sua família”. Inaugurava-se o “culto aos cemitérios”:
o luto era exagerado: o personagem principal era então “a família, e não mais o
morto”. Não se temia mais a própria morte, mas a do outro, antropologicamente falando. A partir da segunda metade do
século XIX, a morte se transformou em tabu:
“os parentes do moribundo passaram a tentar poupá-lo, esconder a gravidade do
seu estado”.
“Harold
& Maude” (“Ensina-me a viver”, 1971), é um filme estadunidense classificado
erroneamente no gênero: “comédia”, dirigido por Hal Ashby. Filho da contracultura
dos anos 1960, Hal Ashby não está entre os mais conhecidos da “Nova Hollywood”,
movimento que ajudou a construir. O roteiro, publicado como novela em 1971, é
de Colin Higgins que incorporou à história muitos elementos de mau humor,
existencialismo e drama. A história foi encenada algumas vezes na Broadway e
foi adaptada para a TV francesa por Jean-Claude Carrière em 1978. O filme foi
classificado em 45º lugar pelo American
Film Institute na lista das “cem melhores comédias de todos os tempos”. Foi
selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em
1997. Apesar de não fazer sucesso no lançamento e dividir a crítica da época,
com o tempo o filme viria a se tornar bastante cultuado.
Harold Chasen é um jovem obcecado com a morte.
Constantemente prepara falsos suicídios, assiste enterros e dirige um carro
funerário. Nas cerimônias que assiste, ele acaba chamando a atenção de Maude,
uma mulher de 79 anos de idade e que possui o mesmo gosto por enterros que
Harold. Maude se torna uma companhia constante do rapaz que se apaixona por ela
e pelo seu modo de vida entusiasmado e despreocupado. A mãe de Harold tenta
arrumar namoradas para ele. O tio quer que ele se aliste no exército. Harold apaixonado
“pensa apenas em se casar com Maude”. É um drama social e político constitutivo
de nossos dias, passados 40 anos. A igreja é contra a sociedade. Para tal
instituição ter filhos é a maior alegria e benção que um casal pode receber de
Deus. Na Bíblia Sagrada toda vez que Deus deseja abençoar um casal, Ele o
presenteia com um filho. As famílias estéreis eram consideradas amaldiçoadas.
“Vede,
os filhos são um dom de Deus: é uma recompensa o fruto das entranhas. Tais como
as flechas nas mãos do guerreiro, assim são os filhos gerados na juventude.
Feliz o homem que assim encheu sua aljava: não será confundido quando defender
a sua causa contra seus inimigos à porta da cidade” (cf. Salmo 126, 3-5).
Do ponto de vista
ideológico, se entendemos que a ideologia é a relação imaginária dos indivíduos
com as suas condições reais de existência, nos esquecemos de que Deus nos deu
uma missão, desde o princípio quando disse: “Crescei-vos e multiplicai-vos” (Gn. 1, 28). Isso não significa que nós
devemos colocar “milhões de filhos” no mundo sem a responsabilidade de
educá-los e criá-los. Devemos ser generosos no número de filhos dentro de uma
paternidade responsável. Entre nós, no Brasil, a paternidade na adolescência é
um tema ainda pouco abordado pela Academia, de Norte a Sul do país. No que se
refere à literatura estrangeira sobre o tema através do descritor básico adolescent fatheres, a base de dados PsyLit da American Psyhological Association (APA) ainda não são
significativos os artigos e livros que tratam do chamado “pai adolescente”, mas
que não trataremos agora.
Para o que nos
interessa temos como escopo a questão da “diversidade”, fora do senso comum
gay, como já tratamos noutro lugar (cf. Braga, 2004). Note bem: Harold em sua
narrativa conta a Maude como ele já “morrera algumas vezes”. Ele descreve um “acidente
que sofrera na escola”, quando misturava elementos químicos no laboratório.
Houve uma explosão, incêndio e desabamento, mas Harold conseguiu escapar com
vida e voltar para casa. Enquanto estava em seu quarto, viu quando dois
policiais contaram a sua mãe sobre o incêndio e que ele havia morrido. A mulher
desmaia e cai nos braços dos policiais. Nessa parte, Harold chora e entre
lágrimas diz que “decidiu que estava melhor morto” (“I decided then I enjoyed
being dead”). A história se repete: a mãe de Harold tenta arrumar namoradas
para ele e seu tio quer que ele se aliste no exército. Mas Harold pensa apenas
em se casar com Maude.
Durante
o filme, Harold aparece “morto” cerca de oito vezes, embora ele tenha contado
ao psiquiatra (não explicita se freudiano, lacaniano etc.) que simulara sua
morte por volta de 15 vezes: “Enforcado” na cena de abertura: Harold se pendura
numa corda enquanto sua mãe fala ao telefone. Ela o repreende e continua a
conversação. “Degolado”: Sua mãe o encontra com a garganta cortada no banheiro,
com sangue espalhado por toda a parede e espelhos. Ela se irrita e o manda para
o psiquiatra. “Afogado na piscina”: Harold flutua com o rosto virado para a
água, vestido, e não se move enquanto sua mãe passa nadando por ele. A câmera o
mostra por baixo e não se notam aparelhos para respiração. “Tiro na cabeça”:
Enquanto sua mãe preenche um questionário para um serviço de encontros
(respondendo de acordo com suas próprias preferências e não as do rapaz),
Harold aponta um revólver para ela. Como a mãe não o nota, ele vira a arma
contra a própria cabeça e atira. Sua mãe apenas diz “Harold! Por favor!” e
continua a responder o questionário.
Etnograficamente:
“Fogo”: Durante o primeiro encontro, Harold coloca fogo em si mesmo, “enquanto
a garota o vê aterrorizada pela janela”. Mão cortada: A segunda garota fica
assustada quando Harold pega uma machadinha e corta o que seria sua própria
mão, obviamente falsa. Sua mãe tenta mandá-lo para o Exército. Seppuku: Quando conhece a terceira
garota, Harold pega um punhal cerimonial e “simula um suicídio ritual samurai”.
Harakiri é um dos mais intrigantes e
fascinantes aspectos do código de honra do samurai: consiste na obrigação ou
dever do samurai de suicidar-se em determinadas situações, ou quando julga ter
perdido a sua honra. Significa literalmente “corte estomacal”. Esse suicídio
ritual também é chamado de seppuku,
que “é uma forma mais elegante de se dizer a mesma coisa”.
A
garota, que era atriz, percebe a encenação e recita uma linha de Romeu &
Julieta, interpretando um suicídio com o punhal e sujando Harold com o sangue
da mão dela, que cortara para testar a mola da falsa arma. Enquanto ela está
caída e Harold olha para ela sujo de sangue, sua mãe entra na sala e declara
indignada: “Harold! Essa foi a última garota!”. Carro: Abalado com a morte de
Maude, Harold dirige seu carro até um precipício em alta velocidade. O carro se
destroça com a queda, mas Harold não estava mais nele. O filme mostra um
relacionamento de um jovem com uma mulher com 79 anos. Uma relação nada
convencional. Eles começaram a notar a presença do outro num enterro. Mas
começam mesmo a dialogar num velório. Embora pareça locais fúnebres para dai
nascer um grande amor. Cada um deles tem o seu motivo para frequentarem esses
rituais.
Desnecessário
dizer que foi só a partir dos anos 1930 que a medicina mudou a representação
social sobre a morte: já não se morre em casa, entre parentes, mas no hospital,
sozinho. O filósofo Michel Foucault no livro Histoire de la folie à l’âge classique (1972) procura examinar o
novo tipo de configuração que caracteriza a medicina moderna e suas conexões
com o surgimento de novas formas de conhecimento e novas práticas
institucionais. Parte de um “projeto”, em nosso modo de entender no sentido sartriano,
amplo e ambicioso de crítica histórico-filosófica às estruturas políticas e
epistemológicas que presidem ao modelo de racionalidade dominante no mundo contemporâneo.
Descobre, assim, ao nível da medicina, uma démarche
importantíssima para “dar conta”, na falta de melhor expressão, da constituição
das ciências humanas e sociais e da instauração do tipo de poder característico
das sociedades capitalistas. Os avanços da ciência permitem prolongar a vida ou
abreviá-la. Pacientes podem ser condenados a meses ou anos de vida vegetativa,
ligados a tubos e aparelhos.
A
inquietude a respeito da morte foi sempre objeto de grande reflexão do homem,
na incerteza do que haveria para além dela. Esta herança milenar sofreu um rude
golpe com a “modernidade e a cultura de fronteira” (cf. Braga, 1996). A
sociedade ocidental coetânea, cada vez mais tentada a prolongar a vida, vai se distanciando
da morte, não pensando nela, e procura esquecê-la, in partibus infidelium como ocorre com a escritora Anne Rice autora
de: “Entrevista
com o vampiro”. Em seus livros ela invariavelmente apresenta seus vampiros como
indivíduos com suas paixões, teorias, sentimentos, defeitos e qualidades como
os seres humanos mas com a diferença de lutarem pela sua sobrevivência através
do sangue de suas vítimas e sua própria existência, que para alguns deles, é um
fardo a ser carregado através das décadas, séculos e até milênios.
Contudo,
com o acentuar do laicismo, afirma-se cada vez mais que “após a morte nada há
mais”, o que modifica o comportamento humano e incentiva cada vez mais a viver
a vida, a gozar os prazeres dos sentidos corporais. Não tenho competência para
tratar tal tema, mas sem deixar de admirar aqueles que, como dizia o bravo
filósofo comunista Karl Marx, no Prefácio da Edição Francesa, escrita em
18 de março de 1872 no exílio em Londres
em1872: “Não há entrada já aberta para a ciência e só aqueles que não temem a
fadiga de galgar suas escarpas abruptas
é que têm a chance de chegar a seus cimos luminosos”. A postura do homem perante a morte nem sempre
foi assim, muito em especial na Idade Média (cf. Àries, 2003). Com o advento da
religião cristã, ao princípio influenciado pelo neoplatonismo de Santo
Agostinho (1988; 1999; 2005), o “mundo sensível” era apenas considerado uma
sombra, um caminho para se passar do “sensível ao inteligível, da sombra para a
luz” (cf. Platão, 1977).
Em
vez de procurarem na Natureza o seu próprio fundamento, afirmavam “que o mundo
foi criado num ato de amor, e que esse amor deveria orientar os espíritos de
volta para Deus, salvando-os do Inferno”. O chamado “paradoxo de consequências não
intencionais”, atribuído a Weber pelo sociólogo americano Ch. Wright Mills, é a
marca principal do filme. Afinal, a abordagem da vida e da morte é feita de uma
maneira distinta e não diferente, “apresentando comicamente o drama psicológico
através do relacionamento entre gerações normalmente conflitantes”. O resultado
é um legítimo “cult movie” cinematográfico, completamente atemporal. Maude é
uma senhora que possui toda a bagagem de vida nas costas. Além disso, ela tem
uma disposição para certas façanhas na vida. O seu principal objetivo agora é
preocupar-se em estabelecer uma forte relação com o jovem Harold - de apenas 20
anos - e, resgatá-lo para a vida.
Foto: O
enlace amoroso do beijo entre um rapaz de 20 anos e uma mulher aos 79 anos.
O
centro da trama está neste relacionamento entre gerações tão distantes e com os
papéis aparentemente trocados. Vemos a amizade dos dois crescer à medida que se
encontram, mesmo sendo contrastantes há uma troca de lições, aos poucos a
amizade vai sendo transformada em amor. Talvez este seja o elemento polêmico.
Não é aceitável em nossa sociedade este tipo específico de relacionamento,
muito menos em um filme. Sempre o esperado é um casal jovem, bonito e “normal”.
Há cenas que com certeza chocaram a sociedade da época, mesmo estando em um
momento revolucionário do ponto de vista do afeto político.
É
durante um dos encontros que Harold revela o motivo de sua predileção, ele
conta sobre uma explosão do laboratório de química em seu colégio, mas do qual
conseguiu escapar. Mais tarde, já em casa, ele vê o momento em que policiais
contam à Sra. Chansen sobre a morte do seu filho, Harold vê sua mãe desmaiar
nos braços dos policiais e desse momento em diante decide que prefere estar
morto. Temos aí uma cena muito bonita e profunda, capaz de aproximar o
telespectador e colocá-lo em contato com as angústias do jovem, quem sabe até
começar a compreendê-lo. Outro aspecto interessante é a excentricidade dos
encontros, e o contraste entre a alegria do momento e o ambiente em que ambos
se encontram. Ao aprender a ver a vida com outros olhos o protagonista percebe
ter encontrado a sua noiva. Decidindo então se casar com Maude. A ideia logo é
rejeitada por todos, e preconceituosos, que munidos de argumentos freudianos tentam
dissuadi-lo de tamanha loucura, é claro, sem sucesso. A história encontra um
caminho interessante “quando Maude afirma ser 80 anos a idade perfeita para
deixar a vida” (cf. Freud, 1972). Preconceituosos,
que para Arendt, admite a seguinte explicação:
“a palavra ´juízo` tem dois significados que se devem distinguir com
clareza, mas que se confundem sempre que falamos. Juízo significa,
primeiramente, organização e subsunção do individual e particular ao geral e universal, procedendo-se então a
uma avaliação ordenada com a aplicação de parâmetros pelos quais se identifica
o concreto e de acordo com decisões. Por trás de todos esses juízos há um
prejulgamento, um preconceito. Somente o caso individual é julgado, não o
próprio parâmetro ou a questão de ele ser ou não uma medida adequada do objeto
que está sendo medido. Num dado momento, emitiu-se um juízo sobre o parâmetro,
mas agora esse juízo foi adotado, tornando-se, por assim dizer, um meio para se
emitirem futuros juízos. Mas juízo pode significar algo totalmente diferente e
sempre significa de fato quando nos confrontamos com algo que nunca vimos e
para o que não temos nenhum parâmetro à disposição. Esse juízo que não conhece
parâmetro só pode recorrer à evidência do que está sendo julgado, e seu único
pré-requisito é a faculdade de julgar, o que tem muito mais a ver com a
capacidade de discernir do que com a capacidade de organizar e subordinar. Tais
juízos sem parâmetros nos são bastante familiares quando se trata de questões
de estética e gosto, que, como observou Kant, não se podem ´discutir`, mas de
que se pode, seguramente, discordar e concordar. Na nossa vida cotidiana isso
se verifica sempre que dizemos, em face de uma situação desconhecida, que
fulano ou beltrano fez um juízo correto ou equivocado” (Arendt, 2009:
154-155).
Felizmente
o filme foi um fracasso de bilheteria, ipso
facto obteve ótima crítica analítica e a polêmica gerada não barrou o poder
influenciador do trabalho do diretor Hal Ashby (cf. Braga, 2012). A trilha
sonora é assinada por Cat Stevens e possui alguns toques de música clássica. Stephen
Demetre Georgiou (Londres, 21 de Julho de 1948), anteriormente conhecido pelo
nome artístico de Cat Stevens e agora chamado Yusuf Islam é um cantor e
compositor britânico. Seu pai é de origem greco-cipriota e sua mãe de origem
sueca. Vendeu 40 milhões de álbuns, principalmente entre as décadas de 1960 e
1970. Em 1971, escreveu uma música para o filme Harold and Maude. No filme o
que fica dele é a riqueza trazida pela excentricidade, seja dos personagens ou
simplesmente da trama em si. Ensina-me a viver é cativante e atemporal, algo
capaz de fazer-nos ampliar os horizontes e modo como enxergamos nosso
cotidiano.
A
“Academia de Artes e Ciências Cinematográficas”, em inglês: Academy of Motion Picture Arts and Sciences
- AMPAS, ou simplesmente, Academy,
“é uma organização profissional honorária dedicada ao desenvolvimento da arte e
ciência do cinema”, cujo conjunto dos indivíduos vive sob as mesmas normas e
relações entre eles. Foi fundada em 11 de maio de 1927, na Califórnia, Estados
Unidos da América. É composta por mais de seis mil membros. Naturalmente a
maior parte de seus membros é norte-americana, mas a “filiação é aberta a
cineastas qualificados de todo o mundo”. No ano de 2004 a Academia possuía em
seu quadro cineastas de 36 países. É conhecida no mundo pelo seu prêmio anual,
Academy Awards, conhecido informalmente como Óscar. Há também o prêmio para
estudantes universitários, o Student Academy Awards, que “premia cineastas
graduandos e pós-graduandos”. O atual presidente da Academia é Sid Ganis.
O
termo Kulturindustrie foi cunhado
pelo filósofo e sociólogo alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer
(1895-1973), a fim de designar a situação da arte na sociedade capitalista
industrial. Membros da Escola de Frankfurt, os dois filósofos alemães
empregaram o termo pela primeira vez no capítulo “O iluminismo como
mistificação das massas” no ensaio: Dialética
do Esclarecimento, escrita em 1942, mas publicada somente em 1947. Para
ambos “a autonomia e poder crítico das obras artísticas derivariam de sua
oposição à sociedade”. E, sobretudo o fato de que o valor contestatório dessas
obras poderia não mais ser possível, já que provou “ser facilmente assimilável
pelo mundo comercial”. Adorno e Horkheimer afirmavam que a “máquina
capitalista” de reprodução e distribuição da cultura estaria apagando aos
poucos tanto a “arte erudita” quanto a “arte popular”. Isso estaria acontecendo
porque o valor crítico dessas duas formas artísticas é neutralizado por não
permitir a participação intelectual dos seus espectadores. A arte seria tratada
simplesmente como objeto de mercadoria, estando sujeita as leis de oferta e
procura do mercado enquanto tal.
A
mãe de Harold é uma personagem irreal e incrivelmente divertida na maneira de
lidar com as sucessivas aparentes mortes do filho. A cena de abertura é
hilariante, quando ela entra na sala e, com uma indiferença perturbadora,
ignora o filho que jazia suspenso no ar, enforcado, fazendo o seu telefonema
sem alterar a postura. Ela já conhecia a arte do filho. Ignorá-lo era a atitude
mais frequente da mãe que, contudo, não declinava à sua apetência de se
imiscuir na vida dele. Primeiro, chega à conclusão de que Harold necessitava de
auxílio psiquiatra; depois entende que estava na altura de modificar certos
comportamentos (arranjar uma noiva através de uma empresa especializada nesse
tipo de eventos; substituir o automóvel; procurar a ajuda do tio, sargento do
exército, para encaminhá-lo na vida militar...). Indo ao psiquiatra, Harold
deita-se no divã como um morto no seu caixão, a ouvir as palavras
inconsequentes do especialista. As candidatas a noiva foram sucessivamente
“eliminadas” depois de assistirem às exibições macabras de Harold para conquistá-las
(a primeira assiste, histérica, à incineração de Harold; a segunda testemunha a
amputação de uma mão com um cutelo; a terceira é espectadora de um haraquiri).
O
Jaguar desportivo que a mãe lhe ofereceu para substituir o carro fúnebre,
rapidamente se converteu num desportivo Jaguar lúgubre. A solução da carreira
militar ficou comprometida após a encenação com a cúmplice, Maude, de uma peça
em que ele demonstrava perante o tio todo o seu desejo entusiasta de combater
para poder dar largas à sua veia de carrasco inquisitorial. O tio assustou-se
com tanta dedicação. Mas, falta falar de Maude... Maude é uma velha senhora de
79 anos que, ao contrário de Harold, nutria uma paixão sem limites pela vida.
Para Maude, o ciclo da vida para se completar necessitava dessa derradeira
etapa que era a morte. Uma vida vivida na sua plenitude não podia temer esse último
repouso. Para ela, a morte era encarada com a alegria natural de quem já gozou
o máximo. É esta alegria que ela vai transmitir a Harold, o desejo de viver, de
ganhar asas e aproveitar a curta passagem por este mundo. Estas duas
excêntricas personagens vão acabar por cimentar uma forte amizade e
enamoramento. Maude ensina a Harold a ver a vida através dos seus olhos
apaixonados e ele acaba por descobrir que a amava: à vida e a Maude!
Descobre
que encontrara a noiva que tanto procurara e decide enfrentar os comentários
inflamados da mãe, do tio militar, do padre e do psiquiatra que, com as suas
teorias Freudianas, tentava explicar as razões de tamanha aberração. No dia em
que completava 80 anos, Maude decide concretizar o que um dia se propusera: a
vida tem beleza enquanto há energia para desfrutá-la; 80 anos era uma bonita
idade para completar em glória esta aventura. Tomou comprimidos suficientes
para não voltar a acordar e partiu. Harold guia o carro descontrolado em direção
a um precipício. Um carro num mergulho mortal cai com estrondo pelas encostas
escarpadas... Tudo
é muito bonito neste filme: a suavidade e a ironia esperta com que o tema é
tratado. O charme de um filme “retrô”, com um figurino lindíssimo que acompanha
o tema e a personalidade dos personagens. As cores em Maude e na sua casa; e a
figura longilínea de Harold, vestido de preto contrastando com paredes brancas
são deveras imagens muito marcantes. E um detalhe muito bonito é que Harold,
enquanto muda atitude diante da vida, vai clareando as cores de sua roupa. E o
clima em volta dele também. De chuva a sol.
Enfim,
no teatro o espetáculo, estrelado por Glória Menezes e Arlindo Lopes (2011) nos
papéis principais, conta a história de Harold, jovem de quase vinte anos
obcecado pela morte, como vemos e, Maude, espirituosa senhora de quase oitenta
anos, que vivem uma inesperada história de amor. A octogenária positiva e cheia
de alegria ensina ao garoto sensível, tiranizado pela mãe, os prazeres da vida
e da liberdade. O improvável romance já emocionou mais de 350 mil espectadores,
em 27 cidades do Brasil, nestes quatro anos em que esteve em cartaz. A
adaptação teatral do filme “Harold and Maude”, de Coling Higgins, traduzida por
Millôr Fernandes (cf. Braga, 2012) e dirigida por João Falcão, conta ainda com
a atuação de Ilana Kaplan, Antonio Fragoso e Elisa Pinheiro. Elogiada por
vários artistas de grande talento, como o ator Marcos Caruso, a peça tem provocado
grande comoção na plateia, que vai do riso à... lágrima.
1971.
O ano em que Alan J. Pakula inventou o cinema de Brian DePalma. Seu Klute - o Passado Condena se
apresentava como um thriller sexy e
doentio, trazendo um homem comum lidando com um psicopata misterioso, ao mesmo
tempo protegendo e sendo manipulado por uma prostituta atraente e inteligente.
Gravadores e escutas têm seus usos exibidos com riqueza de detalhes técnicos e
proximidade quase pornográfica. Assassinatos brutais são registrados de alguma
maneira bizarra. Nova York é retratada como uma cidade suja, perigosa, escura.
Não por acaso, soa como um DePalma de boa safra, como Um Tiro na Noite (1981), Vestida
para Matar (1980) ou Femme Fatale
(2002). É certo que Klute influenciou muito DePalma - e isso só faz enriquecer
mais um pouco a bela experiência que é curtir o filme de Pakula.
Várias
perdas importantes para o mundo do cinema naquela década. Só durante os últimos
12 meses, perdemos de grandes diretores - como Blake Edwards - a astros como
Tony Curtis. Em seguida foi a vez de Sidney Lumet. Este foi um dos grandes
diretores dos anos 1970 - a última “era de ouro” de Hollywood, época que ficou
com uma forte marca autoral. No entanto, sempre foi tratado como um “diretor
profissional”, ao invés de um “autor” - rótulo reservado para Scorsese,
DePalma, Kubrick etc. Uma bobagem. Lumet é responsável direto pela “cara” de
anos 1970: “um cinema feito nas ruas, com sua sujeira e sua urgência, sempre
com uma pegada meio desiludida, de homem honesto lutando contra o sistema”. É
dele, por exemplo, a obra-prima Um Dia
de Cão, com Al Pacino. O filme, dirigido por Sidney Lumet, traz Al Pacino
como Frank Serpico, “o policial dos sonhos dos liberais”: um cara normal,
fazendo seu trabalho e, que coisa!, incorruptível. Em Nova York, na década de 1970,
bem antes do “tolerância zero” - a cidade era um lixo. Como é um cara normal, e
como estamos em 1973, ele anda barbudo e vestido feito um hippie, o que faz com
que tenha mais facilidade para arrumar umas mulheres e fazer amigos, mas também
faz com que seja visto como uma excrecência por seus colegas e superiores.
Trabalhando à paisana, começa a ter sucesso nas suas missões de deter
traficantes e outros bandidos.
Se
fosse hoje, David Beckham torceria o nariz. A patrulha politicamente correta
acusaria o roteiro de misoginia, fascismo, cinismo. A Academia ignoraria o
filme, que mofaria na prateleira de comédias da locadora sobrevivente do seu
bairro. Mas, felizmente, A Última Missão,
do grande Hal Ashby, foi lançado em 1973, foi indicado para três Óscares e fez
sucesso. E é um deleite poder reviver, em plena era de astros de futebol com
sobrancelha feita, uma jornada de machos em estado bruto: brigas, bebedeiras,
visitas à casa de tolerância, problemas com a lei - e, claro, as altas questões
da abordagem entre marmanjos. Um filme “de homem pra homem, todos orgulhosos de
suas barrigas de cerveja e do seu vocabulário de estádio de futebol, sem
concessões a um metrossexualismo que
nem existia”. A tal missão do título é dada a dois jovens oficiais da Marinha:
o “porra-louca” Buddusky (que vira simplesmente “Badass”) e o disciplinado
Mulhall (que vira simplesmente “Mule”) são escalados para escoltar um soldado à
prisão. O meliante não passa de um moleque crescido – é inseguro, tímido,
passivo - e atende pelo nome de Meadows. Seu crime: “ter roubado 40 dólares da
caixinha de doações para uma instituição de caridade”.
Para
sermos breves, a camada “metrossexualidade” ou o “metrossexualismo”, logo o metrossexual: é um termo originado nos
finais dos anos 1990, pela junção das palavras “metropolitano e sexual”, sendo
uma gíria “para um homem urbano excessivamente preocupado com a aparência,
gastando grande parte do seu tempo e dinheiro em cosméticos, acessórios, roupas
e tem suas condutas pautadas pela moda e as ´tendências` de cada estação”. Foi
usado pela primeira vez em 1994, pelo jornalista britânico Mark Simpson e foi
aproveitado pelas revistas masculinas britânicas e norte-americanas para
fazerem desta definição o seu público-alvo. Depois da sua utilização ter
decrescido nos EUA, o termo foi reintroduzido em 2000 a par da diminuição dos
tabus relativos à cultura gay e com a qual este termo era frequentemente
confundido.
Mas só em 2002 é que o termo se popularizou.
Tudo começou com um novo artigo de Mark Simpson, onde afirma que um exemplo
conhecido de alguém que se encaixa no perfil do “metrossexual” é David Beckham,
atleta do Los Angeles Galaxy, que “gosta
de passar o dia nas compras, arranjar as unhas, ir ao cabeleireiro ou cuidar do
corpo”. Após a publicação de tal artigo, a firma Euro RCSG Worldwide adoptou-o
numa pesquisa de mercado e o jornal New
York Times deu uma grande destaque à “metrossexualidade”, difundindo
amplamente o termo. Os chamados “metrossexuais” são conhecidos por não viverem
sem “a sua marca predileta de hidratante para a pele, apreciarem um bom vinho,
sonharem com o último modelo de carro desportivo e gostarem de comprar peças de
design. Estes seres vaidosos estão
geralmente bem colocados profissionalmente”.
O
filme redescoberto daquela semana foi Nashville,
um dos filmes mais emblemáticos dos anos 1970. Dirigido por Robert Altman, pode
ser considerado a pedra fundamental, o marco zero do cinema “independente
americano”. Por dois grandes motivos: 1) foi um fracasso comercial e
praticamente jogou no buraco a carreira de diretor “contratável” de Altman (a
partir dali, era ele sozinho contra o mundo); e 2) foi o primeiro filme sem protagonistas
ou trama evidentes - quase vinte anos depois, o seu Short Cuts e, logo depois, Pulp
Fiction, liderariam a série de filmes “adultos” que marcariam a era Miramax.
Nashville,
com seus 24 personagens principais e suas “mini-tramas” inacabadas, é costurado
pelo cenário da música country da cidade no Tennessee, com seus tipos excêntricos,
bregas e ufanistas, ao mesmo tempo em que se constrói um “showmício” de um
candidato a senador - um assessor passeia pelo elenco do filme, recrutando
artistas para o evento. Como resultado, temos um retrato da cultura da Deep America, com seu direitismo cristão
fundamentalista - mas também “de sua ingenuidade humana, com profundas crenças
no seu trabalho e no orgulho por sua terra”. No final, essa equação escancara
seu desequilíbrio, fechando um filme sensacional. Apesar do fracasso nas
bilheterias, Hollywood foi gentil com Nashville
e o indicou para vários Oscars -
entre eles, filme e direção (para Altman, que foi esnobado) e atrizes
coadjuvantes (Lily Tomlin, cativante como a mãe retraída de dois filhos surdos,
e Ronee Blakley, como a mais famosa - e problemática - cantora local).
Bibliografia
geral consultada:
NB: O beijo (Der Kuss) é um quadro do pintor austríaco Gustav Klimt. Executada
em óleo sobre tela, medindo 180x180 centímetros, entre 1907 e 1908, é uma das
obras mais conhecidas do Klimt, graças a um elevado número de reproduções; BRAGA,
Ubiracy de Souza, “Modernidades e
Cultura de Fronteira”. Conferência escrita e falada na 4ª Reunião Especial da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência. Campus da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, BA, 24
a 28 de novembro de 1996; Idem, “Hannah Arendt: No limiar entre a ética, a
política e a rememoração”.http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/12/hannah-arendt-no-limiar-entre-etica.html;
Idem, “Millôr Fernandes: história, humor & política”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/03/30/millor-fernandes-historia-humor-politica-por-ubiracy-de-souza-braga/; FREUD, Sigmund, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca
Neuva, 1972, 3 Volumes; FOUCAULT,
Michel, Histoire de la folie à l’âge
classique. Paris, Éditions Gallimard, 1972; ELIAS, Norbert, A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001; ÀRIES, Phillippe, História
da Morte no Ocidente - da Idade Média aos Nossos Dias. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2003; ALBERONI, Francesco, O Erotismo,
Fantasias e Realidades do Amor e da Sedução. São Paulo: Circulo do Livro,
1986; ANONIMO, Las Mil y Una Noches.
Textos Íntegros. 3ª Edición. Madri/Barcelona: Ediciones 29, 1985, Tomo I-II; KOURY,
Mauro Guilherme Pinheiro (org.), Imagens
& Ciências Sociais. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 1998; CLASTRES,
Pierre, A sociedade contra o Estado.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988; AQUINO, Tomás de, Summa Theologica. 2ª edição. Porto Alegre: Escola Superior de
Teologia São Lourenço de Brindes, 1980-1981: AGOSTINHO, La inmortalidad del alma. Lope Cilleruelo. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1988; Idem, Confissões.
São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os
pensadores); Idem, Sobre a
potencialidade da alma (De quantitate
animae). Petrópolis (RJ): Vozes, 2005; PLATÃO, Fedro. 275-c a 276-d e Carta VI, 344-c. d.; Idem, Obras Completas. Madrid: Aguillar, 1977,
entre outros.
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