quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Três Reisados Cearenses: Crato, Juazeiro & Barbalha.


                              
Ubiracy de Souza Braga*

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Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências (USP) junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

           
             Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha formam a região metropolitana, na região do Cariri, sul do Ceará: a distância que separa as 3 é de menos de 10 km. Crato e Barbalha são as cidades mais antigas, fundadas no século XVIII. Juazeiro do Norte foi emancipada no início do século XX pelo extraordinário Padre Cícero Romão, que depois de morto “passou a ser considerado um santo pela maioria absoluta dos católicos nordestinos” (cf. Della Cava, 1976; Silva, 1982; Aquino, 1997; Neto, 2009). Milhões de pessoas vão a Juazeiro do Norte todos os anos, por causa do Padre Cícero. Na devoção popular, é conhecido como “Padim Ciço”. Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste.
Em março de 2001, foi escolhido “O Cearense do Século” em votação promovida pela TV Verdes Mares em parceria com a Rede Globo de televisão. Em julho de 2012, foi eleito um dos “100 maiores brasileiros de todos os tempos” em concurso realizado pelo SBT com a BBC. Juazeiro do Norte tem quase 250.000 habitantes, e é a maior cidade do interior do Ceará. Crato tem quase 100.000 e Barbalha, mais de 50.000. As três juntas formam um complexo urbano de mais de 400.000 habitantes. Trataremos de aspectos gerais desse processo social de comunicação que transcende a região vista como mero instrumento da ação política e/ou religiosa.
             
- “Ha um ano atrás surge a ideia de estimular o contato entre os jovens da região CRAJUBAR, já que, Crato, Juazeiro e Barbalha são três das cidades maiores e mais conhecidas do Cariri. Mas de que forma? Sabemos que as redes sociais são, atualmente, um dos meios mais influentes e mais utilizados por jovens em todo o mundo, sendo assim, as redes sociais foram a melhor maneira para atrair os jovens e proporcionar a cada um deles a oportunidade de manter o contato entre jovens de sua própria cidade e de cidades vizinhas. Já que até então não havia nenhuma comunidade no Orkut voltada para os jovens da região e pelo fato do Orkut ser uma das redes sociais mais influentes entre os jovens do Cariri, surge a ideia de se criar uma comunidade totalmente voltada para os jovens. Surge então a marca CRAJUBAR TEEN. A comunidade atinge o seu objetivo e em pouco tempo ganha destaque entre os jovens. Hoje estamos presente em quase todas as redes sociais e estreamos a pouco tempo esse Blog. Quero agradecer desde então todos que colaboram e torcem pela Crajubar Teen, todos os membros da comunidade, seguidores no Twitter, amigos no Facebook e a toda galera que esta diariamente visitando o Blog. Para comemorar essa data segue as fotos enviadas a Crajubar Teen, e mais uma vez, obrigado pelo carinho e apoio!”.

Tim Maia foi um cantor, compositor, produtor, maestro, multi-instrumentista e empresário brasileiro, responsável pela introdução do estilo.....


...... soul na música popular brasileiro e reconhecido mundialmente como um dos maiores ícones da música no Brasil. Ele refere-se ao Padre Cícero da seguinte forma:
No sertão do Crato,/Nasce um homem pobre/Porém muito jovem,/porém muito jovem/Todo mundo vai saber/Quem ele é/Este homem estuda,/Mesmo sem ajuda/Se formou primeiro/E no Juazeiro/Todo mundo respeitou,/O padre Cicero, Padre Cicero,/Padre Cicero, padre Cicero/Daí então tudo mudou,/De reverendo a lutador/Desperta ódio e amor,/passaram anos pra saber/ Se era bom ou mal,/Mas ninguém/Até hoje afirmou/Era um triste dia,/Pois alguém jazia/Cego, surdo e pobre,/Cego, surdo e pobre/Desse jeito faleceu, o padre Cicero/Padre Cicero, padre Cicero/Padim Ciço”.
                       
O multi-instrumentista Tim Maia, Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1942 - Niterói, 15 de março de 1998.
A Região Metropolitana do Cariri (RMC) está localizada no estado brasileiro do Ceará. Surgiu a partir da conurbação entre os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, denominada então Crajubar. Foi criado por uma Lei Complementar Estadual nº 78 sancionada em 29 de junho de 2009. Somando-se a eles, foram incluídas as cidades limítrofes situadas no Cariri cearense: Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. Tem como área de influência a região sul do Ceará e a região da divisa entre o Ceará e os estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. O Metrô do Cariri foi construído para interligar as cidades do núcleo da RMC e ser o principal meio de transporte do interior cearense. O município do Crato é o maior em área, com 1.009,202 km². Juazeiro do Norte é o menor município, com 248,558 km², e também o mais populoso, com 249.936 habitantes. Nova Olinda é o de menor população, apenas 14.256 habitantes. Inegavelmente, o Cariri é um dos principais polos de turismo religioso do País, chegando a receber mais de 1 milhão de turistas anualmente. Além dos investimentos no turismo religioso na região há o seguimento do turismo científico, que vem sendo fortalecido por meio de investimentos do Governo do Estado.
A região do Cariri é marcada por forte “religiosidade popular” (cf. Clemen, 1927; Clemen, 1932-33; Cascudo, 1965; Barthes, 1972; Brandão, 1985; Grotowski, 1989; Barroso; 1996; Mendes, 2005; Brantes, 2007) que remete a acontecimentos do final do século XIX, período em que a Capela de Nossa Senhora das Dores, localizada em Juazeiro do Norte - CE foi palco do fenômeno conhecido como “milagre da hóstia”, quando o pão eucarístico teria se transformado “em sangue na boca da beata Maria de Araújo durante a missa celebrada pelo Padre Cícero”. Tal acontecimento resultou na atração de devotos para a referida cidade - tida por sagrada, e, consequentemente, o afluxo de fiéis favoreceu o crescimento econômico e político local. Diante do milagre e dos resultados por ele provocados, o Crato - e posteriormente também à cidade de Barbalha - desenvolve políticas para se diferenciar e combater Juazeiro e, desta forma, firmar sua suposta primazia intelectual e tradicional, visto que já tinha perdido para a cidade dos que classificavam como fanáticos religiosos do Padre Cícero, o domínio econômico e político da região.
Nesse contexto surgiu, em 18 de outubro de 1953, o Instituto Cultural do Cariri - I.C.C., “(...) um espaço privilegiado [sic] para produção da crença no adiantamento cultural do Crato, através do qual esse grupo de ‘especialistas’ esmerou-se em ‘valorizar’ a tradição cultural cratense”. Os intelectuais do ICC publicam, na década de 1950, na cidade do Crato, textos e livros que falam sobre as manifestações tidas como folclóricas, além de incentivarem a apresentação desses grupos na comemoração do centenário do Crato e no 4º Centenário de São Paulo. O instituto em questão fundou uma cultura histórica regional que discursava sobre o passado e a “preservação” do folclore carirense. Um exemplo de elementos dessa Cultura Histórica a respeito das práticas populares do Cariri pode ser apreendido na obra O folclore no Cariri, do estudioso cratense J. de Figueiredo Filho. Nela se pode ver a atuação dos intelectuais como patronos e promotores do folclore regional. Desde outubro de 1953, por ocasião das empolgantes festividades, em comemoração ao centenário de elevação do Crato à categoria de cidade, que o folclore carirense apareceu, com toda a sua pujança. Para figurar naqueles festejos, foi preciso muito esforço do grupo intelectual, que depois fundou o Instituto Cultural do Cariri. Ainda existia certo ranço de prevenção contra os folguedos que nasceram da vida anônima do povo simples, dos brejos e pés-de-serra. Mas, tudo foi contornado e vencido pela gente que lia e escrevia, na tradicional e progressista cidade do Crato.
           
As ações dos barbalhenses a respeito de Juazeiro do Norte em muito pareciam com as dos cratenses. Esta compatibilidade de costumes e visões favorecia a ideia de que as cidades eram coirmãs e, portanto, dignas de homenagem. O que se percebe no jornal A Ação, pertencente à Diocese do Crato, é justamente isso:
O Crato Tênis Clube, pela sua Diretoria, já decidiu a realização de uma suntuosa festa de “black tié” [sic], ou seja, do mais alto nível social, festa essa a ocorrer durante o mês de Novembro próximo, quando será prestada significativa homenagem á sociedade de Barbalha, cidade co-irmã do Crato irmanada nos objetivos de aperfeiçoamento da sociedade caririense. A festa será eminentemente social, e se exigirá de todas as damas uma toalete e todos os cavalheiros deverão trajar passeio escuro completo” (cf. A Ação, 16.09.1967, p. 06).
            Nota-se, a partir daí, que outras cidades, como é o caso de Barbalha, passam a inserir os grupos, dentre os quais está o Reisado de Congo - prática cultural há muito existente na região - nos eventos culturais, políticos e, sobretudo, religiosos. Até o início da década de 1970, os grupos folclóricos faziam suas atuações nas práticas costumeiras, ou seja, no dia do padroeiro de Barbalha, Santo Antônio, em 13 de junho, a festa se resumia à realização do cortejo do pau da bandeira e à celebração eucarística, não ocorrendo, desta forma, nenhum tipo de folguedo. Tais medidas de “recuperação” e “valorização” geram apropriações e reinvenções por parte dos brincantes2 do Reisado de Congo e, por extensão, “(re) significações simbólicas”, na falta de melhor expressão, em maior ou menor grau. Em outras palavras, a espetacularização das artes populares produz, em certa medida, uma reinvenção dessas práticas por parte dos grupos que as constituem provocando, segundo Carvalho (2004), a morte das experiências sociais e políticas. As invenções ou reformulações promovidas pelos participantes dos grupos folclóricos se tornam perceptíveis nas músicas, indumentárias ou na própria atuação teatral. O processo se intensifica com a atuação da prefeitura local, que fornece novas indumentárias, calçados padronizados e pagamento em troca da apresentação em comemorações e datas especiais, especialmente na Festa de Santo Antônio, padroeiro da cidade.
Escólio: Mircea Eliade foi um professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno, naturalizado norte-americano em 1970. Do ponto de vista metodológico Eliade demonstrou que é em torno da “consciência da manifestação do sagrado” que se organiza o comportamento do homo religiosus. Este crê em uma realidade absoluta, o sagrado, e desse fato, assume no mundo um modo de existência específico. O sagrado manifesta-se sob diversas formas: ritos, mitos, símbolos, homens, animais, plantas, etc. Ele manifesta-se qualitativamente de forma diferente do profano, e chama-se hierofania a irrupção do sagrado por intermédio do mundo profano. O homem apreende a irrupção do sagrado no mundo e descobre assim a existência “de uma realidade absoluta, o sagrado que transcende este mundo, mas que nele se manifesta e, desse fato, o torna real”. Manifestando-se, o sagrado cria uma dimensão nova. Descobrir essa dimensão sacra do mundo é próprio do homo religiosus, para quem o profano somente tem sentido na medida em que ele é revelador do sagrado.
Em seus estudos sobre a história das crenças e das ideias religiosas, Eliade (2010) observa que as sociedades arcaicas tinham a tendência de viver o mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. O autor afirma que o mundo, de certa forma, está impregnado de valores religiosos. A história das religiões é constituída por um número considerável de hierofanias, manifestações das realidades sagradas. Por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto, numa pedra ou numa árvore até a hierofania suprema, que é, para os cristãos, a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Surge um paradoxo: manifestando o sagrado, um objeto qualquer se torna outra coisa e, ao mesmo tempo, continua a ser ele mesmo, porque segue participando do meio cósmico envolvente.  O reisado, objeto dessas notas de leitura, é uma dança popular profano-religiosa, de origem portuguesa, com que “se festeja a véspera e o Dia de Reis”.
A lógica dialogal dos cantos é baseada em duas vozes: o coro da primeira voz que puxa os cantos e o coro da segunda voz que responde à primeira. Nisto, a qualidade dos cantos é indissociável do estado de atenção ao outro: ouvir o que está sendo cantado, pois,
em todas as canções, as palavras do Santo são praticamente incompreensíveis, pois no diálogo das vozes dissonantes, ritmadas pelo alto volume dos instrumentos de percussão, é, sobretudo a sonoridade das vogais que chega aos ouvidos do dono-da-casa. Mas para as Reiseiras estas palavras são importantíssimas, porque além de transmitir a mensagem do Santo, elas orientam a sequência dos versos no diálogo entre as vozes. Este valor das palavras exige das reiseiras uma grande atenção ao que está sendo falado, pois uma distração pode desandar o canto e quando isto acontece o Reis perde a sua força. A concentração nos versos cantados pela voz emitida em altíssimo volume, conduz o corpo numa espécie de meditação sonora. O senso auditivo é fundamental nesta lógica dialogal dos cantos. Pela audição se estabelece uma relação entre as partes de dentro e fora da casa, que prepara a interação visual e corporal das reiseiras com o dono-da-casa. O canto de entrada é finalizado com o grito de uma reiseira: Viva o dono-da-casa! E todos respondem: Viva! A mesma reiseira grita Viva São Sebastião! E o dono-da-casa, antes de abrir a porta responde: Viva! Cantando as palavras do Santo, as reiseiras celebram a pessoa que abre sua casa para receber o Reis. Esse duplo sentido do canto (veículo das palavras do Santo e celebração do dono-da-casa) abre o diálogo das reiseiras com o espaço da casa” (cf. Brantes, 2007).
            Melhor dizendo, como afirma Eliade, o sagrado é um elemento na estrutura da consciência, e não um estágio na história desta consciência. E pela imitação dos modelos revelados por Seres Sobrenaturais que a vida humana toma sentido. A imitação de modelos transumanos constitui uma das características primeiras da vida religiosa, uma característica estrutural que é indiferente à cultura e à época. A partir dos documentos religiosos mais arcaicos que nos sejam acessíveis até ao cristianismo e ao Islã, a imitatio dei, como norma e linha diretriz da existência humana, jamais foi interrompida; na realidade, não poderia ter sido de outra forma. Em níveis mais arcaicos de cultura, viver enquanto ser humano é cm si um ato religioso, pois “a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm um valor sacramental”. Em outros termos, ser, ou melhor, tornar-se um homem significa “ser religioso”.
No período de 24 de dezembro a 6 de janeiro, um grupo formado por músicos, cantores e dançarinos vão de porta em porta anunciando a chegada do Messias e fazendo louvações aos donos das casas por onde passam e dançam. Reisado também é muito conhecido como “Folia de Reis”. É de origem portuguesa e instalou-se em Sergipe no período colonial. Atualmente, é dançado em qualquer época do ano, os temas de seu enredo, variam de acordo com o local e a época em que são encenados, podem ser: amor, guerra, religião entre outros. Compõe-se de várias partes e tem diversos personagens como o rei, o mestre, contramestre, figuras e moleques. Os instrumentos que acompanham o grupo são: violão, sanfona, ganzá, zabumba, triângulo e pandeiro. Na interpretação do filho do rei do baião e mais conhecido como Gonzaguinha, (Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1945 - Renascença, a 29 de abril de 1991) foi um cantor e compositor brasileiro, filho adotivo do cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga e de Odaleia Guedes dos Santos (mãe verdadeira), cantora do Dancing Brasil. Após uma apresentação em Pato Branco, no Paraná, Gonzaguinha morreu aos 45 anos vítima de um acidente automobilístico às 7h30 min do dia 29 de abril de 1991, entre as cidades de Renascença e Marmeleiro, enquanto dirigia o automóvel, um Monza da Chevrolet, rumo a Francisco Beltrão, depois ia a Foz do Iguaçu. Dedicou os últimos anos da sua vida à cuidar da obra de seu pai.
Rei com sua sanfona de prata/Rei com seu gibão de couro/Estrela de ouro no chapéu/Carrega consigo o céu/Pra semear pelo o sertão./Com sua voz potente/Já deixou sua marca/Todo nego sanfoneiro/Sabe bem o seu rojão./Seu sorriso escancarado/Figura forte e cravado/De norte a sul, leste, oeste/No peito dessa nação./Rei com sua sanfona de prata/Rei com seu gibão de couro/Estrela de ouro no chapéu/Carrega consigo o céu./Pra semear pelo o sertão/Lui, lua, lula/Rei pra ninguém botar defeito/Humildade, honestidade/Véio macho, meu respeito./Seu sorriso escancarado/Figura forte e cravado//De norte a sul, leste, oeste/No peito dessa nação./Rei com sua sanfona de prata/Rei com seu gibão de couro/Estrela de ouro no chapéu/Carrega consigo o céu/Pra semear pelo o sertão”.
Contudo, do ponto de vista da interpretação da cultura, para o que nos interessa, Luís da Câmara Cascudo (1921; 1924; 1934; 1944; 1956; 1958; 1965; 1967; 1971; 1972; 1979; 1985), historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro, com sabor passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo da cultura brasileira. Foi monarquista nas primeiras décadas do século XX. Durante a década de 1930, combate a crescente influência marxista no Brasil, e, em parte, sob a impressão causada pela assim chamada “Intentona Comunista de 1935”, quando Natal fora palco e sede da primeira tentativa de um governo fundado nas ideias marxistas da América Latina, Cascudo aderiu ao integralismo brasileiro e foi membro destacado e Chefe Regional da Ação Integralista Brasileira, o movimento nacionalista encabeçado por Plínio Salgado.
Desencantou-se rapidamente com o Integralismo, tal como outro famoso ex-integralista, Dom Hélder Câmara, e já durante a Segunda Guerra Mundial favoreceu os Aliados, demonstrando sua antipatia aos fascistas italianos e aos nazistas alemães. Fiel ao seu pensamento anticomunista, não se opôs ao golpe político-militar de 1964, mas “protegeu e ajudou a diversos potiguares perseguidos pelos militares”. Muito contribuiu para a cultura na gestão do Prefeito de Natal, Djalma Maranhão. O conjunto de sua obra é considerável em quantidade e qualidade: ele escreveu 31 livros e 9 plaquetas sobre o folclore brasileiro, em um total de 8.533 páginas, o que o coloca entre os intelectuais brasileiros que mais produziram, ao lado de nomes como Pontes de Miranda e Mário Ferreira dos Santos. É também notável que tenha obtido reconhecimento nacional e internacional publicando e vivendo distante dos centros Rio e São Paulo.
Conceptualmente afirma que o Reisado é “a denominação erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e nascimento do Menino Jesus”. Em Portugal é conhecido como “Reisada” ou “Reseiro”. No Brasil é uma espécie de revista popular, recheada de histórias folclóricas, mas sua essência continua a mesma, com uma mistura de temas sacros e profanos. É formado por um grupo de músicos, cantores e dançarinos que “percorrem as ruas das cidades e até propriedades rurais, de porta em porta, anunciando a chegada do Messias, pedindo prendas e fazendo louvações aos donos das casas por onde passam”. A denominação de Reisado persiste ainda na maioria dos estados do Nordeste. Em diversas outras regiões o folguedo é chamado de “Bumba-meu-boi”, “Boi de Reis”, “Boi-Bumbá” ou simplesmente, “Boi”. Em São Paulo é conhecido como “Folia de Reis”, onde a festa é composta de apresentações de grupos de músicos e cantores, todos com roupas coloridas, entoando versos sobre o nascimento de Jesus Cristo, liderados por um mestre.
A Tiração de Reis, pelos reisados do Cariri cearense, ou a Folia de Reis, assim chamada em diversas outras regiões brasileiras, pelos grupos de foliões, são tradicionalmente realizadas no período de 25 de dezembro a 6 de janeiro. Têm sua origem primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romanos e depois adotada pelos egípcios. A festa romana era comemorada em 25 de dezembro (calendário gregoriano) e a egípcia em 6 de janeiro. No século III ficou estabelecido que dia 25 de dezembro se festejasse o Nascimento de Cristo e 6 de janeiro, Dia dos Reis, homenageando os Reis Magos Gaspar, Melchior e Baltazar, que levaram ouro, incenso e mirra, que representam, segundo a Igreja Católica, as três dimensões de Cristo, que são realeza, divindade e humanidade. Durante 12 dias, a partir do Natal até 6 de janeiro, acontece a Tiração de Reis.
Fazem parte do espetáculo os “entremeios” (corruptela de entremezes), pequenas encenações dramáticas que são intercaladas com a execução de peças, embaixadas e batalhas. Os personagens são tipos humanos ou animais e seres fantásticos humanizados, cheios de energia e determinação. Folguedo do ciclo natalino é comemorado em várias regiões brasileiras, principalmente no Norte e Nordeste, onde ganhou cores, formas e sons regionais. Em Alagoas, constitui-se numa representação dramática, normalmente curta e pobre de enredo, acompanhada e precedida de canto. Em Sergipe, é apresentado em qualquer época do ano e não apenas nas festas de Natal e Reis. Os temas de seu enredo variam de acordo com o lugar e o período em que são encenados: amor, guerra, religião, entre outros.
O Reisado apresenta diversas modalidades e é composto de várias partes: a abertura ou abrição de porta; entrada; louvação ao Divino; chamadas do rei; peças de sala; danças; guerra; as sortes; encerramento da função. A música no Reisado está sempre presente. O Mestre é o solista, sendo respondido pelo coro a duas vozes. Os instrumentos utilizados alternadamente são: a sanfona, o tambor, a zabumba, a viola, a rebeca ou violão, o ganzá, pandeiros, pífanos e os maracás, chocalhos feitos de lata, enfeitados com fitas coloridas. Há uma grande variedade de passos nas danças do Reisado, entre os quais se pode destacar: do Gingá, onde os figurantes de cócoras se balançam e gingam; da Maquila, um pulo pequeno com as pernas cruzadas e balanços alternados do corpo para os lados, passo também exibido pelos caboclinhos; corrupio, movimento de pião com o calcanhar esquerdo; Encruzado, cruzando-se as pernas ora a direita à frente da esquerda, ora ao contrário.
Tem como personagens principais o Mestre, o Rei e a Rainha, o Contramestre, os Mateus, a Catirina, figuras e moleques. O Mestre é o regente do espetáculo. Utilizando apitos, gestos e ordens, comanda a entrada e saída de peças e o andamento das execuções musicais. Usa um chapéu forrado de cetim, de aba dobrada na testa (como o dos cangaceiros), adornado com muitos espelhinhos, bordados dourados e flores artificiais, de onde pendem fitas compridas de várias cores; saiote de cetim ou cetineta de cores vivas, até a altura dos joelhos, enfeitado com gregas e galões, tendo por baixo saia branca, com babados; blusa, peitoral e capa. O traje do Rei deve ser mais bonito e enfeitado. Veste saiote ou calção e blusa de mangas compridas de cores iguais, peitoral, manto de cores diferentes em tecido brilhante (cetim ou laquê);calça sapato tênis (tipo conga), meiões coloridos e na cabeça uma coroa feita nos moldes das dos reis ocidentais, semelhante a das outras figuras, porém encimada por uma cruz; levam nas mãos uma espada e, às vezes, também um cetro. Durante o cortejo os Reis vêm na frente, logo atrás do Mestre e do Contramestre. A Rainha é representada por uma menina, com vestido de festa, branco ou rosa, uma coroa na cabeça e um ramalhete de flores nas mãos.
           
                                     Cena de um Reisado (2009).
Juazeiro é uma cidade de grande efervescência cultural. Pesquisa feita pela UFRJ em todo o país e divulgada em março de 2009, constatou que a cidade de Juazeiro do Norte é a maior em população envolvida em atividades culturais, como vimos, chegando a receber mais de 1 milhão de turistas anualmente. Esse “caldeirão de cultura” tem registrados junto a secretaria de cultura do estado, 72 grupos de cultura popular. Existem vários grupos folclóricos de reisado, maneiro-pau e malhação de Judas, entre outros. A literatura de cordel e a xilografia também são bastante difundidas (cf. Braga, 2012), especialmente em função da Academia de Cordelistas de Juazeiro do Norte e a Lira Nordestina da Universidade Regional do Cariri.
Na música, o forró sobressai como ritmo predominante, destacando-se Alcymar Monteiro, Luiz Fidélis e Santanna, músicos juazeirenses consagrados em todo o Nordeste do Brasil. Em 2001 Alcymar Monteiro, na época secretário de cultura, criou o Juaforró, uma festa junina que hoje está entre as maiores do gênero. O repente é muito popular, especialmente em época de romaria, ocasião em que os violeiros saem pelas ruas fazendo versos e desafios de rimas. Outros ritmos conquistaram espaço em Juazeiro, como é o caso do rock, axé e Música eletrônica, existindo várias bandas independentes. As escolas públicas de Juazeiro mantêm a tradição das fanfarras, sendo que nas comemorações da Independência do Brasil elas desfilam pela cidade. Outra tradição mantida é a da rabeca, instrumento arcaico semelhante ao violino, havendo inclusive uma orquestra de rabecas em Juazeiro. Enfim, a Orquestra Armorial do Cariri seguiu viagem para Istambul a partir dos primeiros dias de maio de 2012. O grupo fez duas apresentações na Turquia, por meio de uma parceria com a Universidade Técnica do Oriente Médio. A orquestra vem de uma formação de mais de dez anos, com jovens músicos da região, tendo à frente o artista Di Freitas. Os shows tem obtido um interesse maior das instituições acadêmicas, que desejam conhecer o som que é produzido a partir da própria identidade cultural do povo do Cariri e sua ancestralidade. Di Freitas dá mais vida a rabeca. Leva o som do violoncelo, das cabaças estilizadas, promovendo um resgate aos instrumentos rústicos. Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Forró: Dança, rebolado, beleza e internacionalização do gênero”. Disponível em: http://httpestudosviquianosblogspotcom.dihitt.com.br/n/arte-cultura/2012/05/29/; Idem, “Notas sobre cordel & poesia popular: o legado do Ceará. Disponível em: http://encantacantadores.blogspot.com.br/2012/07/; CLEMEN, Carl Christian, Die Religionen der Erde. Munique, 1927; Idem,  Ilrgeschichtliche Religion. Die Religionen der Stein - Bronze - und Eisenzeit, I-II, Bonn, 1932-1933; ANDRADE, Mário de, As danças dramáticas no Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1934; Idem, “Danças dramáticas”. In: Obras completas. Tomo I, vol. XVIII. São Paulo: Livraria Martins, 1959; DELLA CAVA, Ralph, Milagre em Joazeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; SILVA, Antenor Andrade, Cartas do Pe. Cícero. Salvador - Bahia, 1982; AQUINO, Pedro Ferreira de, O Santo do Meu Nordeste - Padre Cícero Romão Batista. São Paulo: Ed. Letras & Letras, 1997; NETO, Lira, Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009; BATISTELI, Líbero, I fuori-classe: tentativo di una determinazione e di un orientamento politico dei residui sociale. Rio de Janeiro: Tip. Cupolo, 1931; BARTHES, Roland, Mythologies. New York: Hill and Wang, 1972; BRANDÃO, Junito de Souza, Mitologia Grega. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1986, 419 p. 3 vols.; CASCUDO, Câmara, Alma Patrícia, critica literária. Editor Atelier Typ. M. Vitorino, 1921; Idem, Histórias que o tempo leva. Ed. Monteiro Lobato, S. Paulo, (outubro 1923), 1924; Idem, Viajando o sertão. Natal: Imprensa Oficial, 1934; Idem, Tradições populares da pecuária nordestina - MA-IAA n° 9, Rio de Janeiro, 1956; Idem, Dicionário do Folclore Brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: INL/MEC, 1962, 2 volumes; Idem, Dicionário do Folclore Brasileiro. 7ª edição. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1993; Idem, Made in África. Rio de Janeiro: Ed. 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